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© Ricardo Castelo / Observador

© Ricardo Castelo / Observador

Quim Barreiros: "Vi gente famosa que se andou a arrastar em palco. Vou saber parar"

Mulherengo, acelerado, sem papas na língua. Numa entrevista de vida, Quim Barreiros, com 69 anos, diz não saber lidar com tristezas e conta porque começou a fazer trocadilhos.

É um dos principais artistas nacionais. Ainda assim, ao ligar para o número que aparece na página de Quim Barreiros e nos próprios CDs, é ele quem atende. Não há cá editoras nem assistentes pessoais pelo meio. Quando explicamos que queremos mergulhar pelo passado e saber mais sobre o seu percurso de vida, o músico minhoto avisa logo: “Ó minha querida, então não me venha perguntar quando é que eu nasci e tal, isso está tudo no meu site. Leia tudo antes para eu não me estar a repetir”.

Com Joaquim de Magalhães Fernandes Barreiros é tudo a aviar. “Não há tempo a perder” devem ser as cinco palavras que mais usa, taco a taco com “cabritinha”, “garagem da vizinha” e “quero cheirar teu bacalhau”. Quando fomos a Vila Praia de Âncora, em Viana do Castelo, onde nasceu e ainda vive, queria começar a entrevista ali mesmo, na esplanada.

Contrapomos: gostaríamos de ir para um lugar mais calmo — a sua casa é que não, “nunca nenhum jornalista lá entrou”, diz –, até para vermos com calma as fotografias que lhe tínhamos pedido para selecionar. “Fotos? Ó minha querida, eu lá tenho tempo para procurar fotos.” Não trouxe nenhuma. Valeu-nos a editora Espacial, que guarda algumas. “Quando cá veio o Bruno Nogueira [para o programa ‘Som de Cristal’] também queria fazer isto e aquilo e eu disse-lhe logo: ‘Tu é que tens de andar atrás de mim, não é o contrário’.”

A entrevista foi feita na albergaria que possui, mesmo em frente à praia. Também já lá teve um restaurante, mas acabou por fechá-lo. “Um restaurante exige dedicação e eu não tenho vida. Se uma pessoa não está, os empregados comem-nos”. É por isso que põe o número de telemóvel até nas contracapas dos discos. Já no final da entrevista, recebe uma chamada com um convite para um espetáculo. É ele que decide o preço no momento e combina tudo.

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Também não lhe sobra muito tempo para os três netos e os dois filhos, Pedro, com 40 anos, e Emanuel, com 24. A diferença de idades deve-se ao facto de o filho mais novo ser fruto de uma relação extraconjugal. “É as tais brincadeiras que a gente…”, explica-nos Quim, sem vergonha de assumir que, apesar de casado há mais de 40 anos, ainda hoje não vira as costas a uma aventura. Fez recentemente 69 anos e, claro, levou logo o número para a capa do mais recente disco. Chamou-lhe Eu Faço 69.

https://www.youtube.com/watch?v=Zzm6RQrptvE

Conte-me uma coisa que nem os seus maiores fãs saibam sobre si.
Ui. O que eu podia contar eram romances com mulheres. Mas os mais velhos aqui da terra sempre me disseram que o maior segredo do mundo é aquilo que existe entre um homem e uma mulher. Como tal, não dá para contar nem aos meus fãs. Aliás, é um conselho que lhes deixo!

Quem foi o seu primeiro amor?
O meu primeiro namoro foi a Ana, uma mocinha aqui de Viana do Castelo. Teria os meus 18 anos, talvez.

O jovem Quim foi muito namoradeiro?
Opá, eu era namoradeiro, mas as moças não se davam muito bem comigo, mandavam-me embora. Não era eu que tinha de as “despedir”, eram elas que me “despediam” a mim.

Porquê?
Não sei… Eu andava sempre a mexer, não estava quieto [risos]

Não era por olhar para outras raparigas?
Não, não. Nessa altura não. As moças com 17, 18, 19 ou 20 anos querem dominar o homem, querem enclausurá-lo. E sabes que enclausurar o Quim Barreiros é como prender uma porção de vento numa gaiola.

