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A CNN continua a revelar partes da entrevista de João Rendeiro
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A CNN continua a revelar partes da entrevista de João Rendeiro

A CNN continua a revelar partes da entrevista de João Rendeiro

Rendeiro acusa advogado de o aconselhar a fugir. Isso é crime? E a hipotética dupla nacionalidade pode livrá-lo da extradição?

Ex-banqueiro compromete Carlos do Paulo, seu antigo advogado, no plano de fuga à justiça portuguesa. E deixa no ar a possibilidade de já ter outra nacionalidade. Isso seria entrave para a Justiça?

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Num novo excerto da entrevista que esta semana deu à CNN Portugal, João Rendeiro compromete o seu ex-advogado, Carlos do Paulo, com o plano de fuga à justiça portuguesa. “Até setembro, eu não tinha plano de não regressar. Esse plano foi-me apresentado por um advogado que não é difícil saber qual foi”, contou Rendeiro. Na mesma entrevista, o antigo homem-forte do Banco Privado Português (BPP) também deixou transparecer a ideia de que já terá obtido dupla nacionalidade.

João Rendeiro garante que quando apanhou um avião com destino a Londres, em setembro deste ano, não era certo que estivesse a embarcar para uma viagem sem regresso a Portugal (por iniciativa própria). “A minha mulher não sabia que eu não ia regressar de Londres”, recordou. Essa ideia — que haveria de transformar-se numa decisão inabalável de não voltar a pisar território nacional — só surgiu mais tarde. Rendeiro começa por atribuir o “plano” a “um advogado que não é difícil saber qual é”. Mas, logo a seguir, confrontado com a questão sobre se foi Carlos do Paulo o autor moral da ideia, o ex-banqueiro confirma: “Sim, exatamente.”

Até à fuga de Rendeiro do país, Carlos do Paulo era o seu representante oficial. Aliás, logo após ser tornada pública a fuga do ex-banqueiro, foi Carlos do Paulo quem surgiu em público — numa entrevista à TVI — negando ter informações sobre o paradeiro do seu cliente. “Eu não sei onde está João Rendeiro nem quero saber. A minha função é esclarecer o cliente dentro da lei”, disse então.

Uma versão contrariada agora pelo próprio ex-líder do BPP. Na versão de Rendeiro, o seu ex-advogado “voluntariou-se a apresentar uma solução” para que pudesse escapar à justiça e evitar cumprir a pena de prisão de cinco anos e oito meses a que foi condenado (uma das três sentenças de que já foi alvo num dos processos do chamado caso BPP, mas a única transitada em julgado até agora).

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Noutro momento da entrevista, João Rendeiro foge à questão sobre se obteve uma segunda nacionalidade desde que está em fuga à justiça. O ex-banqueiro considera-a uma “questão bem informada”, mas recusa-se a responder concretamente.

Rendeiro pode ter dupla nacionalidade. Mas isso, a ser verdade, impediria uma extradição? Não

Na justiça não há só preto e branco, mas o mais provável é que uma naturalização ou nacionalização conseguida após acontecerem os factos por que foi condenado não impedirá qualquer extradição. Apesar de tudo estar dependente da lei do país onde estará Rendeiro, o certo é que em muitos países, tal como acontece em Portugal, é relevado o facto de o arguido ter tratado de uma naturalização ou nacionalização numa fase posterior a crimes ou supostos crimes cometidos no Estado requerente.

“Não é pelo facto de o arguido se opor à extradição que a extradição não é concedida. Mas também se pode colocar a hipótese de o país rogado dizer logo ‘você é cidadão deste país, mas nem sequer é originário e, em segundo lugar, é-o desde uma data muito posterior à data a que os factos reportam’. Nessa situação, podemos logo conceder a extradição”.
Saragoça da Matta, advogado

Ao Observador, o advogado Paulo Saragoça da Matta explica que concorda com esse entendimento: “Há países que dão relevância — e acho mesmo que se deve dar relevância — ao facto de a aquisição da nacionalização ser posterior aos próprios factos objeto de investigação, ou seja, não ser originária [de nascimento]. E, neste caso, aos factos que levaram a uma condenação.”

