Com 600 membros espalhados por 65 países, presidir a Relais & Châteaux não é tarefa fácil. “É verdadeiramente difícil”, confessa Laurent Gardinier, que assumiu a presidência da associação em janeiro de 2023, ao fim de 17 anos no conselho administrativo. “Mas é uma tarefa absolutamente interessante e apaixonante“, garante ao Observador, do outro lado de uma vídeochamada que atendeu a partir de Paris, meticulosamente encaixada numa agenda agitada, constantemente em viagem.
Há cerca de um mês, a Relais & Châteaux lançou o seu segundo Travel Book, revista anual em formato coffee table que conta histórias dos membros da associação, explora tendências do turismo e restauração, e dá um saltinho imersivo a destinos onde os seus 600 membros estão presentes, espalhados entre cinco continentes. Aos hotéis de charme, adicionam-se 800 restaurantes, 370 deles distinguidos no Guia Michelin. Com isto, a associação encapsula mais de 42 mil funcionários por todo o mundo.
Os membros da Relais & Châteaux em Portugal
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- Bela Vista Hotel & Spa e Restaurante Vista (Portimão)
- Belcanto (Lisboa)
- Casa da Calçada e Largo do Paço (Amarante)
- Casa Velha do Palheiro (Funchal)
- Fortaleza do Guincho (Cascais)
- Grand House e Grand Salon (Vila Real de Santo António)
- Herdade da Malhadinha Nova (Beja)
- L’AND Vineyards e Mapa (Montemor-o-Novo)
- Quinta Nova Winery House e Terraçu’s (Sabrosa)
- The Yeatman (Vila Nova de Gaia)
- Valverde Lisboa Hotel & Garden (Lisboa)
- Valverde Santar Hotel & Spa (Nelas)
Fundada em maio de 1954 em França, com oito propriedades entre Paris e Nice, a Relais & Châteaux nasceu sob o mote La Route du Bonheur (“a estrada para a felicidade”, em tradução livre). Expandiu além fronteiras em 1960 e continuou a crescer, sempre de mãos dadas com a hospitalidade independente, diferenciadora, muitas vezes operada pelas mesmas famílias há várias gerações, respeitando e preservando a diversidade cultural, gastronómica e arquitetónica locais.
Hoje, a Relais & Châteaux recebe cerca de 500 candidaturas espontâneas por ano, das quais, após meticulosa inspeção do conselho administrativo, cerca de seis ou sete são aprovadas. No ano em que se prepara para celebrar 70 anos de existência, o Observador conversou com o atual presidente para conhecer tendências atuais da hospitalidade, a evolução da gastronomia como motivação turística e a presença de Portugal na associação.
Como foi este primeiro ano no cargo?
Atarefado e desafiante. Atarefado, porque tive de redescobrir a organização e de começar a encontrar-me com os membros, que estão espalhados por 65 países, o que é impossível de fazer no espaço de um ano. Mas é uma tarefa absolutamente interessante e apaixonante, considerando que estamos a falar de uma associação. Não é uma empresa tradicional. É uma associação, e o objetivo do que fazemos é trabalhar para benefício dos membros, e não para o benefício da própria organização. Por isso, trabalhamos de acordo com um modelo que é totalmente diferente do de qualquer outra empresa. Todos os membros são sócios, o que a torna uma organização muito particular.
Como tem sido fazê-lo ao mesmo tempo que tem o seu próprio hotel [Domaine Les Crayères] e restaurante Michelin [Le Parc]?
Sou sortudo o suficiente para trabalhar com os meus dois irmãos. Por isso, deixei-os com a maior parte do trabalho que fazia na empresa. Agora, estou dedicado à Relais & Châteaux. Assim, é possível fazer as duas coisas.
Quão importante é o presidente da Relais & Châteaux ser alguém que vem da indústria?
Sou membro do conselho da Relais & Châteaux há 17 anos. Por isso, venho da indústria e, ao mesmo tempo, venho da direção da organização. Vindo da indústria, penso que, como em qualquer outro trabalho, é importante conhecê-la. Estava ciente do que se passava e falei com colegas, pelo que foi um começo agradável. Mas também é possível virem de fora pessoas que estão a entrar numa nova posição na indústria, que não a compreendem, e que, muito rapidamente, lidam bem com o desafio. Por isso, para mim, a chave não é vir da indústria. A chave é vir da organização da Relais & Châteaux, porque é uma associação com uma forma de trabalhar muito específica. Penso que chegar aqui sem saber como fazemos o trabalho — e sem conhecer previamente os membros — poderia ter sido muito desafiante.
Esses 17 anos no conselho administrativo prepararam-no para o desafio ou houve algumas surpresas?
Quando estava no conselho de direção, não pensava todas as manhãs na ideia de vir a ser presidente. Aceitei o cargo por ser um prazer, por ser interessante e por poder abrir a minha mente. Quando fazemos a mudança de membro do conselho para presidente, mudamos de um cargo não operacional para um cargo operacional. E isso muda tudo. Porque, subitamente, passamos de estar a monitorizar para estarmos a operar.
É difícil?
É verdadeiramente difícil. Não tive surpresas, porque o meu antecessor, o presidente anterior, passou-me as chaves de uma organização muito simpática, sem quaisquer surpresas más. No entanto, é uma nova forma de lidar com as coisas.