E hoje, é mulherengo?
Sou.

Mas é casado.
Sim, há 42 anos, talvez.

"Uma pessoa está em cima do palco e eu acho que é normal depois uma fã telefonar-me e assim. E, quando vale a pena, levam com o sarrafo."

A sua esposa não se importa que se assuma como mulherengo?
Não. Porque é que há de ficar chateada?

Então a letra da música “Casado Também Namora” é verdadeira.
Não tenhas dúvidas nenhumas. A maior parte dos divórcios que se dão aí, é exatamente por as mulheres não admitirem que o seu marido vá ali ao lado.

Também admite que a sua mulher “vá ali ao lado”?
Que vá à vontade dela! É a mulher mais livre do mundo.

É assediado pelas fãs?
Ui, por muitas, minha querida. Também não sou assim tão feio! Uma pessoa está em cima do palco e eu acho que é normal depois uma fã telefonar-me e assim. E, quando vale a pena, levam com o sarrafo.

Quim barreiros com acordeão no sofá

Nos anos 1970, em digressão. © Foto cedida ao Observador

O seu pai, Joaquim Barreiros, nasceu no Brasil, a sua mãe, Margarida de Magalhães de Melo, perto de Marco de Canaveses. Como é que eles se conheceram?
O meu pai veio para Vila Praia em criança, quando já era homem tinha uma garagem de bicicletas e tocava acordeão. A minha mãe era uma mulher do Douro, veio para aqui com a família, conheceram-se novos, gostaram um do outro e acho que começaram aos beijos [risos]. E lá se casaram.

Sabe-se que nasceu em Vila Praia de Âncora a 19 de junho de 1947. Mas onde, exatamente?
Na casa do meu pai, ali na Praça da República. Nascido e criado, até à idade de ir para o serviço militar.

Normalmente, os artistas de sucesso acabam por se mudar para Lisboa ou para o Porto. O Quim viveu em Lisboa, mas acabou por se fixar aqui.
Naquele período inicial eu também tive de ir para Lisboa, vivi lá muitos anos quando fui para a Força Aérea. Só quando eu já era brutalmente conhecido é que resolvi voltar à base. Mas sem deixar Lisboa, tenho lá a minha casa nas Avenidas Novas e sempre que lá vou é lá que fico. De resto, vivi sempre aqui, tirando os grandes períodos que vivi em digressão nas comunidades portuguesas por esse mundo fora.

"Quem são os emigrantes? São pessoas que saíram da aldeia. Eu sei o que é que eles querem, que é aquilo que eu lhes dou."

Começou a trabalhar aos 9 anos, logo depois da quarta classe. Era preciso esse ordenado para ajudar em casa?
Qual ordenado. Eu primeiro fui aprender a fazer fazenda, os meus pais queriam que eu aprendesse uma arte e o dono da loja lá pagava alguma coisa a uma criança de 9 anos que estava a aprender. E depois fui trabalhar para a garagem de bicicletas do meu pai. Acha que os pais dão ordenados aos filhos? Dão é chapadas no focinho!

Com os seus três irmãos, também foi assim?
Com as duas irmãs mais velhas, a Rosa e a Manuela, sim. O meu irmão Cláudio já aparece mais tarde, porque o meu pai enviuvou muito novo. E depois também andou aí a namoriscar, então apareceu, graças a Deus, o Cláudio.

Teve uma infância feliz?
Tive, tive. Pobre, mas feliz.

[uma ex-colega do rancho de Santa Marta de Portuzelo entra na albergaria e interrompe a conversa para cumprimentar Quim, que não a conhece à primeira e pergunta: “também namoraste comigo?”. Não é o caso]

Mais tarde quis acabar o antigo 5.º ano para entrar na Força Aérea. Porquê esta decisão em plena Guerra Colonial?
Fui para a Força Aérea porque realmente sou um grande herói: exatamente para não ir para os tiros, para o mato, é que quis ir para a Força Aérea. Como era mecânico ia trabalhar com os radares e depois daí é que transitei para lá. Depois lá descobri a Banda da Força Aérea, entrei e nunca fui mobilizado.

quim barreiros tropa

Com a farda da tropa. © Foto cedida ao Observador

Pode-se dizer que, no seu caso, a música se calhar lhe salvou a vida.
Salvou-me a vida… É. Desde os 9 anos que a música me salva a vida. Há profissões melhores, mas eu não trocava.