Ainda assim, o advogado explica que “estamos sempre a fazer um raciocínio hipotético sobre o que entenderão as autoridades do Estado rogado, qualquer que seja”. Acrescentando: “Podemos é dizer que, academicamente, há várias posições possíveis sobre isso: a primeira delas é que mesmo tendo ele cidadania estrangeira não quer dizer que o Estado recuse a extradição.”

“Além disso, não é pelo facto de o arguido se opor à extradição que a extradição não é concedida. Mas também se pode colocar a hipótese de o país rogado dizer logo ‘você é cidadão deste país, mas nem sequer é originário e, em segundo lugar, é-o desde uma data muito posterior à data a que os factos reportam’. Nessa situação, podemos logo conceder a extradição”, diz Saragoça da Matta.

Se fosse em Portugal, por exemplo, alguém que fugisse para território nacional para se refugiar da Justiça de outro país e conseguisse nacionalidade portuguesa, um tribunal nacional poderia dizer que, apesar de ser cidadão português, adquirira a nacionalidade após a data dos factos e, por isso, conceder a extradição.

Há casos em que Portugal tenha concedido a extradição de pessoas com nacionalidade portuguesa? Sim, mas…

Ainda que o tema seja relativamente pacífico, para esta análise também é preciso ter em conta diferentes cenários: consoante a dupla nacionalidade seja concedida por naturalização ou por nacionalização equivalente à de origem — como agora podem pedir legalmente os netos de portugueses que sejam de países de língua oficial portuguesa. Enquanto que na naturalização o caso é de fácil entendimento, no caso de ser concedida após os crimes, quando se trata de uma equivalência à nacionalidade de origem, coloca-se a questão sobre se a atribuição conta a partir do momento em que foi dada (avaliando se foi anterior ou posterior aos crimes) ou a partir do nascimento da pessoa (dado ser de origem).

Vejamos um exemplo. Em 2018, transitou em julgado a decisão de conceder a extradição de Raul Schmidt Junior, um arguido procurado pela Justiça brasileira, que conseguira a nacionalidade portuguesa equivalente à de origem já após os alegados crimes investigados no processo da Lava Jato. Na altura, e após todas as decisões, um habeas corpus de última hora interposto no Supremo pela defesa conseguiu um volte-face na decisão transitada em julgado.

Aliás, a decisão do Supremo que teve de ser acatada pela Relação de Lisboa foi até contra o que já havia sido entendido pelo presidente do próprio Supremo em recurso anterior. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça tinha-se pronunciado sobre um pedido feito pela defesa, dizendo que nada poderia ser feito por aquele tribunal para travar o processo de extradição posto em marcha pela Relação de Lisboa.

Mas esta decisão de última da hora, muito questionada na altura, surgiu já após vários recursos, em que o arguido viu as diversas instâncias decidirem pela extradição, com o argumento de que os crimes por que seria julgado no Brasil eram anteriores a 2014, altura em que não tinha ainda nacionalidade portuguesa.

"Um advogado que aconselha o cliente a cometer crimes e os crimes têm uma gravidade elevada, vai quase de certeza conduzir a um processo-crime contra o próprio advogado, assim que haja indícios. Portanto, [o assunto] vai de qualquer forma parar ao conselho de deontologia".
Alexandra Bordalo Gonçalves, presidente do Conselho Disciplinar da Ordem dos Advogados

E o desagrado do juiz da Relação de Lisboa que foi forçado a voltar atrás já depois do cair do pano ficou expressa no processo: “Não obstante o expediente remetido a este Tribunal proveniente do Supremo Tribunal de Justiça não se enquadrar em nenhuma das formas processuais de recurso ou reclamação incidentes sobre o nosso despacho de 18.05.2018 […], ficaram para nós sanadas quaisquer dúvidas interpretativas sobre o alcance das decisões proferidas quanto à extradição ou não do arguido Raul Schmidt Júnior”.

Mas este caso foi em parte dificultado pela nacionalidade equivalente à de origem, com a defesa sempre a dizer que, tendo em conta as características desta, era preciso que os crimes fossem cometidos antes da nascença do arguido, para poderem ser anteriores à sua nacionalidade portuguesa. Um detalhe processual.

