891kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

A CNN continua a revelar partes da entrevista de João Rendeiro
i

A CNN continua a revelar partes da entrevista de João Rendeiro

A CNN continua a revelar partes da entrevista de João Rendeiro

Rendeiro acusa advogado de o aconselhar a fugir. Isso é crime? E a hipotética dupla nacionalidade pode livrá-lo da extradição?

Ex-banqueiro compromete Carlos do Paulo, seu antigo advogado, no plano de fuga à justiça portuguesa. E deixa no ar a possibilidade de já ter outra nacionalidade. Isso seria entrave para a Justiça?

    Índice

    Índice

Num novo excerto da entrevista que esta semana deu à CNN Portugal, João Rendeiro compromete o seu ex-advogado, Carlos do Paulo, com o plano de fuga à justiça portuguesa. “Até setembro, eu não tinha plano de não regressar. Esse plano foi-me apresentado por um advogado que não é difícil saber qual foi”, contou Rendeiro. Na mesma entrevista, o antigo homem-forte do Banco Privado Português (BPP) também deixou transparecer a ideia de que já terá obtido dupla nacionalidade.

João Rendeiro garante que quando apanhou um avião com destino a Londres, em setembro deste ano, não era certo que estivesse a embarcar para uma viagem sem regresso a Portugal (por iniciativa própria). “A minha mulher não sabia que eu não ia regressar de Londres”, recordou. Essa ideia — que haveria de transformar-se numa decisão inabalável de não voltar a pisar território nacional — só surgiu mais tarde. Rendeiro começa por atribuir o “plano” a “um advogado que não é difícil saber qual é”. Mas, logo a seguir, confrontado com a questão sobre se foi Carlos do Paulo o autor moral da ideia, o ex-banqueiro confirma: “Sim, exatamente.”

Até à fuga de Rendeiro do país, Carlos do Paulo era o seu representante oficial. Aliás, logo após ser tornada pública a fuga do ex-banqueiro, foi Carlos do Paulo quem surgiu em público — numa entrevista à TVI — negando ter informações sobre o paradeiro do seu cliente. “Eu não sei onde está João Rendeiro nem quero saber. A minha função é esclarecer o cliente dentro da lei”, disse então.

Uma versão contrariada agora pelo próprio ex-líder do BPP. Na versão de Rendeiro, o seu ex-advogado “voluntariou-se a apresentar uma solução” para que pudesse escapar à justiça e evitar cumprir a pena de prisão de cinco anos e oito meses a que foi condenado (uma das três sentenças de que já foi alvo num dos processos do chamado caso BPP, mas a única transitada em julgado até agora).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Noutro momento da entrevista, João Rendeiro foge à questão sobre se obteve uma segunda nacionalidade desde que está em fuga à justiça. O ex-banqueiro considera-a uma “questão bem informada”, mas recusa-se a responder concretamente.

Rendeiro pode ter dupla nacionalidade. Mas isso, a ser verdade, impediria uma extradição? Não

Na justiça não há só preto e branco, mas o mais provável é que uma naturalização ou nacionalização conseguida após acontecerem os factos por que foi condenado não impedirá qualquer extradição. Apesar de tudo estar dependente da lei do país onde estará Rendeiro, o certo é que em muitos países, tal como acontece em Portugal, é relevado o facto de o arguido ter tratado de uma naturalização ou nacionalização numa fase posterior a crimes ou supostos crimes cometidos no Estado requerente.

“Não é pelo facto de o arguido se opor à extradição que a extradição não é concedida. Mas também se pode colocar a hipótese de o país rogado dizer logo ‘você é cidadão deste país, mas nem sequer é originário e, em segundo lugar, é-o desde uma data muito posterior à data a que os factos reportam’. Nessa situação, podemos logo conceder a extradição”.
Saragoça da Matta, advogado

Ao Observador, o advogado Paulo Saragoça da Matta explica que concorda com esse entendimento: “Há países que dão relevância — e acho mesmo que se deve dar relevância — ao facto de a aquisição da nacionalização ser posterior aos próprios factos objeto de investigação, ou seja, não ser originária [de nascimento]. E, neste caso, aos factos que levaram a uma condenação.”