Numa entrevista recente, disse que, todos os dias, as pessoas acusam a Relais & Châteaux de ser antiquada. Quer provar que isso não é verdade?
Não são poucas vezes, digo-lhe. Antes de mais, os nossos clientes têm uma média de idades bastante nova, abaixo dos 50, o que, neste nível de mercado, penso que seja uma idade bastante jovem. Em segundo lugar, olhando para o site e para as propriedades que gerimos, não sinto que sejamos antiquados, nem sequer um bocadinho velhos. Fazemos sonhar. Temos estabelecimentos maravilhosos que querem entrar na associação. Quando temos de gerir mais de 500 candidaturas por ano, penso que a resposta seja que não somos antiquados.
Quantas candidaturas receberam no ano passado?
A média anual são 500, mas tem estado a aumentar progressivamente. Temos quatro canais de candidatura. O primeiro canal, no qual recebemos 500 candidaturas por ano, acontece por candidatura espontânea. Depois, temos as candidaturas que são resultado de desenvolvimento, em que tentamos encontrar boas propriedades. Adicionalmente, há a entrada de estabelecimentos irmãos de hotéis que já estão inseridos na Relais & Châteaux — já têm um espaço na associação e querem abrir outro. E, por fim, há as recomendações da rede, de membros da Relais & Châteaux.
As 500 candidaturas são então a soma dos quatro canais?
As 500 candidaturas são as espontâneas. Dessas, aceitamos seis ou sete por ano. Quando se trata de propriedades irmãs, o rácio de sucesso é superior. Ao todo, no ano passado, aceitámos um total de cerca de 30 candidaturas, sendo apenas sete candidaturas espontâneas.
Fale-me de como vê o estado atual do turismo.
A tendência é boa, o número de reservas é bom. Quando olhamos para o que se passa no mundo, na Ucrânia e no Médio Oriente, e a crise [económica] que enfrentamos agora. O cenário é positivo e sólido, o que é surpreendente. Não estamos a enfrentar o enorme colapso da procura e as previsões são fortes.
Como explica isso?
É difícil dizer. Penso que a nossa proposta de valores, baseada em pequenas propriedades, num serviço global, com um ADN gastronómico forte, vai ao encontro de muitas mudanças na procura, que têm sido notadas desde a pandemia.
Como descreveria essas mudanças?
A Relais & Châteaux deve propor — é esse o nosso trabalho — o melhor da cultura e da comunidade local. Quer seja na arquitetura ou gastronomia, por exemplo, é sempre local. Isso é o mais importante, e é cada vez mais valorizado. Nós oferecemos o melhor, culturalmente falando, e penso que, por isso, verificamos uma atividade positiva. O turismo e hospitalidade estão fortes e nós encontrámos o nosso espaço neste mercado.
Considera que o interesse na gastronomia tem vindo a aumentar?
Sim. A gastronomia é uma peça chave na atividade de um país, atualmente. Isso é muito recente. Há alguns anos, o foco eram os hotéis, a paisagem. Agora, a gastronomia é um tema de peso para o turismo. E nós fomos a primeira organização gastronómica do mundo. Somos muito bons nisso. É mais um motivo para os hóspedes nos procurarem, porque a maioria dos hotéis que temos têm restaurantes muito bons, o que os torna destinos em si mesmos.
O interesse em Portugal como destino turístico também parece estar a aumentar. É isso que verificam na associação?
É um destino muito bom, para nós. Tem restaurantes extraordinários. O Guia Michelin resolveu separar Espanha e Portugal pela primeira vez este ano. Portugal está muito, muito dinâmico agora.
Como viajante, que sítios recomendaria em Portugal?
Adoro o The Yeatman, a gastronomia é absolutamente fantástica. O Valverde Hotel, em Lisboa. O Belcanto é um restaurante, muito, muito bom. Também gostava de conhecer o novo hotel de Christian Louboutin [Vermelho, em Melides]. Nunca lá estive, mas vi fotografias e adorava visitar.
“La vie en rouge”. Vermelho, o hotel de Christian Louboutin em Melides, já tem as reservas abertas
Qual é a sua parte favorita do trabalho?
Encontrar-me com os membros.
As pessoas, portanto.
Sim, as pessoas. Não apenas os proprietários, ou os diretores, mas também as pessoas que trabalham nos hotéis. Porque, quer estejamos no Japão ou na América do Sul, conseguimos sentir os diferentes aspetos culturais dos sítios, de uma forma muito, muito forte.
Que próxima viagem tem planeada?
Vou à Colômbia. Estou muito entusiasmado com isso, porque nunca lá estive. Também vou a Napa Valley, na Califórnia. Temos muitos membros na Califórnia. Por isso, apesar de já ter lá estado, estou muito feliz por regressar e encontrar os nossos belíssimos membros norte-americanos.
E beber bons vinhos?
Beber bons vinhos.
Como planeia celebrar o 70.º aniversário da associação?
Vamos celebrar com os nossos membros ao longo de todo o ano, porque vamos encontrar-nos com eles, em encontros de delegação. Em novembro, vamos ter um congresso com todos os membros e as suas famílias em Paris, porque foi onde a Relais & Châteaux nasceu, em 1954, há 70 anos.