Em Bruxelas e em Estrasburgo (onde o plenário do Parlamento Europeu se reúne esta semana) “a surpresa foi geral” com a decisão do líder do PS de levar a zeros a delegação do partido, descrevem várias fontes contactadas pelo Observador que falam mesmo em “mal estar“, “desconforto” e sobretudo na “perda de capital de conhecimento e de crédito político” na delegação socialista. Na lista para as próximas Europeias não ficou nenhum dos atuais eurodeputados do PS e a renovação foi total. Isabel Santos, eurodeputada socialista, nota mesmo que “não há memória de isto ter acontecido” no passado.
Ao Observador, Isabel Santos assume que “tem experiência suficiente” para “nada a surpreender na política”, mas também diz que foram muitas as reações de surpresa manifestadas pelos pares de outras delegações. “As delegações estrangeiras estão muito surpreendidas“, comenta outra fonte. No grupo dos Socialistas e Democratas, onde se insere o PS, “as pessoas estão incrédulas“. “Nunca aconteceu com nenhuma delegação de nenhum país, ainda para mais com um vice do Parlamento Europeu [Pedro Silva Pereira] e um braço direito do grupo parlamentar [Pedro Marques]”, acrescenta outra fonte.
Mas não foi só de fora. A manhã da ressaca da aprovação da lista do PS às Europeias foi também vista com “estupefação” dentro da própria delegação socialista. O Observador ouviu sobretudo preocupações com o impacto inicial que terá a decisão de não ter ninguém que tenha “peso político” ou simplesmente conheça os corredores do Parlamento Europeu. “Tem de se ter peso e poder político. É disso que tenho receio com as pessoas que vão chegar agora.”
“Normalmente, fica sempre uma ou duas pessoas com peso político porque há toda uma dimensão de negociação de cargos no início de mandato e perde-se capital de conhecimento e de crédito político”, avisa um elemento ouvido pelo Observador. “Não é ingerível, mas tem algumas consequências”, anota. “Substituir as nove pessoas é uma vontade de renovação, mas é como começar do zero. É muito difícil”, avança ainda outra fonte que diz que os resultados obtidos pela delegação devem-se muito ao “conhecimento das pessoas e das instituições”.
“Não haver transição tem um impacto político logo na fase inicial”, comenta-se entre os socialistas no Parlamento Europeu, onde a decisão do líder Pedro Nuno Santos sobre a lista às Europeias de 9 de junho é vista como legítima e até “necessária“, mas onde também se diz que “podia ter sido feita de forma mais soft“.
Na delegação existia alguma expectativa de que pudessem manter-se nomes como o de Pedro Silva Pereira, Margarida Marques, Isabel Santos ou Pedro Marques, que “é vice do grupo”, anota uma fonte em Bruxelas que acrescenta: “E Isabel Santos, pelo trabalho na política externa, e a Margarida Marques, por causa do trabalho na área económica e financeira”.
“Da última vez, por exemplo, ficaram duas pessoas da última delegação: Pedro Silva Pereira e Carlos Zorrinho, que era chefe de delegação”, aponta ainda outra fonte. E diz ainda que a “perceção generalizada é de que alguém que é vice do Parlamento Europeu ou vice-presidente do Grupo dos Socialistas e Democratas” faria “sentido que continuassem”. Mas entre o que estava previsto há uns meses e o que a crise política em Portugal acabou por desencadear, vai todo um novo líder de distância e o método mudou.
“Está tudo de boca aberta, estonteado. Não é hábito, há sempre um grupo de pessoas que se mantém… o critério é fazer dois mandatos”, nota ainda outra fonte que também refere a importância da “experiência” para o “trabalho complexo” que se encontra no Parlamento Europeu. “Com mais ou menos renovação há sempre um grupo que fica e um que vem de novo”, recorda o mesmo elemento. Se a ideia do anterior líder era manter alguns elementos e renovar outros — o que algumas das fontes com que o Observador falou adiantam que já tinham até tido conversas nesse sentido –, o novo líder apresentou-se com outro método.
