Artigo em atualização ao longo do dia de campanha
Rui Rio viu aqui uma oportunidade e não vai largar o caso Tancos. Depois de António Costa ter virado o tabuleiro para o plano do caráter, atacando Rui Rio por estar a violar os seus próprios princípios (de que é contra julgamentos na praça pública), Rio insiste que não há nenhuma “quebra de princípios” e que se há característica que toda a gente lhe atribui é a de ter uma “enorme fidelidade aos princípios”. O caso de Tancos entrou como uma bomba na campanha eleitoral e o pôs o debate entre dois patamares: é ou não é uma exploração política de um caso judicial?
“Numa eleição, não olhamos só aos programas, olhamos à postura com que as pessoas estão na política”, começou por dizer Rui Rio à entrada para uma visita a uma empresa do Fundão, defendendo que em nenhum momento falou do caso criminal que envolve o ex-ministro Azeredo Lopes e que se “limitou à parte política: o primeiro-ministro sabia ou não sabia” do encobrimento das armas? Em causa, para o líder do PSD, está a postura de um primeiro-ministro que não terá sido informado de “coisas da maior gravidade” que aconteceram no seu governo.
À semelhança do que já tinha anunciado na quinta-feira à tarde, Rui Rio confirmou que o PSD vai “pedir uma reunião da Comissão Permanente da Assembleia da República, entre hoje e segunda-feira”, mas não esclareceu se o que o PSD pretende é pôr o Parlamento a ouvir novamente os responsáveis políticos.
Uma coisa é certa: que Azeredo Lopes sabia da encenação do “achamento” das armas de Tancos, Rio não tem dúvidas. Mas isso cabe à justiça julgar. “Não estou a dar aqui nenhuma sentença ao doutor Azeredo Lopes, se tinha alguma culpa ou nenhuma culpa, mas o que está claro no SMS que consta do processo é que ele sabia”, disse ainda, referindo-se à troca de SMS entre o ex-ministro e o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro, noticiado pelo Observador.
Rio até admite que António Costa não tenha ouvido bem a conferência de imprensa que deu ontem à tarde, “já que reagiu tão rápido”, ou que o seu “staff” o tenha induzido em erro, porque a resposta que lhe deu foi “descontextualizada”: “Até admito que nem tenha ouvido bem o que eu disse”. E vai manter-se na sua, mantendo o tom, até o caso se esfumar: “Não é a justiça que vai determinar a parte política” desta história, disse, sublinhando que, enquanto “líder da oposição”, tem “obrigação de fazer isto”.
Num tweet publicado esta manhã, Rio chegava mesmo a sugerir que o PS preferia silenciar o caso: “A verdade nua e crua é que queriam que eu não cumprisse a minha obrigação e ajudasse a silenciar um caso da maior gravidade”. Aos jornalistas, no Fundão, insistiu nessa ideia. “António Costa gostaria que ninguém falasse deste caso e que passasse despercebido”, disse, apontando o PS como os “primeiros responsáveis”, mas apontando depois baterias também ao PCP e ao Bloco de Esquerda.
É a isto que António Costa e os comentadores que o amparam chamam fazer um julgamento na praça pública? Onde está a componente judicial desta intervenção? A verdade nua e crua é que queriam que eu não cumprisse a minha obrigação e ajudasse a silenciar um caso da maior gravidade. https://t.co/g7HAR8AZ9g
— Rui Rio (@RuiRioPT) September 27, 2019
Os parceiros do PS no governo, no entender de Rio, também estão “incomodados” com o facto de terem aprovado um relatório na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso Tancos que de certa forma iliba o ex-ministro de qualquer responsabilidade, sendo que a acusação do Ministério Público agora conhecida vai exatamente em sentido contrário. Na altura, só PSD e CDS votaram contra esse relatório.
Questionado sobre se esta crispação com António Costa compromete eventuais entendimentos PSD/PS para as reformas estruturais que tanto defende, Rui Rio disse que não. “No que me diz respeito, tenho dito desde o primeiro dia que coloco Portugal em primeiro, e que passo por cima das relações pessoais ou de incidentes ligados à campanha”, disse.
Uma hora e meia a percorrer a Guarda a pé e o desejo de um eleitor: “Rio e Cristas juntos numa nova AD”
Tancos continua a dominar a narrativa da campanha, mas enquanto Rui Rio e António Costa não saem do mesmo (um diz que o outro está a contaminar a campanha com casos judiciais e o outro garante que só está a falar de casos políticos), a caravana laranja continua a agitar bandeiras pelo interior. Depois de uma visita a um centro de dia para crianças com deficiência em Castelo Branco, Rio seguiu para uma multinacional do Fundão e terminou a tarde a percorrer a cidade da Guarda a pé.
Com os “jotas” laranjas cada vez mais inspirados no repertório musical (depois de Toy, o tema de hoje era uma adaptação de “Pimba Pimba”, de Emanuel), nem a presença de Álvaro Amaro (histórico autarca da Guarda e atual eurodeputado), que foi constituído arguido no processo “Rota Final”, minou o passeio animado de Rio pelas ruas da cidade. A marcha arrancou pelas 18h e só terminou às 19h30, no cine-teatro onde estava prevista mais uma habitual “talk” da campanha. À mesma hora em que Rio entrava em todas as lojas, cafés e farmácias que via para cumprimentar os comerciantes, António Costa falava aos jornalistas, no Porto, para voltar a insistir que o PSD está a trazer para a campanha um caso da justiça. Rui Rio, contudo, não quis contra-atacar e os jornalistas foram informados de que o candidato do PSD não iria prestar declarações à margem da “talk” onde se preparava para entrar.
Depois de entrar numa farmácia para “recuperar vitaminas”, Rui Rio deparou-se com um eleitor, numa rua da Guarda, que tinha um papel para lhe entregar e um desejo para transmitir. Trata-se de José Monteiro de Andrade, empresário da construção civil de 88 anos, que entregou a Rio uma carta onde expunha a situação da sua empresa e da quantidade de impostos — sobretudo o adicional ao IMI, a que chamou “imposto Mortágua” — que tem de pagar. Na resposta, Rio fez-lhe uma promessa: “Essa vai ser uma bandeira para o final desta campanha”.
E agora, o desejo. Aos 88 anos, José Monteiro de Andrade tem um desejo: ver o PSD e o CDS unidos numa nova Aliança Democrática outra vez. “Adoro o PSD e o CDS mas gostava que fizessem uma aliança, porque a união é que faz a força, dividir é perder votos. Quando Rui Rio ganhou [a liderança do PSD], a minha intenção era que eles fizessem uma nova AD, porque se não for assim nunca mais tiram de lá a geringonça”, vaticinou. Sobre de qual gosta mais, de Rio ou de Cristas, confessou que se pudessse dividir-se, dividia-se, mas não podendo… “vou a um e a outro”.
Esse desejo, contudo, Rui Rio não fez tensões de atender. A caravana segue e há muito que andar.