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Já a partir da próxima década vai acelerar a discrepância entre os últimos rendimentos do trabalho e as pensões de reforma dos portugueses que se aposentem. Quem o fizer, por exemplo, em 2040, poderá ter de passar a viver com pouco mais de metade do salário que estava habituado a ter. E quem se reformar em 2045 já terá direito a menos de metade. O alerta foi feito recentemente no relatório “The 2021 Ageing Report” – disponível nesta ligação –, um estudo que, a cada três anos, analisa a evolução demográfica e confronta-a com a sustentabilidade dos sistemas nacionais de pensões.
Os cálculos da Comissão Europeia apontavam para uma taxa de substituição (entre o último ordenado e a reforma) de 74% em Portugal em 2019, um valor que poderá subir para quase 85% até 2025, ou seja, mais de quatro quintos do ordenado. O problema vem depois: até 2040, ou seja, dentro de menos de 20 anos, a capacidade que as pensões têm de substituir os rendimentos do trabalho em Portugal cai para 54,5% – e em 2045 será inferior a metade (48,2%). A culpa é, sobretudo, das perspetivas demográficas.
Reformas em Portugal vão cair para metade em menos de 20 anos, calcula a Comissão Europeia
O relatório pode ser, para muitos, uma leitura aterrorizadora – mas não tem de ser paralisante. Por isso, o Observador criou cinco perfis de pessoas, em diferentes fases da sua vida ativa, e contactou várias instituições financeiras para saber quais são os melhores conselhos gerais que se pode dar a quem quer tentar acautelar o futuro também pelos próprios meios – e quais as vantagens e desvantagens de cada tipo de solução de poupança e investimento.
[Ouça aqui o Contra Corrente sobre as Pensões, com José Manuel Fernandes e participação de economistas como António Nogueira Leite e Miguel Coelho]
Comecei há pouco a minha carreira profissional e quero começar a poupar e investir. Para que investimentos devo olhar?
Nesta fase da vida, em regra geral, a última coisa em que se pensa é poupar para a reforma. Mas é um erro: o registo histórico, em matéria de poupança e investimento nos mercados financeiros, mostra muito claramente a vantagem de começar cedo – o esforço de poupança será menor e os ganhos serão superiores. E serão superiores porque, quando alguém está a começar a vida ativa, tem várias décadas pela frente em que pode navegar os altos e baixos nas bolsas e pode, por isso, aumentar a componente de risco nos seus investimentos.
Hoje em dia, “no contexto estrutural de taxas de juro muito baixas, naturalmente que a exposição a ações deve ser privilegiada nesta fase” de início de vida profissional, recomenda João Lampreia, chief investment officer do BiG – Banco de Investimento Global. Essa exposição ao mercado acionista, porém, deve ser “assente numa lógica de diversificação temática, geográfica e sectorial importante”, sublinha o especialista.
Deve-se procurar uma “exposição a blocos líderes em detrimento de geografias locais”, recomenda o especialista, “nomeadamente ao mercado norte-americano e asiático, sendo que temas de investimento específicos devem ser criteriosamente selecionados: temas como a transição energética, cibersegurança e tecnologia disruptiva”.
Rui Castro Pacheco, da direção de investimentos do Banco Best, recomenda também que nesta fase se deve olhar sobretudo para investimentos com uma ponderação entre os 80% a 100% em ações, em que uma parte dessa componente de ações pode ser colocada em temas que podem trazer mais retorno potencial (e mais risco) à sua poupança”.
Inflação está a empurrar os juros para os níveis mais elevados em anos. A Euribor pode ir atrás?
E através de que produtos, genericamente? “Pode optar por ter uma parte em produtos unit-linked” (que são contratos de seguro indexados a fundos de investimento) mas, também, diretamente na área dos fundos de investimento, “escolher alguns fundos temáticos que adicionem risco/retorno à carteira”. O especialista explica que, no caso dos unit-linked, “existem modalidades em que este tipo de seguro tem algumas opções com maior ou menor risco (mais ou menos ações versus obrigações) e é possível passar de uma opção para outra sem incorrer em tributação”, ou seja, só há lugar a “tributação no momento em que decide resgatar mesmo o unit-linked“.
Esta é a vantagem fiscal dos unit-linked, que – no entanto – têm uma variedade de “opções de investimento por norma mais limitada quando comparada com a panóplia de fundos de investimento disponíveis no mercado”. Por outro lado, os fundos de investimento têm maior variedade temática, mas comportam comissões normalmente mais elevadas do que outros produtos no mercado, comissões que podem ser mais ou menos pesadas conforme o retorno (incerto) que o produto terá no final.
