Quatro reformas estruturais para o país, um máximo de uma dúzia de propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2023 e um diagnóstico que é o ponto de partida para os próximos anos da Iniciativa Liberal: “Portugal não cresce, não convence, não cuida porque o PS não faz ideia como fazer nenhuma destas coisas acontecer.”
João Cotrim Figueiredo encerrou as primeiras jornadas parlamentares da Iniciativa Liberal, em Coimbra, com um plano para a atual legislatura que envolve quatro grandes reformas estruturais no país: Saúde, Educação, Segurança Social e Administração Pública. Durante os últimos dois dias foram “passadas em revista” cerca de 180 medidas, mas o partido vai focar-se em 40 ou 50, algumas para serem apresentadas depois do Orçamento do Estado e outras para quando surgir “oportunidade política”.
Até lá, e porque o Orçamento do Estado será entregue dentro de uma semana, o presidente liberal anunciou que o partido só vai apresentar “uma dúzia ou pouco mais de propostas de alteração ao documento”. Propostas “cirúrgicas” — como já tinha referido Carla Castro em entrevista ao Observador —, “verdadeiramente reformistas, disruptivas e liberais”.
Carla Castro: “Aumentos transversais na função pública não fazem sentido para a IL”
O líder liberal destaca propostas para “eliminação da dupla tributação, redução de taxas e simplificação de procedimentos”, com relevo para “os que vivem do rendimento do trabalho”. E antecipa ainda que, “desta vez”, a IL vai “dar particular atenção a situações que ficam sempre nas franjas, como são o caso dos trabalhadores com profissões liberais”.
Questionado sobre a possibilidade de a IL se sentar à mesa com o Governo para negociar este Orçamento do Estado, João Cotrim Figueiredo responde com um redondo “não” (que logo de seguida apelida de uma “reação um bocadinho epidérmica”) e corrige: “Não vai haver negociações com vista ao Orçamento do Estado ou alterar votações do Orçamento”.
A justificação era clara: “Um OE que nasce socialista nunca vai morrer liberal.” Porém, e clamando os eleitores da IL, Cotrim Figueiredo admite fazer o possível para tentar “melhorar a vida” das pessoas. “Se recebermos alguma indicação de que o PS está disponível para trabalhar na nossa proposta de IRS — que este ano vai voltar a ser com uma taxa única para os cinco primeiros escalões, mas acabar com todas as desculpas de redução de impostos para os que ganham mais, tudo isso vai ficar resolvido e quero ver o que vão dizer agora —, se manifestarem alguma disponibilidade para falar, na altura devemos ter essa disponibilidade, mas é dos cenários que nesta sala ninguém acredita.”
Recusa a palavra “cedências”, mas assume que os liberais têm arranjado “forma de ir obstando às objeções” que vão sendo feitas pelo PS e promete até continuar a trabalhar para “tirar objeções”. Apesar disso, antecipa o cenário: “Quando não sobrar objeção nenhuma vai sobrar a única coisa que interessa politicamente: o PS não quer baixar impostos, nem para os mais pobres.”
“Não alinharemos no jogo deste PS da maioria absoluta, que de dialogante não tem nada, e as propostas que apresentaremos — e que provavelmente a maioria absoluta, como rolo compressor que tem sido, vai chumbar — vão ser verdadeiramente reformistas — coisa que o PS não é e o PSD deixou de ser — disruptivas e liberais.”
Crescer, convencer e cuidar: o diagnóstico do que falta a Portugal, segundo Cotrim
João Cotrim Figueiredo faz o “diagnóstico” de um país sem “grande futuro”, culpa o PS pela falta de crescimento de Portugal e coloca a Iniciativa Liberal como a “única alternativa política para quem não aceita o estado de estagnação e desesperança a que o PS está a levar o país”.
Os sintomas são claros para o líder liberal: “Portugal não cresce, não convence e não cuida porque o PS não faz ideia como fazer nenhuma destas coisas acontecer.”
Citando um relatório da OCDE que refere que “para um português que esteja entre os 10% mais pobres, vai demorar 5 gerações a atingir a média de rendimento nacional”, Cotrim Figueiredo traçou o quadro de “um país que não convence aqueles que não deviam sair a ficar, aqueles que deviam vir a voltar e aqueles que se deviam multiplicar a ter mais filhos não é um país com grande futuro”.
E vai ainda mais longe, ao dizer que Portugal também “não cuida daqueles que mais precisam”, nomeadamente dos cidadãos que “precisam de cuidados de saúde e não têm alternativa senão recorrer ao SNS”. “Se há atestado de incompetência atribuído todos os dias ao PS é de Portugal ser o país onde os seguros privados mais crescem e a proporção de despesas com saúde pagas do próprio bolso a privados ser a maior ou a penúltima em toda a OCDE”, sublinha o presidente da IL.
