Um certo dia acorda com vontade de perder dinheiro. Como fazê-lo de maneira eficiente, de preferência sem sair de casa? Especular no mercado cambial é uma das melhores soluções para o seu desejo. As estatísticas revelam que provavelmente terá prejuízos, mesmo que se esforce por atingir lucros.

O mercado cambial, que envolve a compra e venda de divisas e operações com produtos derivados sobre divisas, é o maior do mundo. “Graças à evolução da tecnologia e a corretoras como a XTB, qualquer investidor tem a oportunidade de intervir no mercado cambial, beneficiando de condições que antes apenas estavam ao alcance de investidores institucionais”, conta Francisco Horta, diretor-geral da sucursal portuguesa da corretora polaca X-Trade Brokers, conhecida por XTB.

A elevada dimensão do mercado não quer dizer que deva aplicar diretamente o seu dinheiro em moedas. A experiência estado-unidense mostra que cerca de dois terços dos investidores de retalho perdem trimestralmente dinheiro.

Os intermediários norte-americanos que oferecem contas de retalho para negociar no mercado cambial (conhecido por forex, do inglês foreign exchange) são obrigados pela entidade de supervisão, a Commodity Futures Trading Commission, a divulgar a percentagem de clientes que registam prejuízos. No último trimestre de 2015, mais de 56 mil contas entre quase 90 mil tiveram perdas nos câmbios. Foram 62% dos investidores a alcançarem prejuízos.

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América: contas de negociação cambial com prejuízos
Cerca de 62% dos investidores norte-americanos de retalho no mercado cambial tiveram prejuízos no último trimestre de 2015.
Intermediário financeiro Número de contas de retalho Proporção de contas com prejuízos
Interactive Brokers 32.956 55,06%
FXCM 23.614 70,00%
Oanda 17.703 62,70%
Gain Capital 13.282 67,00%
IBFX/TradeStation 1.923 70,50%
Fonte: intermediários, Finance Magnates.

O último trimestre de 2015 não foi particularmente negativo para os investidores norte-americanos de divisas. Desde que há registo destas estatísticas, a proporção média de contas cambiais negativas foi de 65%, ou seja, quase dois terços dos clientes. Esta proporção variou trimestralmente entre 60,5% e 73,1%.

Proporção de contas de retalho de câmbios com prejuízos trimestrais entre o quarto trimestre de 2009 e o quarto trimestre de 2015.

Alguns intermediários chegam a ter mais de 80% dos clientes com perdas num trimestre. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Forex Club no último trimestre de 2010. Entretanto, esta companhia abandonou o mercado.

Bem-vindo ao maior mercado do mundo

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Em abril de 2013, os mercados cambiais movimentaram cerca de quatro biliões de euros por dia. A esse ritmo, a indústria movimenta a cada hora o equivalente ao produto interno bruto português de um ano. Na mesma altura, em Portugal, transacionaram-se 2,2 mil milhões de euros por dia nos mercados cambiais à vista e de derivados.

Valor médio diário transacionado em abril a nível mundial
em biliões de euros

Fonte: Banco de Pagamentos Internacionais.

Como o mercado de divisas é efetivamente global, os investidores cambiais fora dos Estados Unidos da América, como os portugueses, também terão maioritariamente más experiências? Enrique Diaz-Álvarez, diretor da gestão de risco da Ebury, que, entre outras coisas, gere o risco cambial para os seus clientes empresariais, defende que não há razões para não extrapolar a proporção de perdas para Portugal. “Os especuladores individuais raramente têm bons resultados no mercado dos câmbios”, afirma.

Perdas em Portugal

Grosso modo, os intervenientes do mercado de divisas podem ser divididos em dois grupos: os que fazem cobertura cambial (por exemplo, uma empresa portuguesa que espera uma parte da faturação em reais brasileiros) e os que especulam (aqueles que compram reais porque acreditam que apreciarão). Graças à grande dimensão do mercado, “os custos de transação [são] baixos para os que fazem cobertura das suas exposições”, diz Enrique Diaz-Álvarez.

Francisco Horta confirma que “é possível que haja trimestres em que a percentagem [de clientes da XTB com perdas nos câmbios] se aproxime desses valores” de cerca de 65%. Todavia, o diretor-geral da corretora diz que há muitos fatores determinantes, como “o comportamento da maioria dos agentes que atuam no mercado, tais como bancos centrais, bem como notícias da atualidade, que têm forte influência nestes ativos e geram volatilidade que tem efeito nos resultados dos investidores”. Para ajudar os clientes, Francisco Horta aposta na formação gratuita.

Quem são os maiores nos câmbios?

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As estatísticas mais recentes do Banco de Portugal, de abril de 2013, mostram que 59,4% das transações cambiais são efetuadas no mercado de derivados. As estatísticas da CMVM dos dois primeiros meses de 2016 revelam que são usados contratos diferenciais em 71,5% do valor das ordens sobre derivados de taxas de câmbio. Nesse período, a XTB absorveu 60,9% do valor das ordens em contratos diferenciais (incluindo sobre divisas), seguida do Banco Best (10,6%), da Dif Broker (8,9%), do Banco Carregosa (8,3%) e da Orey Financial (7,2%). Banco de Investimento Global, Golden Broker, Montepio e ActivoBank reuniram os restantes 4,1%.

