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A guerra entre Roger Waters e David Gilmour, dos Pink Floyd

Roger Waters-David Gilmour: a rivalidade com quase quatro décadas dos músicos ex-Pink Floyd, que vai muito além de Putin e da Rússia

Da guerra na Ucrânia aos direitos comerciais da banda, a rivalidade entre músicos dura há décadas. Agora, Waters promete regravar "The Dark Side of the Moon". Mulher de Gilmour chama-lhe antissemita.

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Roger Waters, és antissemita até aos ossos. És um apologista de Putin e um mentiroso, aldrabão, hipócrita, burlão, mau cantor, misógino, doente com inveja e megalómano”. Se dúvidas houvessem quanto ao estado da relação entre Roger Waters e David Gilmour, foram desfeitas pela mulher deste último, a escritora Polly Samson, com uma violenta publicação no Twitter no início da semana, que não poupou nas críticas ao antigo músico dos Pink Floyd.

As críticas refletiam as recentes declarações de Waters — quase tão conhecido pelo seu ativismo político, como pela sua música — sobre uma variedade de assuntos, desde a guerra na Ucrânia que diz ser obra dos Estados Unidos e da NATO, até ao “fascista” Estado de Israel. O próprio Gilmour rematou a questão com uma simples resposta aos comentários da mulher: “Cada palavra comprovadamente verdadeira”.

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Mas afinal, o que motivou este mais recente ataque? A resposta é complexa, e está profundamente enraizada na rivalidade entre os músicos — uma disputa com quase quatro décadas, que decorre da saída de Roger Waters da banda britânica (e de todas as lutas legais que se lhe seguiram).

Roger Waters: governo de Vladimir Putin "governa cuidadosamente, com base em consensos no seio da Federação Russa"

O apoio de Roger Waters à Rússia e uma nova versão de “The Dark Side of the Moon”

Comecemos esta história, de forma pouco característica, pelo final. Numa entrevista recente ao jornal alemão Berliner Zeitung, Roger Waters reiterou posições que, por esta altura, já lhe são conhecidas: das críticas aos Estados Unidos, que descreveu como “o principal agressor” na guerra da Ucrânia, passando por considerações sobre uma sociedade vítima de “lavagem cerebral” por parte de “propaganda do Ocidente”, até à tal apologia da Rússia que, no entender do músico e ativista político, “não vive debaixo de uma ditadura repressiva” — antes, o governo de Vladimir Putin “governa cuidadosamente, com base em consensos no seio da Federação Russa”.

Músico Roger Waters criticado na ONU após denunciar “provocadores” da invasão na Ucrânia

A entrevista (que motivou o tweet irritado da mulher de David Gilmour) foi, obviamente, bem recebida pelo Kremlin, que convidou depois Roger Waters a discursar num encontro do Conselho de Segurança da ONU na quarta-feira, onde descreveu a invasão da Ucrânia pela Rússia como “ilegal”, mas após “provocação”.

Há uma explicação para que a posição do músico de 79 anos seja particularmente sensível junto do clã Gilmour: a família do guitarrista é, em parte, ucraniana. “Os meus netos são meio-ucranianos, a minha nora Janina é ucraniana — a avó dela estava em Kharkiv até há três semanas”, referiu o músico aquando do início da invasão. Os laços familiares ao país motivaram, de resto, o lançamento de uma música de apoio à Ucrânia, gravada sob o nome dos Pink Floyd por David Gilmour e pelo baterista da banda, Nick Mason, em colaboração com o cantor ucraniano Andriy Khlyvnyuk.

Pelo meio, houve um anúncio inesperado por parte de Roger Waters: no ano em que “The Dark Side of the Moon” comemora meio século de vida, o músico britânico anunciou estar a trabalhar numa nova versão do álbum. Mais do que regravar o trabalho mais conhecido dos Pink Floyd, o projeto pretende alterar fundamentalmente várias das músicas, com menor foco nos solos de guitarra (de Gilmour) e a adição de poemas declamados por cima dos instrumentais em temas como “On the Run”, “The Great Gig in the Sky” ou “Brain Damage”. O objetivo, explicou, passa por “refletir sobre o sentido da obra, e trazer ao de cima o coração e a alma do álbum, musical e espiritualmente” que, no seu entender, não foi compreendido ao longo destes 50 anos.

Roger Waters: "Eu escrevi o 'Dark Side of the Moon'! Vamos acabar com esta esta porcaria do 'nós'. Claro que éramos uma banda, éramos quatro, todos contribuímos -- mas o projeto é meu e fui eu que o escrevi"."

O projeto, com lançamento previsto para maio, começa logo com um problema: o facto do seu estatuto legal permanecer dúbio. Dito de outro modo, não é claro se Roger Waters tem ou não permissão para regravar “The Dark Side of the Moon”. Na década de 80, aquando da separação da banda e das lutas travadas na justiça entre Waters e os ex-colegas sobre para determinar os direitos comerciais, ficou estipulado que Gilmour, Mason e o teclista Richard Wright eram livres de continuar a usar o nome Pink Floyd e a explorar comercialmente o catálogo do grupo — incluindo “The Dark Side of the Moon”.

Ao The Telegraph, Waters (que escreveu todas as músicas do álbum e tem permissão para cantar os temas em espetáculos em nome próprio) disse não fazer ideia sobre se o novo trabalho levantava questões legais. De qualquer forma, não se mostrou preocupado:

Eu escrevi o “The Dark Side of the Moon”! Vamos acabar com esta esta porcaria do ‘nós’. Claro que éramos uma banda, éramos quatro, todos contribuímos — mas o projeto é meu e fui eu que o escrevi”.