Onde é que estava no 25 de Abril de 1974?
Estava em Lisboa. Acordei com as rádios e a televisão, sereno. Sereno porque como eu andava lá no meio da barulhada, ainda era militar, correu tudo normal. Eu nunca ligo muito a estas coisas, francamente. Eu já na altura trabalhava em quatro ou cinco casas de fados em Lisboa, todas as noites, mais as gravações. Passam-me ao lado essas coisas. Mas vi a Alameda D. Afonso Henriques e tal, depois achava um disparate andar em Lisboa de carro e aparecem-me patrulhas populares a revistarem os carros sem autorização nenhuma de ninguém. Alguns até meus conhecidos, mas eu achava aquilo uma coisa muito arbitrária, muito feia.

Tinha 20 anos quando foi para Lisboa cumprir o serviço militar. E foi nessa altura que começou a tocar acordeão nas casas de fado, à noite. Só aí é que percebeu que podia viver da música?
E que podia ir longe, sim. Antes não pensava nisso porque não havia hipótese para uma pessoa que estava na aldeia. Ainda por cima naquele tempo! Podia tocar muito bem, ser um grande artista, cantar muito bem, mas não era fácil.

Com 16 anos, ao lado de Amália, numa das viagens que fez ao estrangeiro com o rancho. ©Foto cedida ao Observador

©Foto cedida ao Observador

Levou a música folclórica para o Solar do Minho, para o Timpanas, Adega Machado, Caverna e até para o Solar da Hermínia, que era da Hermínia Silva. Não era olhado de lado pelos fadistas?
Ah pois. Naquele tempo havia casas de fado que eram exatamente catedrais do fado. Entrar um acordeonista numa casa daquelas era um sacrilégio para os fadistas mais velhos, não é? O tio Alfredo Marceneiro gostava muito de mim mas, sempre que passava por mim, era contra a minha presença lá. Dizia-me: “acordeonista aqui nas casas de fados… Eu não gosto muito, mas pronto, és bom rapaz, toda a gente gosta de ti”.

[Atende o telemóvel]. Vou pôr isto no silêncio, senão está sempre a tocar.

E ao longo da carreira, foi sentindo olhares superiores?
Não, não. Participei em muitas caravanas de artistas portugueses populares, que naquele tempo iam ter com as comunidades portuguesas para todo o mundo. Acompanhei o Francisco José, Tony de Matos, Duo Ouro Negro, Trio Odemira, Paco Bandeira, eu sei lá. Fazia a minha parte e eles faziam a deles. Sempre senti amizade por parte de todos. O meu tipo de música não tinha nada a ver com o deles, eu era um acordeonista, um tocador de sanfona, um brejeiro. Sempre me dei e dou bem com toda a malta da minha profissão.

Ao lado de Roberto Leal. © Foto cedida ao Observador

© Foto cedida ao Observador

O primeiro disco que lançou, em 1971, era de instrumentais da música tradicional portuguesa. Quando é que entrou no mundo dos trocadilhos brejeiros?
Exatamente quando, passados dois ou três anos de andar nas comunidades com esses artistas, percebi que podia fazer espetáculos sozinho mas, para isso, precisava de cantar. Porque só tocar acordeão não dava. Comecei a olhar para o lado e via grandes acordeonistas portugueses, mas que ficaram parados. O Carlos Areias, o Isidro Baptista, a própria Eugénia Lima. Comecei a fazer e o sucesso foi tão grande que a partir daí nunca mais deixei de gravar.

