A meta, bem estabelecida desde a abertura em 2015, foi cortada: na noite de terça-feira, 4 de outubro, o Red Frog, speakeasy da Praça de Alegria (antes, Rua do Salitre), passou a integrar a lista dos 50 melhores bares do mundo, de acordo com o ranking The World’s 50 Best Bars. “Isto é a realização de um sonho. Há coisas que estipulamos na vida e esta é uma que fica feita”, diz ao Observador Emanuel Minês, um dos sócios, em conjunto com Paulo Gomes. “Criámos um marco no país. Podem surgir outros, mas nós vamos ser sempre os primeiros portugueses a entrar na lista”.
Foram sete anos de espera. Tanto que, quando o Red Frog chegou a Lisboa, Emanuel Minês prometia ao Observador: “Se daqui a três anos não estivermos na lista dos 50 melhores bares do mundo, arrumo as coisas e sigo para outra”.
O facto de rapidamente terem integrado a lista dos 51-100 melhores (a última vez foi em 2021, na 67.ª posição) pode ter ajudado no exercício de paciência. E, consideram os proprietários, a espera foi afinal necessária para afinar todos os pormenores deste bar que replica aqueles que, nos Estados Unidos, serviam ilegalmente bebidas alcoólicas no tempo da lei seca. A transferência da Rua do Salitre para a Praça da Alegria, embora tenha sido forçada pelo antigo senhorio (não renovou contrato), pode ter ajudado. Foi uma oportunidade para aperfeiçoar. Com a tónica sempre no cocktail e no cuidado em criá-lo com o melhor produto (aqui “não há uma única torneira de cerveja ou sequer vinho, isto é uma cocktelaria”), desafiando o cliente a alargar os seus horizontes, apostou-se no depurar da qualidade da experiência “O cocktail é importante, mas também contam outro tipo de aspetos. O cliente chega aqui e a primeira coisa que acontece é ser recebido. Isto tem de ser uma jornada desde que ele entra até ao momento que sai. O que fazemos todos os dias, cada vez mais, é eliminar os erros. É melhorar todos os dias”.
Como resultado, este speakeasy está mais speakeasy do que nunca — se não está familiarizado com o termo, significa falar com cuidado, numa alusão aos tais bares ilegais dos anos 20 (talvez ajude saber, muito ao estilo da série da HBO “Boardwalk Empire”). O espaço é mais pequeno e intimista (tanto que, sem reserva, é difícil usufruir da experiência), mantendo-se as luzes baixas, os barmans devidamente fardados, as poltronas de veludo, os espelhos e até o laboratório (o primeiro da Península Ibérica) onde são preparados os líquidos e os sumos, com utensílios que remetem para o imaginário das poções mágicas (e, se pensarmos bem, não é assim tão diferente).
É também, como nos tempos da proibição do álcool, mais secreto — a porta está ocultada por uma parede de azulejos. “Antes, ainda tínhamos um sapo vermelho à entrada, agora não temos nada. As pessoas andam para cima e para baixo [o Red Frog fica no mesmo edifício do bar Monkey Mash, dos mesmos proprietários e cujo acesso de faz por uma escada]. Até batem na porta da casa de banho pública aqui ao lado para ver se alguém abre”, conta Emanuel. “Estamos num bar dentro de um bar. Estamos mesmo com conceito speakeasy”, acrescenta Paulo Gomes. Lá dentro, perde-se a noção de tempo e de espaço. Estamos em Portugal, mas podíamos estar noutro país. Estamos em 2022, mas, não fossem os smartphones, podíamos estar em 1919.
Apesar de tudo, ressalvam Paulo e Emanuel, o conceito de speakeasy tem surgido com muito menos frequência no ranking dos 50 melhores. Ou seja, a distinção não terá tanto que ver com o conceito, mas com a qualidade da experiência, a tal que, ao longo dos últimos sete anos, têm vindo a melhorar.
Do cosmopolitan, ao gin e ao moscow mule. A evolução do cocktail em Portugal
A decorrer em Barcelona, foi a primeira vez que a dupla assistiu à cerimónia dos The World’s 50 Best Bar no papel de vencedora. “Há quase dez anos que marcamos presença do lado de fora, como espetadores. Finalmente, pudemos estar do lado de lá”, diz Paulo Gomes, que recebeu a notícia pelo sócio, num dia em que estava de férias na Sertã. E, detalha Emanuel, regressam a casa com o famoso cachecol vermelho. Para quem não sabe, ele explica: “Há sempre um jantar na véspera da gala, em que se juntam os 50 melhores bares, que, no dia seguinte, aparecem com o cachecol vermelho”.
Com o prémio, vem agora a responsabilidade extra de fazer valer o estatuto. Mas, considera, Paulo Gomes, basta continuar o bom trabalho. “O principal objetivo, dentro ou fora dos 50 melhores, é mantermos o standard de qualidade. O nosso objetivo é oferecermos boas bebidas, bom serviço, a qualidade a que já habituámos as pessoas”, diz. Sobre a qualidade da bebida, exemplificam mais à frente: “Nós não servimos Coca-Cola. Nós fazemos a Coca-Cola”.
Carrie Bradshaw popularizou o cosmopolitan na série “Sexo e a Cidade”. James Bond, o dry martini na saga “007”. Nisto, houve as modas dos mojitos, das caipirinhas e depois o grande boom do gin tónico, servido no grande — e muito pouco prático — copo de balão. Depois, anteviram os sócios, viriam os cocktails. “Vieram, e vieram para ficar”, garante Paulo Gomes, que considera que a cultura das séries, dos filmes e da internet potencia estes fenómenos. Assim, explicam, o moscow mule, o negroni, o pisco sour ou o aperol spritz deixaram de ser escolhas exóticas, provenientes só dos entendidos na arte da mixologia, para passarem a ser pedidos cada vez mais comuns.