Ainda assim, o advogado explica que “estamos sempre a fazer um raciocínio hipotético sobre o que entenderão as autoridades do Estado rogado, qualquer que seja”. Acrescentando: “Podemos é dizer que, academicamente, há várias posições possíveis sobre isso: a primeira delas é que mesmo tendo ele cidadania estrangeira não quer dizer que o Estado recuse a extradição.”

“Além disso, não é pelo facto de o arguido se opor à extradição que a extradição não é concedida. Mas também se pode colocar a hipótese de o país rogado dizer logo ‘você é cidadão deste país, mas nem sequer é originário e, em segundo lugar, é-o desde uma data muito posterior à data a que os factos reportam’. Nessa situação, podemos logo conceder a extradição”, diz Saragoça da Matta.

Se fosse em Portugal, por exemplo, alguém que fugisse para território nacional para se refugiar da Justiça de outro país e conseguisse nacionalidade portuguesa, um tribunal nacional poderia dizer que, apesar de ser cidadão português, adquirira a nacionalidade após a data dos factos e, por isso, conceder a extradição.

Há casos em que Portugal tenha concedido a extradição de pessoas com nacionalidade portuguesa? Sim, mas…

Ainda que o tema seja relativamente pacífico, para esta análise também é preciso ter em conta diferentes cenários: consoante a dupla nacionalidade seja concedida por naturalização ou por nacionalização equivalente à de origem — como agora podem pedir legalmente os netos de portugueses que sejam de países de língua oficial portuguesa. Enquanto que na naturalização o caso é de fácil entendimento, no caso de ser concedida após os crimes, quando se trata de uma equivalência à nacionalidade de origem, coloca-se a questão sobre se a atribuição conta a partir do momento em que foi dada (avaliando se foi anterior ou posterior aos crimes) ou a partir do nascimento da pessoa (dado ser de origem).

Vejamos um exemplo. Em 2018, transitou em julgado a decisão de conceder a extradição de Raul Schmidt Junior, um arguido procurado pela Justiça brasileira, que conseguira a nacionalidade portuguesa equivalente à de origem já após os alegados crimes investigados no processo da Lava Jato. Na altura, e após todas as decisões, um habeas corpus de última hora interposto no Supremo pela defesa conseguiu um volte-face na decisão transitada em julgado.

Aliás, a decisão do Supremo que teve de ser acatada pela Relação de Lisboa foi até contra o que já havia sido entendido pelo presidente do próprio Supremo em recurso anterior. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça tinha-se pronunciado sobre um pedido feito pela defesa, dizendo que nada poderia ser feito por aquele tribunal para travar o processo de extradição posto em marcha pela Relação de Lisboa.

Mas esta decisão de última da hora, muito questionada na altura, surgiu já após vários recursos, em que o arguido viu as diversas instâncias decidirem pela extradição, com o argumento de que os crimes por que seria julgado no Brasil eram anteriores a 2014, altura em que não tinha ainda nacionalidade portuguesa.

"Um advogado que aconselha o cliente a cometer crimes e os crimes têm uma gravidade elevada, vai quase de certeza conduzir a um processo-crime contra o próprio advogado, assim que haja indícios. Portanto, [o assunto] vai de qualquer forma parar ao conselho de deontologia".
Alexandra Bordalo Gonçalves, presidente do Conselho Disciplinar da Ordem dos Advogados

E o desagrado do juiz da Relação de Lisboa que foi forçado a voltar atrás já depois do cair do pano ficou expressa no processo: “Não obstante o expediente remetido a este Tribunal proveniente do Supremo Tribunal de Justiça não se enquadrar em nenhuma das formas processuais de recurso ou reclamação incidentes sobre o nosso despacho de 18.05.2018 […], ficaram para nós sanadas quaisquer dúvidas interpretativas sobre o alcance das decisões proferidas quanto à extradição ou não do arguido Raul Schmidt Júnior”.

Mas este caso foi em parte dificultado pela nacionalidade equivalente à de origem, com a defesa sempre a dizer que, tendo em conta as características desta, era preciso que os crimes fossem cometidos antes da nascença do arguido, para poderem ser anteriores à sua nacionalidade portuguesa. Um detalhe processual.