Podia ter começado a cantar sobre o amor, ou sobre outra coisa qualquer. Porquê os trocadilhos sobre sexo?
Ó minha querida, isto é muito simples. Cada um tem de saber para o que nasce. Eu comecei a tocar aos oito anos no Conjunto Alegria, com o meu pai, tenho essa escola toda de conjuntos musicais, de grupos folclóricos, portanto eu sei do que o povo gosta. Quem são os emigrantes? São pessoas que saíram da aldeia. Eu sei o que é que eles querem, que é aquilo que eu lhes dou. E, ao mesmo tempo, sei as minhas possibilidades. Tu já imaginaste o Quim Barreiros a cantar o fado? Não dá, eu não tenho voz para isso. Já viste o que era o Quim Barreiros a cantar uma música do Marco Paulo? Também não dá! E eu também não estou a ver o Marco Paulo a cantar o “Quero Cheirar Teu Bacalhau”, nem o Carlos do Carmo a cantar “A Garagem da Vizinha”.

A primeira música que eu gravei destas foi “Recebi um Convite (À Casa da Jóquina)”, uma canção popular. Depois comecei a gravar já por minha conta e o meu primeiro grande sucesso foi o “Franguito da Maria”, em 1975.

quimbarreiros

Vem de uma família conservadora. Quando o seu pai ouviu as letras não ficou chateado?
Não. Repara: se tu fores à nossa literatura dos séculos XVI, XVII, XVIII, às cantigas de escárnio e maldizer, estas letras brejeiras estão lá todas! Há antologias de autores portugueses, do Guerra Junqueiro até, que já tinham esta malandrice lá toda. Isto não é meu, isto é nosso, eu não vim descobrir nada. Tu ainda hoje se fores a uma festa popular em Portugal, ouves os homens e as mulheres a cantarem ao desafio e no meio daquilo tudo lá vem uma brejeirada. Isto é nosso e por isso é que tem piada. Comecei a cantar novo e já o Pedro Homem de Melo me dizia: “Quim, tu canta tudo de maneira a que as crianças não entendam!”. “Pronto, sotôr, eu vou fazer isso”. E é o que faço. De maneira que as crianças gostam das minhas cantigas, mas não as entendem. Bonito é eles mais tarde descobrirem: “Ah, ele quis dizer aquilo!”.

Olha, a frase do “entra a gosto” [da música “Qual é o Melhor Dia Para Casar”] foi-me dada por um reitor da Universidade de Vila Real! Ele disse-me qualquer coisa de entrar a gosto, para me dar o toque, mas eu não atingi logo também. Ele ficou calado e eu então é que percebi: “Eh pá! Ó professor Mascarenhas, isso vai dar uma canção”, disse-lhe logo.

Eu escrevo, mas há várias letras que me são enviadas por artistas de forró do nordeste do Brasil. Lá há muitos Quim Barreiros. “A Garagem da Vizinha”, assim como a “A Cabritinha” é de origem brasileira, não é minha. Nem letra nem música. O “Bacalhau à Portuguesa” e o “Chupa Teresa” também são deles.

Não me diga que o “Mestre de Culinária” afinal é brasileiro.
Essa é minha, tenho muitas minhas. Aliás, se pegares nos discos podes ver de quem são as letras e as músicas, está lá tudo.

Recentemente foi notícia por ter sido plagiado por um conjunto holandês, precisamente com “A Garagem da Vizinha”.
Isso não foi plágio. Sabes que há coisas que me interessa entrar na onda porque quanto mais se fala do bicho, melhor. Então, plágio abaixo, plágio acima, vêm cá as televisões e tal, mas isto é assim: eu lancei agora o Eu Faço 69, não é? O disco sai para a rua e amanhã tu podes pegar numa música dali, gravas, mas depois pagas direitos e tens de pôr “música do brasileiro X” e letra com autorização do brasileiro para fazer a adaptação para holandês. Há que pedir autorização à Associação Brasileira de Autores, que por sua vez pede ao autor. Isto não tem nada a ver com contrafação, qualquer pessoa em todo o mundo pode gravar as minhas músicas, tem é de pôr lá a quem pertence.

E em relação a outros músicos portugueses que lhe copiaram o estilo, que andam de acordeão na mão e fazem trocadilhos. Sente-se bem com isso?
Acho que nem copiaram. Se copiassem eu até me sentia feliz. Há aí uma rapaziada… Olha, governam-se e fazem eles muito bem. O mercado é tão grande que dá para todos, e alguns deles até me telefonam: “Ó sr. Quim, olhe, como é que eu devo fazer, faço assim?”. Estou farto de os aturar, mas até os ajudo.