No seu estilo muito próprio, o músico quer assim acabar com todas as dúvidas sobre a verdadeira autoria do álbum. Sobre o papel de David Gilmour, descreve-o da seguinte forma: “Tocas a guitarra e cantas e fazes tal e qual como eu te mandar”.

Quatro décadas de rivalidade: o nome, a página de Facebook… e um porco

O extremar de posições, sem dúvida uma desilusão para fãs que ainda pudessem sonhar com uma reconciliação, está ainda assim longe de ser uma surpresa, ou sequer uma novidade. Se, por um lado, a rivalidade tem origem na separação da banda, a verdade é que as suas raízes são mais profundas, e remontam ao período áureo da banda.

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Syd Barrett (em baixo e à frente) foi o fundador e líder dos Pink Floyd durante os primeiros anos da banda.

Corbis via Getty Images

Como praticamente tudo na história dos Pink Floyd, também este capítulo começa com a saída de Syd Barrett. O primeiro vocalista da banda foi uma influência marcante nos restantes membros — anos mais tarde o álbum “Wish You Were Here”, e particularmente o tema “Shine On You Crazy Diamond”, foram declaradamente inspirados em Barrett –, que a abandonou prematuramente em 1968 devido a problemas psicológicos aliados à toxicodependência.

Na versão de Roger Waters, foi ele próprio quem assumiu a liderança a partir daí. Com efeito, o seu controlo sobre o grupo tornou-se cada vez mais firme e, com o passar dos anos, foi progressivamente limitando a liberdade criativa de Mason, Wright e Gilmour. O culminar das tensões deu-se em 1982, durante a gravação do álbum “The Final Cut”, descrito pela revista Rolling Stone como essencialmente “um álbum a solo de Roger Waters”.

A sua criação foi, no mínimo, tumultuosa. E Nick Mason abandonou a banda por pressão de Waters. O vocalista do grupo queria, à semelhança do que já havia feito com “The Wall” (que, entre outras coisas, aborda temas como o trauma da II Guerra Mundial, o fascismo e a corrupção da indústria musical), expressar as suas ideologias através da música, com críticas ao governo de Margaret Thatcher e à invasão britânica das Ilhas Falkland enquanto Gilmour defendia que a banda se afastasse da política, acusando Waters de encher o álbum com temas que tinham sido cortados de “The Wall” por não terem qualidade.

O lançamento de “The Final Cut” acabaria assim por ditar o fim dos Pink Floyd. Waters abandonou o grupo e processou Gilmour e Wright para os impedir de continuarem a atuar sob o nome dos “Pink Floyd”. Em 1987, as duas partes chegaram a acordo: Waters, a solo, pôde continuar a promover espetáculos que incluíam as músicas da banda, enquanto Gilmour e companhia ficaram com controlo do nome e dos direitos comerciais do grupo.

O abraço dos Pink Floyd, reunidos para um concerto durante o Live 8, chegou a motivar rumores de uma reconciliação.

STEVE REIGATE/EPA

Durante as décadas seguintes, os dois músicos trilharam caminhos distintos, até que, em 2005, se vislumbrou uma aparente pausa na guerrilha: Rogers Waters e os Pink Floyd reuniram-se para uma atuação integrada no concerto solidário Live 8, em Londres. A performance durou cerca de 23 minutos e, no final, os quatro músicos abraçaram-se em palco numa imagem que correu mundo.

Rumores de uma eventual reconciliação e digressão mundial cresceram, mas David Gilmour colocou água na fervura: “Os ensaios convenceram-me de que não é algo do qual queira fazer parte (…) posso dizer com alguma certeza que não haverá uma nova tournée ou álbum”.

Anos mais tarde, os ânimos voltaram a exaltar-se. O motivo desta vez? A página de Facebook dos Pink Floyd. Em 2017, Rogers Waters pediu a Gilmour permissão para promover o seu novo álbum a solo “Is This The Life We Really Want?” e a digressão “Us+Them” na página da banda na rede social. Gilmour recusou e, em aparente provocação, usou a página para fazer promoção aos livros da mulher.

Roger Waters sobre "Animals": "Saquearam as minhas criações, e não pude fazer nada quanto a isso. A minha única patética vitória é que tiveram de pôr testículos ao porco"

Desde então, as quezílias têm-se multiplicado, por motivos que vão do mais sério ao mais trivial. Em 2021, por exemplo, uma disputa sobre um encarte, escrito por Waters para uma edição comemorativa do álbum “Animals” e vetado por Gilmour, atrasou o lançamento da nova edição durante mais de um ano. O primeiro acusou o segundo de “contar mentiras durante 35 anos sobre quem fez o quê nos Pink Floyd quando eu estava na liderança”; em sentido oposto, Gilmour retorquiu que “alguém não quer que o álbum seja lançado”.

Não era a primeira vez que “Animals” levantava polémica entre os ex-Pink Floyd. Baseado na obra “A Quinta dos Animais” de George Orwell, a icónica capa do disco — um porco insuflável a sobrevoar uma central de energia — foi recriada na vida real aquando do lançamento original, em 1977. Dez anos depois, o visual foi novamente usado ao vivo durante um concerto dos restantes Pink Floyd nos Estados Unidos — desta feita, com uma alteração insólita: o animal surgiu no céu com presas de javali e com orgãos genitais masculinos, que foram usados para “urinar” sobre o público. A explicação? Aquando da conceção do insuflável original, Roger Waters tinha insistido, por escrito, numa porca insuflável. “Saquearam as minhas criações, e não pude fazer nada quanto a isso”, disse o ex-Pink Floyd numa entrevista em 1992. “A minha única patética vitória é que tiveram de pôr testículos ao porco”.

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