O Governo foi rápido a adaptar o ensino à distância, assim que começou a pandemia de Covid-19 em Portugal, mas o acesso esta nova tecnologia não foi assim tão eficaz. Várias escolas não dispunham de meios tecnológicos ou os que tinham estavam obsoletos e vários professores e alunos revelaram graves carências nas competências digitais sendo difícil acompanhar os conteúdos. “As crianças e jovens têm sido os mais atingidos pelo impacto da pandemia”, conclui o Estudo Panorâmico do Tribunal de Contas (TC) divulgado esta sexta-feira. O TC estabelece ainda uma comparação entre o declínio da população e o decréscimo de alunos nas escolas e, ao analisar as todas as Políticas Públicas do setor, conclui ser urgente tornar o ensino mais atrativo para bem do desenvolvimento económico e social.
Desde 2018 que o TC tem analisado o impacto da demografia em Portugal nas áreas da segurança social, da educação e da saúde e a forma como estão a ser financiadas as Políticas Públicas (PP) nestes setores. Este órgão fiscalizador conclui agora que Portugal enfrenta uma crise demográfica por causa do decréscimo da população em geral, e consequentemente da população ativa, do envelhecimento e dos saldos migratórios negativos. Para o TC é claro que a forma de combater os efeitos económicos do défice da população ativa, “pouco escolarizada”, passa por aumentar a sua qualificação.
No entanto, constata, as PP que têm sido implementadas têm problemas de “desenho”. E têm sido mais um instrumento de gestão que de nível estratégico, “mais centrada na procura de maior eficácia e eficiência, aferição de objetivos, controlo e contenção da despesa pública, que na transparência de processos, responsabilização pela ação pública e participação da sociedade civil na tomada de decisão”, lê-se no relatório.
O que dizem os números
As estatísticas mostram que, entre 2011 e 2020, a população total diminuiu 2,5% (menos 260 mil pessoas), sobretudo na faixa etária dos 0-14 anos (-12,3%), seguida da faixa de 15-64 anos (- 5,3%). Em contraciclo, a faixa etária com mais de 85 anos registou um aumento de 40,6%, seguida da faixa de 65-84 anos (+11,8%). Diminuiu também a população ativa, (menos 369 mil pessoas).
Os censos de 2021 vieram confirmar esta tendência na população portuguesa, que totaliza agora os 10,3 milhões. Por outro lado, aumentou a esperança media de vida: em 2019 vivia-se em media mais 17,1 anos que em 1960.
Na educação, os números acompanham a tendência de declínio. Entre 2011 e 2020, o número de alunos inscritos decresceu em todos os níveis de ensino: o número de 1,9 milhões inscritos passou para 1,6 em nove anos. Só no ensino pré-escolar e básico houve menos 25 mil crianças e 255 mil alunos.
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Também o número de alunos inscritos no início do ciclo de estudos em Licenciatura caiu em -11,2%; (o que significa -28,7 mil alunos), por outro lado o número de alunos em mestrados, doutoramentos e outros aumentou 8,7% (mais 10.1 mil), 19% (+3,5 mil) e 70,3 % (+8,6mil) respetivamente — o que O TC explica ou por uma possível elevada taxa de retenção no ensino secundário ou por falta de capacidades económicas em seguir para o ensino superior.
A redução da população jovem, por um lado, e o envelhecimento da população, por outro, terão impacto nas despesas públicas, designadamente, nas despesas da educação, da saúde e da segurança social com pensões, alerta o TC. Aliás, mais uma vez, se atentarmos aos números, mas desta vez da despesa, percebemos que na Educação a tendência tem sido de redução das despesas que passaram de 4,8% do PIB, em 2000, para 3,9%, em 2020. Estima-se que decresçam para 3,8%36, em 2030. No sentido inverso, as despesas com a saúde e com as pensões de velhice aumentaram e estima-se que continuem a aumentar
“Emerge, portanto, um extraordinário desafio a exigir uma resposta holística das PP para mitigar os efeitos sociais e económicos negativos decorrentes da dinâmica demográfica, com declínio da população residente, perda estimada em 2,4 milhões de indivíduos na população ativa (15- 64 anos) entre 2020 e 2080, diminuição da população jovem e envelhecimento progressivo no futuro”, conclui o TC.