Então se, por exemplo, a Rosinha lhe ligar, não desliga o telefone.
Sou muito amigo da Rosinha e fico satisfeito que ela leve no pacote [risos]

"'A Garagem da Vizinha', assim como a 'A Cabritinha', é de origem brasileira, não é minha. Nem letra nem música. O 'Bacalhau à Portuguesa' e o 'Chupa Teresa' também são deles."

Gosta do reconhecimento que tem?
Gosto, mas sou contra o elogio. Não gosto que me elogiem, que digam que sou bom. Eu não sou nada bom, sou igual ao teu pai, o teu pai é igual a mim, somos os dois iguaizinhos. E homenagens então, fujo disso! Quantas vezes me telefonam a dizer que me querem homenagear, até aqui de Espanha. Não quero nada disso.

[aparece a polícia e para junto ao carro de Quim Barreiros, mal estacionado. Ele vai lá, mas nada feito. É preciso estacionar a viatura noutro local]

Ser o Quim Barreiros não dá direito a uns privilégios junto das autoridades locais?
Não, não. Eu respeito. Eu ando muito na estrada e não me lembro de apanhar uma multa, nem aqui nem em Lisboa. Muitas vezes mandam-me parar em operações stop, reconhecem-me e mandam-me embora. Posso soprar ao balão que nunca tenho nada. Aliás, eu ando com um balão no carro igual aos deles, porque às vezes bebo uma cervejinha ou duas e gosto de saber. Mas nunca acuso nada.

Ainda não se cansou de percorrer tantos quilómetros?
Quem corre por gosto não cansa. Enquanto tiver saúde… Gosto da estrada, gosto de andar de um lado para o outro. Não gosto é de estar parado. Parar é morrer e, como já viste, eu sou um gajo elétrico. Gosto que mexam comigo e gosto de mexer com as pessoas.

Em 2017 vai fazer 70 anos. Quando é que se imagina a largar a estrada e o acordeão?
Quando me sentir a mais em cima de um palco, podes ter a certeza que arrumo as botas. Agora sinto que ainda sou capaz de fazer um bom espetáculo, com a minha banda. Vi gente famosa que se andou a arrastar em palco e não quero que isso me aconteça. Vou saber parar. Acho que nem a minha família me admite isso.

quim Barreiros com o pai

O pai, Joaquim Barreiros, ainda tem a oficina de bicicletas. “E deixa-o estar assim. Se ele para, ele morre”, diz-nos Quim. © Foto cedida ao Observador

O seu pai ainda toca acordeão?
Toca. Com 97 anos. Ainda toca acordeão, ainda está muito lúcido… É a melhor coisinha que tenho. Conversa, tem saúde e eu sou feliz por isso.

Quem pensa em Quim Barreiros pensa inevitavelmente em festa e alegria…
É que eu não admito tristezas. Na minha vida tenho amigos e amigas que a primeira coisa que me dizem é: “Olha, sabes? Morreu fulano e beltrano, tenho aqui uma dor…” Eu travo logo. Sou uma pessoa positiva. Muitas vezes convidam-se para ir a hospitais, lares de idosos, para estar um bocadinho com as pessoas, e francamente não me sinto bem. Dou sempre uma desculpa. Agora se me disseres para irmos a uma maternidade, é o contrário. Gosto dos bebés, da vida! Gosto de ouvir um bebé a chorar. Quando vou num avião há pessoas que se sentem incomodadas com o choro de um bebé e eu não, isso faz-me feliz. Vivi em Lisboa num apartamento onde o bebé do andar de cima chorava toda a noite. Acordava e sentia-me bem, para mim o choro de um bebé soa-me a música.

"Hoje em dia em Portugal só há duas pessoas que põem este povo feliz: o Quim Barreiros e o Marcelo Rebelo de Sousa!"