As quatro reformas da IL
Perante os problemas que os liberais apontam ao país, João Cotrim Figueiredo apresentou quatro reformas estruturais para os próximos tempos. Reformas a que chamou de “profundas e corajosas” e que têm como fim uma visão para um “Portugal mais prospero e desenvolvido”.
A reforma da Saúde será a primeira a merecer a atenção da IL, seguida da reforma da Educação e mais tarde as da Segurança Social e Administração Pública.
Perante o problema prioritário que os liberais consideram estrutural, o presidente do partido revelou que a reforma da Saúde apresentada pela IL será consubstanciada numa nova lei de bases da saúde e será assente em várias premissas: introdução da liberdade de escolha dos doentes relativamente ao prestador de saúde e da concorrência entre prestadores, nos setores público, social e privado.
É preciso, enaltece Cotrim Figueiredo, “acabar de uma vez por todas com um sistema exclusivamente baseado num SNS que está em colapso e que faz com que aqueles que não têm alternativa possam ver garantido o acesso universal não às listas de espera, mas a um efetivo cuidado de saúde”.
Quando à Educação, os deputados da IL focaram-se na questão da durante as jornadas parlamentares — estiveram até em duas escolas de Coimbra — e Cotrim Figueiredo crê que Portugal “não cuida de quem vê na educação a única maneira de quebrar ciclos viciosos de pobreza e de desfavorecimento”.
A reforma do sistema educativo proposta pela IL prevê o “acesso gratuito universal a creches e ensino pré-escolar, incluindo ofertas do setor privado e cooperativo”, mas também pretende dar “autonomia” às escolas em várias vertentes; criar mecanismos e sistemas de avaliação e dar liberdade de escolha às famílias e alunos quanto à escola que pretendem frequentar. “Está na hora de o futuro dos jovens deixar de ser determinado pelo código-postal da sua residência”, atira o líder liberal.
Dentro desta reforma, Cotrim dá ainda destaque à necessidade de reformulação do ensino técnico-profissional — enaltecendo a importância de não haver uma estigmatização e discriminação destes alunos — e do ensino superior, com a defesa de mais autonomia para as instituições, mas também com a “liberdade total de fixação dos critérios dos alunos” no acesso às faculdades e politécnicos.
Sobre a reforma pensada para o sistema de Segurança Social, uma promessa: “Não vamos mentir como faz o PS.”
“O sistema que existe não é sustentável ou a esquerda diz que é e nós vamos dizer, com todas as letras, que só é se formos sempre aumentando impostos de quem trabalha ou descendo reformas de quem já deixou de trabalhar”, sublinha o líder liberal.
Durante a apresentação dos esboços das propostas, Cotrim Figueiredo revela que com este sistema “os mais necessitados não podem ficar para trás nesta reforma” e a IL promete “medidas que possam garantir que idosos dependentes de reformas que sejam insuficientes para uma vida digna, disponham de mecanismos que garantam acesso a alojamento em lares e a outras necessidades básicas como alimentação e medicamentos”.
No que toca à reforma da Administração Pública, os liberais querem uma “qualificação e valorização” da mesma, por acreditarem que “sem uma administração pública mais qualificada, mais bem paga, naturalmente mais pequena também, não haverá qualidade de decisões públicas que afetam a vida de tanta gente”.
Trata-se, aos olhos do partido, de uma das reformas “mais profundas e complexas do ponto de vista técnico”, mas que a IL quer que veja a luz do dia ainda nesta sessão ou, mais tardar, na próxima. Para que esta reforma avance, será preciso “colocar em funcionamento o sistema de informação de organização do Estado (SIOE)”, já que Cotrim está certo que “qualquer reforma da Administração Pública sem esta ferramenta será como conduzir de olhos vendados”.
A IL aposta numa “revisão profunda” do sistema de avaliação, onde o “mérito” seja o principal fator de promoção ou de aumento remuneratório dos funcionários públicos e onde seja incluída uma “harmonização das carreiras e das remunerações com as respetivas tabelas remuneratórias”.
Para o futuro, Cotrim Figueiredo deixou ainda alguns dos temas abordados pelos liberais que merecerão destaque quando for “oportuno”: “O crescimento verde, uma proposta liberal para o ambiente, estratégia para a água, sistema eleitoral, política de segurança, ajustamento fortes ao regime de funcionamento das plataformas de transportes individuais e táxi e descontos na ADM que afetam a Segurança Social dos militares.”