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João Rendeiro é oficialmente um foragido à Justiça depois de o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa ter emitido um mandado de captura internacional
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João Rendeiro é oficialmente um foragido à Justiça depois de o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa ter emitido um mandado de captura internacional

João Rendeiro é oficialmente um foragido à Justiça depois de o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa ter emitido um mandado de captura internacional

Rendeiro quis saber condições da prisão da Carregueira

Ex-líder do BPP esteve a investigar as condições da prisão de Sintra. O que falhou para Rendeiro conseguir fugir? O Observador conta-lhe como o sistema judicial desvalorizou os sinais de fuga.

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João Rendeiro teve todas as condições para planear uma fuga bem sucedida. Uma cultura judicial passiva e formalista nos tribunais superiores, que ignoraram os vários sinais que existiam nos autos sobre a possível fuga. A tradicional falta de comunicação entre os procuradores que fazem os julgamentos, os que acompanham os recursos e os que titulam a investigação. E, finalmente, o clássico dos clássicos do sistema judicial português: uma tramitação lenta e uma legislação omissa em mecanismos que permitam aos tribunais aplicar o agravamento das medidas de coação quando estamos perante mais do que uma sentença com pena de prisão.

Tudo isto serviu para que João Rendeiro preferisse transformar-se no foragido à Justiça mais conhecido dos últimos anos. Uma coisa é certa: as autoridades portuguesas não têm dúvidas de que João Rendeiro e a sua mulher planearam a fuga durante meses.

Rendeiro investigou em maio as condições da prisão da Carregueira

Um desses indícios claros está relacionado com uma investigação que João Rendeiro encetou num período em que já sabia que o trânsito em julgado da sua pena de prisão de cinco anos e oito meses era mais do que certo. O Tribunal Constitucional estava prestes a decidir o seu recurso — veio a rejeitá-lo liminarmente a 7 de junho — e Rendeiro estaria a pensar em entregar-se voluntariamente.

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Nessa altura, João Rendeiro inquiriu vários ex-presidiários do Estabelecimento Prisional da Carregueira, no concelho de Sintra, sobre as condições da prisão. Os contactos ocorreram em Maio e visavam saber como eram as celas, as condições sanitárias, os espaços ao ar livre e as regras de funcionamento. As respostas que ouviu não terão agradado ao ex-banqueiro.

Foi na Carregueira que estiveram presos outros réus mediáticos como Isaltino Morais e Duarte Lima — que ainda se encontra a cumprir a sua pena de prisão de 6 anos por burla e branqueamento de capitais no caso Homeland desde abril de 2019 — e seria nesse estabelecimento prisional que Rendeiro deveria ter entrado, por ser aquele mais próximo da sua área de residência.

João Rendeiro, ao lado de David Justino (atual vice-presidente do PSD e ex-ministro da Educação).

© Hugo Amaral/Observador

Certo é que a condenação em primeira instância no chamado processo dos prémios — em que Rendeiro e outros ex-administradores do BPP se terão apropriado indevidamente de cerca de 30 milhões de euros — a uma pena muito pesada de 10 anos surpreendeu o ex-banqueiro e fez com que desistisse definitivamente da ideia de se entregar.

Estes contactos são mais um indício que reforça a ideia de que Rendeiro estaria a planear a fuga para um território sem acordo de extradição com Portugal. O Jornal de Notícias avançou que o ex-banqueiro estará no Belize, um pequeno país com cerca de 500 mil habitantes localizado na América Central e que também é conhecido por ser um conhecido paraíso fiscal.

Outro indício prende-se com a viagem que Rendeiro fez à Costa Rica entre 15 de julho e 21 de agosto. Este país da América Central situa-se apenas a pouco mais de 1.000 quilómetros do Belize e a uma pequena viagem de avião. As autoridades suspeitam que o ex-banqueiro e a sua mulher terão aproveitado a estadia na Costa Rica para visitar as condições do seu alegado destino de fuga.