O público não lhe conhece um momento triste, com uma única exceção: aquela vez em que chorou no programa Alta Definição, da SIC, quando recordou a morte da sua mãe, aos 16 anos.
Epá, não vamos falar disso. Aconteceu, aconteceu. Não gosto de falar disso. Eu gosto é de alegria. E hoje em Portugal só há duas pessoas que põem este povo feliz: o Quim Barreiros e o Marcelo Rebelo de Sousa! [risos] E era do que nós precisávamos, de alguém que viesse lá de cima do Palácio ao encontro de toda esta gente.

Já alguma vez se encontrou com ele?
Há muitos anos, quando ele era presidente do PSD. Cheguei a fazer uns comícios com ele. É bom homem. Votei nele. O povo sente-se feliz em ter o sr. Presidente da República à sua frente, a cumprimentá-los, a comer com eles, a ouvir-lhes as queixas. Abençoado seja.

Além de tristezas, outra coisa rara de se ver e ouvir nos seus trabalhos são músicas como uma que lançou em 2006, “O Meu Netinho”, autêntica declaração de amor ao seu primeiro neto.
É verdade. Acho que a melhor coisa que nos pode acontecer são os filhos. E depois estamos à espera dos netos. Já tenho três, mas quando veio o primeiro… Epá. De maneiras que pensei logo em fazer uma cantiguinha ao neto.

Já passaram 10 anos. Ele já percebe o duplo sentido nas letras do avô?
Não… Às vezes ri-se e tal, com “A Cabritinha”, mas em minha casa não há o culto Quim Barreiros. Não há nenhuma adoração ao cantor. Quanto menos se ouvir, melhor.

Os seus filhos não gostam das suas músicas?
Gostam mas passa-lhes um bocado ao lado. Não ligam muito. O mais novo liga mais na parte comercial, quando vê que eu sou prejudicado nisto ou naquilo, ele insurge-se. Eu já não estou para me chatear. É ele que me gere a página de Facebook, que eu não quero saber dessas coisas para nada. Eu nem um computador sei ligar!

Quim Barreiros no Conjunto Alegria

Sentado na bateria, no Conjunto Alegria, onde tocava o pai, que está logo atrás com o acordeão. © Foto cedida ao Observador

Quantas horas dorme por noite?
Olha, sem comprimidos durmo quatro. Quando tomo Xanax, ou Lorenin, ou uma porcaria qualquer, durmo seis ou sete.

Gosta de sair?
Gostava de ir a uma discoteca beber um copo, mas o meu maior problema é que toda a gente quer tirar selfies comigo, metem-se comigo, não me deixam estar descansado. Gostava de ser um cidadão qualquer e de poder entrar, sentar-me e estar ali um bocadinho sem chatices, mas não dá.

Aqui em Vila Praia se calhar consegue com mais facilidade.
Não tenho tempo. Um homem que faz 200 e tal festas por ano, que tem discos e cantigas para fazer, mais a vida familiar, a albergaria, não dá. E também nunca fui homem de beber copos. Tenho 69 anos e não sei o que é apanhar uma bebedeira na vida.

Nunca?!
Nunca ninguém me viu bêbado. Nunca. Sei o que é uma má disposição, uma ou duas vezes na minha vida, porque bebi um uísque, depois um champanhe e tal, mas não fico bêbado, não fico é bem. Eu às vezes até gostava de estar numa festa e beber, beber, beber e ficar assim meio… Mas chega ali um momento e entope, não consigo beber mais.

Nunca teve um padre que se tenha oposto à sua presença numa festa em honra do santo local?
Ao longo da vida houve um padre ou dois que não quiseram que fosse cantar. Um ou outro mais conservador. Mais estúpido! Às vezes até são as beatas, que dizem que eu sou mal criado. Nunca cantei uma asneira na minha vida. De resto, a minha vida até é ser chamado por padres para participar nas festas religiosas. Ainda na semana passada fui contratado pela paróquia de Pero Pinheiro, pelo sr. padre Avelino.

Já passou alguma vergonha em palco?
Às vezes acontecem coisas que ninguém nota. Por exemplo, um gajo que vai para cima do palco, dá um peido e borra-se todo. Já me aconteceu. Depois tenho de fugir das fãs [risos].

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