A XTB é provavelmente o maior intermediário de derivados sobre câmbios, porque é responsável por mais de 60% do volume negociado em contratos diferenciais (contracts for difference, em inglês, ou CFD), o instrumento derivado mais usado para apostar nas divisas, segundo os dados da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

Pedro Lino, o presidente da Dif Broker, explica que não consegue aferir a proporção de carteiras com perdas, porque “mais de 50% do número de clientes da Dif Broker que utilizam CFD de forex é para proteção cambial e não para especulação”.

“Pode existir um trimestre onde existam muitos clientes com perdas cambiais, mas que sejam compensados nos preços dos ativos, e outros com ganhos anormais nos câmbios, mas com perdas nos outros instrumentos financeiros”, conta o presidente da Dif Broker, uma das principais corretoras na negociação de derivados sobre divisas em Portugal.

Enrique Diaz-Álvarez, da Ebury, que não tem clientes particulares, diz que os contratos diferenciais “funcionam bem para especulação, mas a verdadeira cobertura cambial exige normalmente a troca física de duas moedas”.

Embora não seja possível concretizar, a percentagem de contas com perdas cambiais no Banco Best está muito longe dos 65%, segundo informação transmitida ao Observador pela direção de marketing da instituição. No euro-dólar, que representa mais de 80% dos negócios dos clientes do Banco Best que participam diretamente no mercado de divisas, as operações fechadas com ganhos foram “substancialmente superiores” às operações fechadas com perdas em 2015.

Profissionais também perdem

Não são apenas os investidores de retalho que perdem dinheiro a aplicar em divisas. Muitos investidores profissionais também acabam por registar desvalorizações do património, incluindo gestores de fundos.

Entre os 13 fundos de investimento cambial disponíveis aos clientes bancários portugueses, apenas três conseguiram apresentar um desempenho positivo nos últimos 12 meses. O melhor fundo – o Neuberger Berman Diversified Currency EUR A, que ganhou 2,26% – fica muito longe da rentabilidade média de -4,32% desta categoria. Mesmo analisando prazos superiores, os resultados não ficam muito longe de zero: em média, 0,26% por ano no último triénio e 0,55% por ano no quinquénio.

Os únicos fundos cambiais positivos
A maioria dos fundos cambiais disponíveis aos investidores portugueses desvalorizaram no último ano. Estes são os únicos que ganharam.
ISIN Fundo Rentabilidade anualizada bruta
Classe de risco Comercialização
1 ano 3 anos 5 anos
IE00B3L3LY94 Neuberger Berman Diversified Currency EUR A 2,26% 0,39% -1,20% 3 Banco Best, Banco Invest, BIG
LU0568619802 Amundi Global Macro Forex SE 0,63% 0,34% n.a. 3 ActivoBank, Banco Best, Banco Invest
LU0271666793 Pioneer Absolute Return Currencies C EUR 0,21% 0,63% 0,04% 3 Banco Best, BIG
Fonte: Bloomberg, entidades comercializadoras a 8 de abril de 2016. Classe de risco entre 1 (risco baixo) e 7 (risco elevado). n.a. = não aplicável.

A maior aposta de Ugo Lancioni, o gestor responsável pelo Neuberger Berman Diversified Currency EUR A, é na queda do franco suíço. “O franco suíço continua sobrevalorizado e o último inquérito à indústria sugere que, face ao abrandamento do crescimento europeu, a força cambial continua a pesar sobre a economia suíça”, justifica o especialista no seu último relatório mensal.

Um mercado que quase não dorme

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Graças à globalização, ao contrário da maioria dos mercados, que estão diariamente mais tempo fechados do que abertos, as transações cambiais podem ser efetuadas num horário quase contínuo. Desde a abertura do mercado na segunda-feira em Sidney (às 20 horas de domingo em Portugal continental) até ao fecho da praça nova-iorquina na sexta-feira (às 22 horas em Lisboa), os investidores cambiais podem negociar as principais divisas em contínuo durante 122 horas, mais de cinco dias consecutivos.

Um dos piores fundos nesta área tem sido o Nomura C10 USD A: perdeu 10,03% no último ano, por exemplo. Os gestores desenvolveram um modelo “desenhado para capturar a rentabilidade das divisas mais bem posicionadas para beneficiar do crescimento da China e da apreciação do iuane”. O último relatório do fundo mostra que as maiores apostas são dirigidas para o rublo russo, o rand sul-africano e o peso chileno.

Alavancagem no centro da questão

Enrique Diaz-Álvarez, o responsável pela gestão de risco dos clientes da Ebury, nomeia a alavancagem como um risco adicional para os especuladores que usam instrumentos derivados sobre câmbios, como contratos diferenciais, futuros e opções.