Procuradores e juízes da 1.ª Instância e de tribunais superiores não comunicaram entre si

Desde há muito que era claro para os magistrados e advogados que acompanham o caso BPP que existia um claro perigo de fuga. A primeira razão é fácil de explicar: João Rendeiro apenas tem a sua mulher como familiar direta; o casal não tem filhos; e os pais de Rendeiro já morreram. Muitos dos seus amigos também cortaram relações ou afastaram-se devido ao escândalo que levou o Banco de Portugal a intervir junto do BPP.

Por outro lado, o ex-banqueiro não trabalhava em Portugal desde há vários anos, dizendo prestar serviços de consultadoria financeira no Brasil, Turquia e Estados Unidos.

Por último, a sua casa na Quinta Patiño, pertença de uma offshore que tinha Rendeiro como beneficiário, está arrestada à ordem de um dos processos do caso BPP.

Com pesadas penas de prisão às cotas, sem nada que o prendesse a Portugal (família, trabalho ou património) e com meios financeiros ao seu dispôr (os autos dos diversos processos do caso BPP evidenciam transferências de milhões de euros entre diferentes offshore controladas por Rendeiro), o ex-banqueiro só tinha razões para abandonar Portugal.

Com pesadas penas de prisão às costas, sem nada que o prendesse a Portugal (família, trabalho ou património) e com meios financeiros ao seu dispor (os autos dos diversos processos do caso BPP evidenciam transferências de milhões de euros entre diferentes offshores controladas por Rendeiro), o ex-banqueiro tinha razões para abandonar Portugal.

Ora, nenhuma destas informações foi devidamente evidenciada pelos juízes e procuradores dos tribunais superiores que tiveram de avaliar os recursos e os diferentes incidentes processuais criados pela defesa de João Rendeiro. E não foram devidamente evidenciadas porque não existe qualquer cultura judiciária que promova uma comunicação entre quem investiga os processos, quem faz os julgamentos e quem acompanha os recursos.

Todas essas diferentes camadas do nosso sistema judicial vivem isoladas e sem qualquer tipo de comunicação entre si.

As sucessivas viagens ao estrangeiro e um mês na Costa Rica

Entre novembro de 2017 e novembro de 2019, João Rendeiro fez sete viagens para Miami e Nova Iorque, sempre dando conhecimento disso às autoridades.

Tendo como medida de coação o termo de identidade e residência, a lei apenas obriga que o arguido comunique aos autos o destino das suas viagens quando se ausenta por mais de cinco dias de Portugal. E foi precisamente isso que Rendeiro fez, dando, como a lei impõe, a morada exata do local em Miami ou em Nova Iorque onde podia ser encontrado.

Não é que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa ou o Ministério Público fossem verificar à posteriori se efetivamente Rendeiro se encontrava em cada uma daquelas moradas. Trata-se de um simples procedimento burocrático que é cumprido pela informação por escrito dada pelo respetivo advogado do arguido que fica registada nos autos.

Ora, João Rendeiro alterou unilateralmente o procedimento obrigatório quando viajou para a Costa Rica a 15 de julho último, para ficar neste país da América Central até 21 de agosto. Em primeiro lugar, só comunicou aos autos quatro dias depois de alegadamente ter chegado à Costa Rica.

A ausência de Rendeiro na Costa Rica entre 15 de julho e 21 de agosto verifica-se quando os autos do processo da falsificação da contabilidade estão prestes a transitar em julgado. É precisamente no dia 15 de julho que o plenário do Tribunal Constitucional recusa a sua reclamação. Ou seja, a estrada dos recursos fecha-se definitvamente para Rendeiro.

Por outro lado, não deu nenhuma morada exata — com tinha feito até aí —, apenas referiu que podia ser encontrado através do consulado de Portugal naquele país. Este é um facto insólito porque Rendeiro não era funcionário diplomático nem tinha livre acesso às instalações consulares.

Pior: esta ausência verifica-se quando os autos do processo da falsificação da contabilidade está prestes a transitar em julgado. É precisamente no dia 15 de julho que o plenário do Tribunal Constitucional recusa a sua reclamação. Ou seja, a estrada dos recursos fecha-se definitvamente para Rendeiro.