A outra diferença face aos unit-linked é que “se o investidor pretender reajustar a sua carteira, vendendo um fundo e comprando outro, incorre na tributação de mais ou menos valias sempre que procede à venda” e isso acontece, sublinhe-se, “mesmo que esta seja para voltar a investir noutro fundo”, diz Rui Castro Pacheco. Estes produtos unit-linked não têm rendibilidade mínima garantida, nem sequer garantia do capital investido (porque dependem totalmente do desempenho do fundo ou fundos a que está indexado), mas além da vantagem fiscal são muito flexíveis e permitem entregas programadas a partir de baixos montantes.
Já trabalho há alguns anos, ganho um pouco mais, mas ainda não constituí família. Ainda falta muito para a reforma, mas como posso ir investindo?
Uma alternativa aos fundos unit-linked, que para os mais conservadores também se pode aplicar ao caso anterior, são os famosos PPR, os planos de poupança reforma. “Também aqui temos uma vantagem fiscal associada, que ainda será superior aos unit-linked“, assinala o especialista do Banco Best, acrescentando que “também aqui é possível trocar de PPR sem qualquer tributação no momento da troca, ficando a mesma apenas para o momento de resgate do referido PPR”.
“Dado que é possível trocar entre qualquer PPR existente no mercado, mesmo de seguradoras (quando emitido na forma de seguro) ou gestoras (quando emitido na forma de fundo) diferentes, este instrumento apresenta uma boa oferta de soluções”, diz Rui Castro Pacheco. Uma desvantagem? “Por norma, não é possível encontrar alguns temas específicos como temos nos fundos de investimento”, ou seja, a variedade e o potencial de retorno fica mais limitado.
Ainda assim, para Pedro Santos Costa, diretor comercial do BPI, os PPR continuam a ser um produto vantajoso. “Os PPR conferem uma grande e tripla vantagem aos clientes, rendimento através da carteira de investimento, possibilidade de dedução à coleta e tributação reduzida”, salienta o responsável. Há “uma oferta bastante diversificada de PPR tendo em conta o binómio risco/proximidade da reforma” como, por exemplo, “PPR com garantia de capital, PPR com um risco moderado (até 25% em ações), PPR com risco dinâmico (até 55% em ações) e PPR com um risco mais agressivo que pode ir até 100% em ações”. A regra é “ter sempre em conta o perfil de investidor e o conhecimento e experiência do cliente”, afirma Pedro Santos Costa.
João Lampreia, do BiG, acrescenta que “nesta fase, torna-se importante assumir uma maior exposição a ativos reais e não só a ativos financeiros tradicionais (como ações, obrigações, etc)”. “Neste quadro, o salto que conseguir dar em termos de rendimento e as poupanças acumuladas obtidas devem ser endereçadas para uma maior exposição ao mercado imobiliário, sendo que esta situação também pode ser realizada/acautelada por intermédio de instrumentos financeiros como os denominados REITs“.
Os REITs são fundos de investimento em imobiliário (a sigla vem do inglês Real Estate Investment Funds) que na recente legislação portuguesa são conhecidos como Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária (SIGI). São sociedades anónimas cotadas em bolsa que fazem aquisição de direitos reais sobre imóveis, sobretudo urbanos, para arrendamento.
Uma grande vantagem deste tipo de investimentos está relacionada com o facto de haver tributação apenas do montante que não é distribuído por via dos dividendos – e as regras preveem que essas sociedades entreguem pelo menos 90% dos lucros em dividendos. Porém, do lado do investidor, terá naturalmente de pagar depois a taxa liberatória normal (28%) sobre os dividendos recebidos, à semelhança do que aconteceria com um depósito a prazo ou um fundo de investimento.
Ainda assim, para quem quer ter exposição ao mercado imobiliário, esta pode ser boa alternativa a tentar comprar uma segunda casa para a colocar no mercado de arrendamento – aí é preciso fazer muito bem as contas e calcular os impostos associados, tanto as taxas atuais como as que possam vir a ser determinadas no futuro.
Comprar uma casa para, depois, arrendar. (Onde) é um bom negócio?
Quero investir para a reforma mas, também, para os meus filhos pequenos. É possível acautelar os “dois futuros” ao mesmo tempo?
Uma boa opção para este caso, diz Rui Castro Pacheco, do Best, seria “manter a carteira que, entretanto, construiu e começar uma nova com um perfil de risco/retorno mais equilibrada”. Equilibrada, como? “Algo que possa passar por colocar entre os 40% e os 60% em ativos mais arriscados (como ações) e o restante em algo mais tranquilo, como as obrigações ou mesmo produtos de capital garantido”, diz o especialista, acrescentando que “esta segunda carteira, tendo um prazo temporal objetivo de 10 a 20 anos, não deve ter o mesmo nível de risco da que tem por objetivo a reforma”.