Zorrinho reconhece “legitimidade”, mas recorda tradição
Ao Observador, o chefe da delegação, Carlos Zorrinho, admite que sim, que nos últimos anos “ficaram sempre duas pessoas na lógica da transição”. Mas o socialista também acredita que “os novos candidatos têm uma enorme capacidade” e que quem agora sai (que é o seu caso) “não é por não estar na lista que não vai trabalhar para que quem vem a seguir faça melhor”.
Na reunião da Comissão Política Nacional do PS, o socialista tinha feito uma intervenção de balanço do trabalho europeu e já tinha notado que os socialistas portugueses “tinham acesso, por aceitação dos colegas de grupo parlamentar, a um número de cargos que correspondia ao mais elevado” entre as delegações dos vários países no grupo.
No início dos ciclos europeus, uma delegação como a do PS, com nove deputados, tinha um conjunto de 12 pontos para aceder a determinados cargos dentro do grupo parlamentar. “E o PS chegou a ter 22 ou 23”, nota Zorrinho, lembrando que a “desproporção” até chegou a ser debatida em reuniões do grupo dos socialistas europeus. Por isso, diz perceber a surpresa das delegações estrangeiras perante o desaparecimento de todos os elementos, ainda que mantenha o reconhecimento “total pela legitimidade” da decisão.
Publicamente, outras vozes socialistas já se manifestaram contra as mudanças introduzidas por Pedro Nuno Santos. É o caso de Renato Sampaio, antigo deputado e antigo dirigente socialista — chegou a ser um dos nomes mais fortes do aparelho do partido no Porto. “É uma lista na qual não me revejo, o método utilizado é inaceitável, é uma lista que descredibiliza a política e desvaloriza a democracia representativa”, diz ao Observador.
“Uma lista que assenta na limpeza de todos os eurodeputados em exercício, sem valorar o trabalho da delegação dos socialistas portugueses no Parlamento Europeu, é ato de uma grande imaturidade política. É o desrespeito pelo excelente trabalho exercido no mandato e os lugares que ocuparam nestes últimos cinco anos, que à luz das outras delegações, a nova delegação fica de irremediavelmente diminuída. Nunca no PS se utilizou a limpeza total do balneário”, acrescenta.
No grupo de nomes apresentado pelo líder do partido há apenas um elemento com experiência naqueles corredores: Francisco Assis. O socialista já cumpriu dois mandatos no Parlamento Europeu, o primeiro entre 2004 e 2009 e o segundo entre 2014 e 2019 — nestas últimas eleições foi mesmo cabeça de lista, agora vai em segundo na lista a seguir a Marta Temido.
Este primeiro nome da lista não é contestado — e foi aprovado sem queixas de maior, embora por uma reunião da Comissão Política Nacional do partido pouco participada — nem mesmo a restante lista, que é classificada como tendo “boas pessoas que vão fazer o trabalho”. “Mas isso exige grande esforço” tendo em conta a razia agora decidida, considera-se no Parlamento Europeu.
Pedro Nuno Santos apresentou a renovação total como um trunfo na elaboração da lista às Europeias e, esta segunda-feira à noite, garantiu não existir “nenhuma rutura” com o passado.“Há evolução, há mudança e isso é normal. Nada tem a ver com o trabalho que os eurodeputados do PS fizeram”, afirmou numa conferência de imprensa quando foi confrontado com a decisão de não manter nenhum dos nomes que estiveram no Parlamento Europeu a representar o partido nos últimos cinco anos. Disse ainda que este é o “momento de renovar” e trazer “novas pessoas ao Parlamento Europeu”.
Sendo líder há apenas quatro meses, Pedro Nuno vai somando algumas questões delicadas com a composição de várias listas em processos consecutivos, seja para órgãos internos do partido, seja para concorrer a eleições nacionais. Primeiro, teve de escolher deputados para a Assembleia da República; e agora para o Parlamento Europeu — alguns até se repetiram nas duas listas, como Francisco Assis ou Ana Catarina Mendes.
Pedro Nuno entre a renovação, a sombra de uma razia, pendurados e ausentes