E porque razão não foram emitidos mandados de detenção? Porque o dia 15 de julho é o último dia de trabalho dos tribunais e em férias judicias (que terminaram a 1 de setembro) só são tramitados processos urgentes. Ora, só os autos com presos é que são considerados urgentes.

A última viagem

Como nenhum alerta vermelho disparou junto do Ministério Público e dos diferentes tribunais que têm os quatro processos do BPP em mãos — com destaque para os autos que estavam no Tribunal Constitucional e que estavam prestes a transitar em julgado —, João Rendeiro repetiu o que já tinha feito na Costa Rica.

Sabendo desde o fim das férias judiciais que o Tribunal Constitucional estava prestes a declarar a sua pena de prisão como transitada em julgado, Rendeiro viajou para Londres alegando que iria tratar de problemas de saúde no dia 12 de setembro. Desta vez, não demorou quatro dias a informar que estava ausente do país, mas apenas 24 horas. Mas voltou a indicar instalações diplomáticas de Portugal como ponto de contacto.

Como foi possível João Rendeiro fugir? 8 respostas sobre o caso

A 20 de setembro, o Supremo Tribunal de Justiça emitiu a nota oficial de trânsito em julgado do acórdão condenatório de João Rendeiro e de Paulo Guichard.

Foi só aqui que houve uma reação do Ministério Público, sendo que o próprio Banco Privado Português (BPP), assistente no processo, contra-atacou em toda a linha. Através do escritório Cuatrecasas, o BPP enviou dois requerimentos para diferentes processos do caso BPP a solicitar o seguinte:

  • A baixa dos autos do processo de falsificação da contabilidade do BPP, que tinham transitado em julgado, para a primeira instância para execução da pena de prisão de João Rendeiro e de Paulo Guichard — que, entretanto, tinha interposto um segundo recurso para o Tribuna Constitucional que não foi admitido no dia 27 de setembro pela Relação de Lisboa.
  • A alteração das medidas de coação no processo dos prémios que teve condenação em maio de 2021 mas que ainda está longe de transitar em julgado.

Dois dias depois de Rendeiro ter assumido a fuga, continua a não haver mandado de captura no único processo que já transitou em julgado

A juíza Tânia Loureiro despachou favoravelmente os requerimentos do Ministério Público e do assistente em apenas 24 horas e acabou por ser a única magistrada judicial que tentou agir — tarde demais, é certo. Não só ordenou a João Rendeiro para indicar a sua morada exata em Londres em 48 horas (prazo que terminou na quarta-feira), como determinou que o ex-banqueiro teria de estar em Lisboa esta sexta-feira para ser interrogado no âmbito da alteração das medidas de coação.

Se tudo tivesse corrido dentro na normalidade — isto é, caso João Rendeiro não tivesse planeado a fuga antecipadamente —, o arguido ter-se-ia apresentado e, provavelmente, teria ficado sem o passaporte, proibido de viajar para o estrangeiro e obrigado a apresentações periódicas numa esquadra policial próxima da sua área de residência.

Mas não correu. Perante a resposta (“não é sua intenção regressar a Portugal”), a magistrada decretou a prisão preventiva e emitiu o mandado internacional de captura para que a medida de coação máxima seja cumprida.

Número 2 de Rendeiro diz que não vai fugir: “Apresentar-me-ei prontamente em Portugal para cumprir pena de prisão quando for efetiva”

Esta sexta-feira ficou igualmente a saber-se que o Tribunal da Relação de Lisboa ordenou a baixa dos autos do processo de falsificação da contabilidade onde, perante o trânsito em julgado, há de facto duas penas de prisão efetivas a cumprir por parte de João Rendeiro e de Paulo Guichard.

É expectável que na próxima segunda-feira seja emitido o segundo mandado de captura internacional em nome de João Oliveira Rendeiro. Quanto a Guichard, garantiu ao Observador que pretende viajar do Rio de Janeiro (onde mora há vários anos) para se apresentar em Lisboa e cumprir a pena de prisão de 4 anos e oito meses.

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