João Lampreia, do BiG, argumenta que “nesta fase ainda é possível conciliar o melhor dos dois mundos, isto é, procurar gerar retorno individual (imediato e para a reforma), bem como acautelar a situação financeira dos meus filhos mais pequenos – ainda que os mecanismos para conciliar estas estratégias/estilos de investimento sejam naturalmente distintos”.
Se no caso dos filhos pequenos, devo assumir uma exposição ao risco bastante elevada (à semelhança do que fazia quando iniciei a carreira) por via estritamente de ações e fundos de ações diversificados num prisma geográfico/sectorial e temático, no caso do investimento para a minha reforma a minha estratégia já deve contemplar um menor nível de tolerância ao risco (ações não devem exceder já os 60% do património global) e devo procurar fontes de diversificação de rendimento e patrimonial alternativos”, explica o especialista.
Uma boa hipótese para esta fase, acrescenta Pedro Santos Costa, do BPI, podem ser os seguros de capitalização, que tal como os unit-linked são contratos (feitos com uma seguradora, como o próprio nome indica) mas têm a vantagem de, ao contrário dos unit-linked, normalmente têm capital garantido (não garantia de depósitos, sublinhe-se, mas a garantia dada pela seguradora).
É preciso ter em atenção as comissões de cada produto mas são uma boa alternativa aos depósitos, sendo vocacionados para prazos mais longos e tendo vantagens fiscais quando são mantidos ao longo de vários anos: regra geral, se o resgate ocorrer após oito anos a taxa de imposto é de cerca de 11% apenas, o que contrasta com os 28% que é a atual taxa liberatória (que se aplicam a resgate em menos de cinco anos).
Já estou a entrar na segunda metade da minha vida ativa. Quais são os investimentos mais adequados para mim?
É neste momento que, em tese, “entramos na fase de acumulação“, nota Pedro Santos Costa, do BPI, notando que, como já se disse, “quanto mais cedo começar a poupar para a reforma o esforço de poupança é menor, no entanto nunca é tarde para preparar a reforma“. O BPI tem uma aplicação (My Planning) que foi criada para permitir aos clientes “conhecer o valor estimado da pensão de reforma e definir o nível de vida que se deseja na reforma” – a partir daí, vai-se “definir um plano realista de acordo com a capacidade de poupança do cliente”.
João Lampreia, do BiG, explica que “tendo sempre seguido uma política de investimento bastante ativa e flexível ao longo do tempo, esta é claramente uma fase em que desaceleramos o nível de exposição a risco“. Isto significa que “nesta fase, podemos estar investidos até 50% do nosso património global em ativos de risco” – esse deve ser o máximo, embora se possa ir um pouco mais além “desde que isso seja feito com algumas almofadas de segurança e mecanismos de cobertura que salvaguardem parcialmente o património no caso de um crash potencial do mercado financeiro”.
Historicamente, está mais do que provado que por muitas crises que o mundo enfrente, a prazo os mercados recuperaram sempre e acumularam ainda mais ganhos. Mas nesta fase da vida já entramos numa fase em que uma recessão, por exemplo, pode apanhar-nos já muito perto da reforma e já sem tempo para deixar os mercados recuperarem daquele impacto.
Tendo isso em consideração, o chief investment officer do BiG sugere a “exposição a PPR com mandatos de investimento mais defensivos, fundos mistos (ações/obrigações) e alguma exposição a ações mas quase exclusivamente nas chamadas empresas blue chips“, ou seja, grandes empresas com provas dadas e perspetivas sólidas e previsíveis. Nesta fase da vida, já não é tanto o tempo de investimento em empresas “com uma lógica marcadamente mais nebulosa ou especulativa”, sob pena de se arriscar perder o que já foi acumulado anteriormente ou incorrer em investimentos que até podem ser bem sucedidos mas não temos o tempo necessário para esperar que eles deem frutos.
É nesta fase que podemos e devemos efetuar um balanço do património financeiro que temos e pensar que estamos num momento em que ainda podemos arriscar um pouco para tentar ganhar mais, mas também temos que ter alguma precaução para não colocar o nosso património todo em risco. Para alguém nesta fase da vida, diria que se tiver um perfil de risco muito agressivo, poderá ter uma exposição ao risco de ações até uns 60% ou 70%… mas para quem seja mais conservador, diria que poderá nesta fase apontar para uns 40% a 50% em risco de ações”, diz Rui Castro Pacheco, do Best.