Rendeiro diz que foi o advogado Carlos do Paulo que o aconselhou a fugir. Pode estar em causa um crime? Sim

Em primeiro lugar, a confirmar-se esta versão, poderá estar em causa um crime de obstrução à Justiça, não na forma de autoria, mas com participação, explica Paulo Saragoça da Matta.

O Observador tentou obter esclarecimentos de Carlos do Paulo mas não foi possível até à hora de publicação deste artigo. No entanto, em declarações à CNN, também esta terça-feira, o ex-advogado de João Rendeiro disse que o seu antigo cliente é “um homem inteligente, sibilino e que manipula” os factos. Mas foi mais longe, ao dizer que Rendeiro “mente com todas as palavras”, está “desesperado” e num registo de “contra tudo e contra todos”.

Acusado pelo antigo banqueiro de ser o mentor do plano de fuga, Carlos do Paulo contrapõe com o argumento de que tem uma “carreira imaculada”. Mas acaba por assumir que manteve conversas com Rendeiro sobre os cenários de uma eventual tentativa de extradição, caso o ex-banqueiro fosse alvo de um mandado de detenção. “Quando o senhor Rendeiro pergunta ao advogado, o advogado tem o direito de esclarecer legalmente o seu constituinte: quantos países, quais é que têm a extradição e quais os trâmites processuais (…). Tratei disso”, admite.

Ainda assim, mantém o argumento de que não sabe do paradeiro do ex-líder do BPP, não sabe como Rendeiro viajou de Londres para o destino final nem sabe que passaporte f0i usado nessas deslocações. Soube, sim, da obtenção de dupla nacionalidade. “Só soube da nacionalidade porque tenho essa missiva escrita e transmitida pelo próprio. Só assim soube que tinha uma dupla nacionalidade, mas não sei o país”, disse à CNN Portugal.

E a Ordem dos Advogados não pode fazer nada em relação a Carlos do Paulo? Pode

Pode, desde logo, abrir um processo interno. Ao Observador, Alexandra Bordalo Gonçalves, presidente do Conselho Disciplinar da Ordem, explica que “um advogado que aconselha o cliente a cometer crimes e os crimes têm uma gravidade elevada, vai quase de certeza conduzir a um processo-crime contra o próprio advogado, assim que haja indícios. Portanto, [o assunto] vai de qualquer forma parar ao conselho de deontologia”.

Ainda assim, nestes casos, tudo tem de ser analisado com cuidado e é preciso dar tempo para que haja uma apreciação preliminar, não basta uma denúncia com estes contornos, sabe o Observador. Isto, porque não é assim tão incomum haver arguidos que cometem crimes e que digam que o fizeram a conselho do advogado.

Da apreciação pode chegar-se a um despacho de arquivamento ainda antes de qualquer inquérito ou até, no limite, à instauração de um processo de inquérito.

E em caso de se concluir que o advogado aconselhou o cliente a cometer um crime, pode haver expulsão? No limite, sim

Bom, nesse caso, as sanções podem ir da advertência à expulsão. O bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, assegura, em declarações ao Observador, que “qualquer atuação irregular praticada por advogado está naturalmente sujeita a órgãos deontológicos da ordem aos quais caberá exercer a competente jurisdição disciplinar”.

“Tem de se ver todo o caso, todo o processo, os antecedentes, as circunstâncias, o que se prova, o que não se prova”, remata Alexandra Bordalo Gonçalves.

O Estatuto da Ordem dos Advogados, no artigo 130º, refere que “as sanções disciplinares são as seguintes: advertência; censura; multa de quantitativo até ao valor da alçada dos tribunais de comarca; multa de quantitativo entre o valor da alçada dos tribunais de comarca e o valor da alçada dos tribunais de Relação ou, no caso de pessoas coletivas, o valor do triplo da alçada da Relação; suspensão até 10 anos; e expulsão.”

A sanção de advertência “é aplicável quando o arguido tenha violado de forma leve os deveres profissionais no exercício da advocacia e tem por finalidade evitar a repetição da conduta lesiva”. No extremo oposto, “as sanções de suspensão e expulsão assumem a forma de interdição temporária ou definitiva do exercício da atividade profissional, respetivamente”.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.