Os responsáveis pelo relatório lembram mesmo que há já diversos estudos que concluem que “mais e melhor educação conduz a maior produtividade,” bem como a resultados positivos em relação ao emprego e nível salarial, melhor saúde, menos criminalidade, maior coesão social, redução de custos públicos e sociais e comportamentos sociais com valor para os próprios e para a sociedade.
Que medidas têm sido implementadas e que foram auditadas pelo TC
No Relatório Panorâmico, o TC sublinha que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é um dos instrumentos de financiamento da Estratégia 2030 que servirá para “ultrapassar os bloqueios estruturais”, como é o caso dos défices de competitividade e de qualificações dos portugueses que limitam o crescimento económico. Servirá também para enfrentar “os novos desafios revelados ou exacerbados pela pandemia por Covid-19″ permitindo a retoma do crescimento económico”. Mas já antes estavam a ser implementadas Políticas Públicas de educação relacionadas, direta ou indiretamente, com o aumento das qualificações dos portugueses. E que foram mesmo auditadas pelo Tribunal de Contas. Mas que políticas são essas?
1. Combate ao insucesso e ao abandono escolar
Um dos objetivos das políticas implementadas para combater o insucesso e o abandono escolar, em 2020, era reduzir em 10% o abandono escolar e aumentar para 40% a população entre os 30-34 anos com diploma de ensino superior. Auditorias feitas pelo TC quanto à eficácia de algumas medidas adotadas para o efeito, mostram que abandono escolar reduziu para 8,9% e o número de diplomados ficou em 39,6% — aquém do objetivo. Continuaram no entanto a ser adotadas medidas para aumentar o número de diplomados, nomeadamente na população com 30-34 anos, e o contrato de legislatura para 2020-2023 já ultrapassou algumas insuficiências identificadas, constatam.
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2. Contratos celebrados entre o Ministério da Educação e as escolas
Cerca de 60% dos objetivos não foram cumpridos e o sistema de controlo foi ineficaz em virtude de deficiências e insuficiências que colocaram em crise a eficácia dos mais de 200 contratos, a carecer de apropriada reformulação e de revisão do respetivo regime jurídico. Estes contrato não foram mantidos no ano letivo 2020/2021.
3. Gratuitidade dos manuais escolares
Desde o ano letivo de 2016/2017 que os alunos começaram a ter manuais escolares gratuitos, mas analisado tiveram sobretudo manuais novos. A esperada reutilização não teve expressão e houve escolas sem qualquer reutilização. Em linha com as recomendações formuladas pelo TC, a medida foi aperfeiçoada (embora ajustada às contingências da pandemia por Covid-19 com a suspensão generalizada da reutilização) e os procedimentos foram corrigidos, constata-se o relatório.
4. Modelo de financiamento do ensino superior
O financiamento decorreu com base em contratos de legislatura para 2016-2019, celebrados entre o Governo, universidades e politécnicos no âmbito da Agenda “Compromisso com o Conhecimento e a Ciência” — que assume as metas do Programa Nacional de Reformas quanto à qualificação da população e, nesse sentido, entre as suas finalidades conta-se reduzir o insucesso e abandono escolar e alargar a base social de recrutamento de estudantes. A auditoria visou examinar se o financiamento através dos contratos é transparente e promove a eficiência das IES e a eficácia do respetivo acompanhamento e controlo.
Foi observado o financiamento previsto nos contratos, mas a metodologia de cálculo não foi transparente e a eficácia do acompanhamento e controlo ficou prejudicada por se confinar às dotações orçamentais e não abranger os outros apoios e compromissos também previstos
5. Ensino à distancia e digitalização nas escolas durante a pandemia
O E@D foi implementado e exigiu a rápida adaptação e inovação em meios e métodos, mas o respetivo acesso não foi eficaz em resultado de carências em competências digitais e de atrasos na aquisição de meios digitais havendo alunos, professores e escolas sem computadores, ou obsoletos, e dificuldades no acesso à internet.
Aliás, o relatório do TC refere mesmo que “as crianças e os jovens têm sido dos mais atingidos pelo impacto da pandemia no seu futuro, condicionando-o, seja por afetar o funcionamento das atividades letivas, seja por interromper a transição para o mercado de trabalho onde a estrutura de competências adquiridas por cada um, agora afetada pelos efeitos da pandemia, é um fator crucial de sucesso”, conclui.