Mas a geografia e a cultura determinam diferentes velocidades. Embora por cá seja já notório o boom do cocktail, ainda é de forma lenta que vai se absorvendo o hábito destas bebidas, sobretudo quando comparado a outras grandes cidades, como Londres ou Paris. “Faltava um programa, tipo Masterchef“, diz Emanuel. Depois, compete-se com o que é mais barato: “Não há poder económico. Ainda assim, Itália, que nesse aspeto é semelhante a Portugal, tem grande cultura de cocktelaria e de produção de licores. Têm até a Aperitivo [uma espécie de happy hour, mas mais sofisticada, da cultura italiana]. Os espanhóis também têm este hábito de beber um cocktail antes de comer. Cá, inventámos o after work drink, mas culturalmente ainda não faz parte de nós. Já há mais descontração, mas continuamos a ir casa para nos arranjarmos antes de irmos para um jantar ou de irmos para a noite. Saímos às 23 horas de casa e muitos dos bares fecham à 1h.”
Esta nova tendência é visível no aparecimento dos chefs de bar e das listas de bebidas de autor. Os sócios têm sentimentos mistos em relação a isto. É que, se por um lado, é positivo, por outro, é anacrónico. Primeiro, porque, salientam, “a indústria perdeu, nos últimos anos, muitas pessoas que abandonaram a área” — muitas delas que “contribuíam muito” para a sua evolução. Depois, porque “há responsáveis de bar, que nem barmans de segunda deviam ser.” Noutros países, explicam, “o barman tem de ter uma licença, uma carta que lhe dê um atributo profissional” — por cá este estatuto já existiu, mas foi extinto, explicam. “Era uma mais-valia. Significava que havia conhecimento. Neste momento qualquer miúdo que trabalha há dois ou três anos é chef de bar. Não sabem fazer cocktails clássicos, mas já fazem de assinatura. O que deviam eram fazer muita cocktelaria clássica, fazer bem e saber vender — porque não se pode vender tudo a toda a gente, vender cocktails numa refeição é diferente de vender num bar, por exemplo. “A falta de pessoas qualificadas, consideram, “é uma dor de cabeça”.
Para a consolidação do cocktail em Portugal, contribuiu o aparecimento do Red Frog, que chegou para “partir os muros e abrir rachas para que as pessoas consumam mais do que caipirinhas e mojitos”. Não há qualquer hostilidade quanto a estas bebidas, apenas a vontade de dar “outro tipo de experiências às pessoas.” É a pensar nisso que Paulo e Emanuel promovem no speakeasy da Praça da Alegria quatro programas com convidados internacionais, incluindo aquele em que, mensalmente, trazem ao seu espaço representantes dos 50 melhores bares do mundo. “Chegámos a ter aqui, numa noite, cinco bares do top 10”, contam. “Temos ainda o Ibéria Sessions, em que trazemos barmans de Portugal e de Espanha.” São atividades que promovem o Red Frog, mas também a indústria. “E fazemos outra coisa muito importante: mostrar a nossa cidade e a cultura do nosso país.”
Dois cocktails para provar no Red Frog
O menu está prestes a mudar, mas há duas bebidas que vão, seguramente, ficar. “Estão desde o primeiro dia na nossa carta”, explicam os sócios. Representam aquilo que é o Red Frog, seja pela escolha de produto, seja pela inspiração, que bebe do tal imaginário dos tempos da lei seca. Se passar pelo speakeasy, não deixe de experimentar estas duas sugestões.
American Gangster
Um cocktail mais “forte”, que faz “fit” com esta casa, e que surgiu destemido em plena época do gin. “Tem vinho Madeira, café e especiarias muito nossas. É um cocktail que tem muito do nosso pais, mas muito da inspiração dos speakeasy.”
É composto por duas partes: uma garrafinha que contém a bebida e um copo coberto com pó de chocolate. “Queremos com ele simbolizar a altura dos gangsters, a altura em que só se podia consumir álcool se este viesse assim disfarçado”, explicam sobre o primeiro elemento.
No que toca ao chocolate: este cocktail “é também inspirado no filme ‘American Gangster’ e no blue magic [droga potente comercializada pelo gangster Frank Lucas, representado do filme]. Mas aqui não podemos utilizar o blue magic“, dizem, a rir. Não estranhe, então, se no Red Frog vir pessoas a lamberem o copo: “Por isso, temos o chocolate. As pessoas lambem os copos e parece que é outro tipo de adição.”
Spiced Rusty Cherry
Um cocktail “sour”, mas cuja a acidez é avinagrada — e não proveniente dos citrinos. Faz uso de uma técnica de conservação antiga, com açúcar, vinagre e uma parte de fruta, a que se junta depois o vinho do Porto e a ginja.
“É um cocktail que no verão leva as pessoas para a praia, para um barbecue, mas no inverno para o aconchego da lareira”, explicam. “Junta os produtos que as pessoas querem provar quando vêm a Portugal: a ginja e o vinho do Porto.” Quando sai um pedido, é impossível não notar (pode ver pela imagem acima). Mas além do efeito visual, há ainda o olfativo: o Red Frog tem um cheiro característico, que é a cereja fumada deste cocktail. “É ele que faz o cheiro da nossa”, terminam.