Rendeiro diz que foi o advogado Carlos do Paulo que o aconselhou a fugir. Pode estar em causa um crime? Sim

Em primeiro lugar, a confirmar-se esta versão, poderá estar em causa um crime de obstrução à Justiça, não na forma de autoria, mas com participação, explica Paulo Saragoça da Matta.

O Observador tentou obter esclarecimentos de Carlos do Paulo mas não foi possível até à hora de publicação deste artigo. No entanto, em declarações à CNN, também esta terça-feira, o ex-advogado de João Rendeiro disse que o seu antigo cliente é “um homem inteligente, sibilino e que manipula” os factos. Mas foi mais longe, ao dizer que Rendeiro “mente com todas as palavras”, está “desesperado” e num registo de “contra tudo e contra todos”.

Acusado pelo antigo banqueiro de ser o mentor do plano de fuga, Carlos do Paulo contrapõe com o argumento de que tem uma “carreira imaculada”. Mas acaba por assumir que manteve conversas com Rendeiro sobre os cenários de uma eventual tentativa de extradição, caso o ex-banqueiro fosse alvo de um mandado de detenção. “Quando o senhor Rendeiro pergunta ao advogado, o advogado tem o direito de esclarecer legalmente o seu constituinte: quantos países, quais é que têm a extradição e quais os trâmites processuais (…). Tratei disso”, admite.

Ainda assim, mantém o argumento de que não sabe do paradeiro do ex-líder do BPP, não sabe como Rendeiro viajou de Londres para o destino final nem sabe que passaporte f0i usado nessas deslocações. Soube, sim, da obtenção de dupla nacionalidade. “Só soube da nacionalidade porque tenho essa missiva escrita e transmitida pelo próprio. Só assim soube que tinha uma dupla nacionalidade, mas não sei o país”, disse à CNN Portugal.

E a Ordem dos Advogados não pode fazer nada em relação a Carlos do Paulo? Pode

Pode, desde logo, abrir um processo interno. Ao Observador, Alexandra Bordalo Gonçalves, presidente do Conselho Disciplinar da Ordem, explica que “um advogado que aconselha o cliente a cometer crimes e os crimes têm uma gravidade elevada, vai quase de certeza conduzir a um processo-crime contra o próprio advogado, assim que haja indícios. Portanto, [o assunto] vai de qualquer forma parar ao conselho de deontologia”.

Ainda assim, nestes casos, tudo tem de ser analisado com cuidado e é preciso dar tempo para que haja uma apreciação preliminar, não basta uma denúncia com estes contornos, sabe o Observador. Isto, porque não é assim tão incomum haver arguidos que cometem crimes e que digam que o fizeram a conselho do advogado.

Da apreciação pode chegar-se a um despacho de arquivamento ainda antes de qualquer inquérito ou até, no limite, à instauração de um processo de inquérito.

E em caso de se concluir que o advogado aconselhou o cliente a cometer um crime, pode haver expulsão? No limite, sim

Bom, nesse caso, as sanções podem ir da advertência à expulsão. O bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, assegura, em declarações ao Observador, que “qualquer atuação irregular praticada por advogado está naturalmente sujeita a órgãos deontológicos da ordem aos quais caberá exercer a competente jurisdição disciplinar”.

“Tem de se ver todo o caso, todo o processo, os antecedentes, as circunstâncias, o que se prova, o que não se prova”, remata Alexandra Bordalo Gonçalves.

O Estatuto da Ordem dos Advogados, no artigo 130º, refere que “as sanções disciplinares são as seguintes: advertência; censura; multa de quantitativo até ao valor da alçada dos tribunais de comarca; multa de quantitativo entre o valor da alçada dos tribunais de comarca e o valor da alçada dos tribunais de Relação ou, no caso de pessoas coletivas, o valor do triplo da alçada da Relação; suspensão até 10 anos; e expulsão.”

A sanção de advertência “é aplicável quando o arguido tenha violado de forma leve os deveres profissionais no exercício da advocacia e tem por finalidade evitar a repetição da conduta lesiva”. No extremo oposto, “as sanções de suspensão e expulsão assumem a forma de interdição temporária ou definitiva do exercício da atividade profissional, respetivamente”.

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