Faltam menos de 10/15 anos para me reformar. Ainda vou a tempo de garantir uma reforma mais confortável?
Nesta fase, a palavra de ordem é “preservar o capital que tem”, diz Rui Castro Pacheco, do Best. “Correr muito risco não será o mais avisado, porque uma correção nos mercados pode levar a que sejam necessários muitos anos só para voltar ao ponto inicial”, acrescenta o especialista.
“Consoante tenha um perfil de risco mais conservador ou mais agressivo, poderíamos olhar para 20% a 35% em ações”, afirma Rui Castro Pacheco. Parece-lhe muito? Há que ter em conta que “esta ponderação ao risco dos mercados acionistas não tem forçosamente que caminhar para zero na idade da reforma“. Ou seja, “com a esperança de vida que temos hoje, podemos viver facilmente 20 ou 30 anos após nos termos reformado, pelo que podemos sempre manter uma parte do nosso capital investido no ativo que historicamente produz maior retorno e crescimento de capital”.
Também João Lampreia, do BiG, sublinha que mesmo para os mais audazes “a exposição a ativos de risco nesta fase não deve exceder os 35%”. “O espectro de ativos de risco que tenho em carteira deve ter um viés mais defensivo”, tanto ou mais do que na fase descrita anteriormente.
Do lado dos ativos reais, o nível de rendimento obtido nesta faixa etária deve ser o mais elevado face a todas as outras anteriores e até me permite mais tempo para apreciar a Arte/Relojoaria que fui adquirindo ao longo do tempo e que vou deixar como legado para a minha família”, afirma João Lampreia.
Para quem não tem esse tempo e continuar a preferir investimentos financeiros, uma hipótese ainda não abordada (e que pode fazer sentido, também, para outros perfis) é as aplicações em produtos de poupança do Estado, comercializados pelo IGCP, o instituto que gere o endividamento público português. Os “velhinhos” (mas renovados) certificados de Aforro são uma opção cuja rentabilidade é penalizada pelas taxas de juro extraordinariamente baixas que se vivem há vários anos, mas há um produto alternativo – os certificados do Tesouro Poupança Crescimento – que têm características diferentes mas rentabilidades bem mais atrativas.
Tanto num caso como no outro, são produtos que não têm a garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, mas as duas situações acabam por ir dar ao mesmo porque, pelo menos nesta fase, essa garantia pública dos depósitos funciona a nível nacional – já que os esforços no sentido da criação de uma garantia de depósitos europeia continuam aparentemente longe de produzirem frutos. A garantia é do Estado, o que não o mesmo que dizer que têm risco zero, mas recorde-se que, mesmo na última crise financeira, o único país que impôs perdas aos seus credores foi a Grécia e mesmo aí os instrumentos de dívida vendidos no retalho não sofreram qualquer impacto.
Os certificados do Tesouro Poupança Crescimento são os sucessores dos (descontinuados) Certificados do Tesouro Poupança Mais e têm um funcionamento parecido. São produtos com prazo limitado a 7 anos, com um montante mínimo de mil euros (mil unidades de um euro). O produto paga juros crescentes que começam nos 0,75% nos primeiros dois anos, mas crescem depois até aos 2,25% no último ano. Além disso, “a taxa de juro a partir do segundo ano é acrescida de um prémio, em função do crescimento médio real do Produto Interno Bruto (PIB) no país”.
Um ponto importante é que no primeiro ano de subscrição estes produtos não são mobilizáveis, portanto tem mesmo de ser dinheiro que tem a certeza de que não vai precisar. Para subscrever, pode-se recorrer aos balcões dos CTT e dos Espaços Cidadão mas, também, através da Internet no portal AforroNet, caso já tenha a adesão feita.
Nos mercados, como na vida, não existem formas mágicas e o atalho é muitas vezes mais perigoso do que o caminho árduo persistente, pelo que é necessário um grande foco, disciplina, inteligência e flexibilidade ao risco para poder adequar o perfil dos nossos investimentos às diferentes faixas etárias. Em todas as faixas etárias iremos ganhar e perder dinheiro, pelo que é essencialmente nos episódios de insucesso que como em tudo aprendemos e procuramos melhorar o que antes não tínhamos conseguido aprender”, afirma João Lampreia.
“Sem stress e sem ganância, apenas com a acumulação de conhecimento e de experiência estaremos mais próximos de atingir os nossos objetivos de vida e de investimento que apregoamos ao longo das diferentes faixas etárias”, acrescenta o especialista do BiG, defendendo que “o mais importante não é o balanço final do nosso património até à reforma, mas sobretudo o caminho e a viagem de vida e investimento que percorremos até lá chegar”.
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