Os intermediários financeiros permitem que os clientes de forex alavanquem os investimentos, isto é, os investidores conseguem aplicar mais dinheiro do que têm nas suas contas. Por exemplo, se a corretora indicar um rácio de 20:1 (diz-se “20 para 1”), significa que o investidor pode aplicar 20 vezes o seu saldo. Logo, com um montante de mil euros pode comprar ou vender 20 mil euros contra o dólar norte-americano, por exemplo.

“Do ponto de vista dos investidores especuladores ou cujo objetivo é ganharem sem ter um ativo subjacente para proteger, o mais atrativo deste instrumento financeiro, que pode também ser o mais destruidor, é o efeito alavancagem”, explica Pedro Lino, que lidera a Dif Broker. “Com uma pequena volatilidade no par cambial, o investidor pode ganhar ou perder muito”, conclui.

Há intermediários estrangeiros que promovem alavancagens até 500:1, possibilitando, por isso, uma exposição cambial de um milhão de euros a clientes com apenas dois mil euros. “Um verdadeiro perigo para o investidor e, creio, para toda a indústria”, defende Pedro Lino.

Com uma elevada alavancagem, uma pequena flutuação pode conduzir à perda total do património e, no limite, a mais do que se tem na conta. Se isto acontecer, a posição é automaticamente fechada pelo corretor e o cliente fica responsável pela dívida sobrante.

Alertas vermelhos da CMVM.

A CMVM, que é a autoridade portuguesa dos mercados financeiros, obriga os intermediários que oferecem plataformas de negociação cambial com alavancagem a publicarem um alerta gráfico que indique que existe “risco de perder a totalidade do capital investido” ou “risco de perder mais do que o capital investido”. É o nível vermelho dos produtos financeiros complexos, o mais alto.

Custos em constante mudança

Embora alguns intermediários cobrem comissões fixas sobre as operações cambiais dos clientes, muitos corretores afirmam que não têm comissões. Todavia, isso não quer dizer que não haja custos. Os intermediários praticam preços diferentes na compra e na venda dos pares cambiais, encaixando a diferença. É a sua margem, normalmente chamada de spread.

Três segundos fazem diferença. Estas são janelas de negociação da plataforma Saxo Trader para o par euro-dólar às 14:00:00 (esquerda) e às 14:00:03 (direita) de Portugal continental do dia 13 de abril de 2016.

Os preços estão constantemente a mudar e os spreads também acompanham a flutuação do mercado, além de dependerem do volume transacionado. Exatamente às 14 horas de Lisboa na passada quarta-feira, os clientes de retalho do Saxo Bank, um banco dinamarquês, poderiam vender um euro por 1,13121 dólares norte-americanos e comprar um euro por 1,13130 dólares em operações de um milhão de euros (que, graças à alavancagem de 50:1, exigiria apenas 20 mil euros na conta). Nesse momento, a margem do Saxo Bank era de 0,00009 dólares. Diz-se que o spread era de 0,9 pips. Um pip é o menor incremento de um câmbio oficial. Embora o Saxo Bank opere com cinco casas decimais, o euro-dólar é divulgado com quatro casas decimais, por exemplo, pelo Banco de Portugal. Três segundos depois, o spread era de um pip. Na meia hora anterior, a margem do banco dinamarquês variou entre 0,8 e 1,2 pips.

Os intermediários portugueses mais ativos no mercado cambial para investidores apontam para spreads médios no euro-dólar em torno de três pips, tanto nas operações à vista como no mercado de derivados, de acordo com os seus preçários. É possível pagar margens mais reduzidas em corretores estrangeiros de maior dimensão. No entanto, se tentar abrir conta diretamente no Saxo Bank, a instituição dinamarquesa convida-o a experimentar um dos seus oito parceiros em Portugal: ActivoBank, Banco Best, Banco Carregosa, Banif, Dif Broker, Golden Broker, Montepio e Orey Financial. Ao contrário da sucursal portuguesa da polaca XTB, estes parceiros usam a plataforma de negociação desenvolvida pelo Saxo Bank.

O spread no euro-dólar (o par responsável por 87% das transações cambiais em Portugal, segundo o banco central) é dos mais baixos; a margem noutras divisas tende a ser superior. Enquanto aponta para uma margem de dois pips na negociação de euro-dólar através de contratos diferenciais, a XTB aplica 700 pips no euro-rublo russo, segundo o seu preçário depositado na CMVM.

O custo em pips pode parecer pouco, mas a alavancagem das apostas e elevada rotação dos investimentos multiplicam a despesa. Porque é que os investidores rodam muito a carteira investida em câmbios? Porque se não o fizerem, podem pagar. Quando os clientes dormem com os seus investimentos derivados em divisas, os intermediários financeiros cobram comissões diárias, atualmente a uma taxa anual entre 2,5% e 3%. Além disso, as apostas na queda de um par cambial (as chamadas posições curtas) também podem gerar custos de financiamento.

As despesas dos investidores cambiais podem avolumar-se. Pedro Lino revela que 20% das receitas da Dif Broker têm origem nas transações dos clientes nos mercados cambiais, por exemplo. Estes custos são apenas mais uma razão para não especular no maior mercado do mundo.