“Quando me afastam das decisões, é quando me torno mais perigoso”. Ronnie O’Sullivan é normalmente descrito como o melhor jogador de snooker da sua geração e talvez o melhor de todos os tempos, empatado no trono com Sir Steve Davis. Aos 43 anos, o britânico começa este sábado o Campeonato do Mundo de snooker, no histórico Crucible Theatre em Sheffield, e tem como objetivo chegar à sexta vitória na principal competição da modalidade, empatando o registo de Davis. Como principal trunfo, O’Sullivan leva na bagagem algo que já desconhecia há nove anos. Está atualmente no topo do ranking mundial de snooker e voltou à ribalta da modalidade a que dedicou 25 anos de vida. Ainda assim, continuam a deixá-lo foram das decisões. E ele já garantiu que isso só o torna mais perigoso.
Com um estilo agressivo e rápido que lhe garantiu a alcunha de “The Rocket”, ou “O Foguetão”, Ronnie O’Sullivan agarrou desde logo uma mancha gigantesca de fãs e pessoas que o admiram. Sem papas na língua, sempre pronto para dizer o que pensa – do snooker, dos adversários, do circo que envolve a modalidade –, tornou-se rapidamente uma personalidade para lá dos jogos e dos torneios. “Tenho sorte com o meu talento e com aquilo que faço na mesa. Mas há pessoas que acham que não posso errar. Acham que sou a melhor coisa que apareceu desde o pão fatiado. É um bocado estranho, mas sim, acabo por trazer felicidade às pessoas”, disse numa entrevista há dois anos.
Filho de um casal que era dono de várias sex shops no Soho, um bairro de Londres, O’Sullivan cresceu na zona de Essex, onde há uns anos construiu uma mansão. O pai, Ronald, foi preso por homicídio em 1992, o mesmo ano em que o jogador de snooker começou a carreira profissional, e cumpriu uma pena de prisão de 18 anos. Seguindo à risca a fama de showman que foi adquirindo logo nos primeiros anos no circuito, Ronnie O’Sullivan começou também a tornar-se uma autêntica rockstar: tanto dentro dos panos verdes como fora. Se nos torneios implementava um estilo rápido e fora do comum, sempre com respostas para as investidas do adversário, na vida pessoal o britânico vivia “uma espécie de período rock’n’roll“, como explicou há uns anos.
O excessivo consumo de bebidas alcoólicas, a toxicodependência e um divórcio complicado e demorado que terminou com uma prolongada luta em tribunal pela custódia dos dois filhos mais novos aliaram-se a uma débil saúde mental que se tornou preocupante com o passar dos anos. O’Sullivan vivia do snooker e para o snooker, totalmente absorvido pela modalidade, pelos jogos, pelos torneios, pelos prémios monetários e pela vida de estrela de Hollywood que levava. A incapacidade de perceber que algo de errado se passava deixava-o acreditar que tudo fazia parte do snooker, um dos desportos mais fechados dentro de si, com um círculo pequeno, hiper exigente e onde só os melhores conseguem ter uma vida confortável.
Os anos de sex, drugs & snooker foram interrompidos em 2004, quando a depressão o obrigou a procurar ajuda. Procurou um psicólogo especialista em atletas, fez tratamentos de reabilitação, deixou de beber e direcionou o vício para a comida e ainda encontrou o budismo. Nesse ano, Ronnie O’Sullivan acabou por conquistar o segundo Mundial dos cinco que ostenta no palmarés e realizou uma espécie de reset na vida e na carreira, mantendo-se ao mais alto nível nos dez anos que se seguiram (voltou a conquistar o Mundial em 2008, 2012 e 2013). Em 2012, depois de conhecer Laila Rouass, a atriz com quem ainda mantém um relacionamento, declarou pela primeira vez que estava pronto para se retirar e construiu uma quinta para se dedicar aos animais. Voltou atrás, venceu mais um Mundial e hoje, sete anos depois, continua a jogar mas garante que está “semi-reformado”.
Já avô – a filha mais velha, Taylor-Ann, foi mãe em outubro do ano passado –, Ronnie O’Sullivan joga agora quando quer, os torneios que quer e da forma que quer. Esta temporada, tornou-se o primeiro jogador de sempre a atingir os dez milhões de libras em prize money e coloca agora os olhos no Mundial que começa este sábado e que pode conquistar pela sexta vez. “Ser outra vez número um apareceu completamente do nada. Se eu estivesse focado em voltar a ser número 1, estava obviamente a jogar em mais eventos para ter uma hipótese real. Joguei dez eventos esta temporada, o que é mais do que suficiente para mim. Os outros jogaram uns 20. É só fazer as contas. Se isso estivesse na minha cabeça, mentalmente, não teria dado essa vantagem aos meus oponentes. Mas não estava e se calhar foi por isso que aconteceu. Funciona para mim, jogo quando me apetece”, referiu em entrevista ao Eurosport, que serviu enquanto antevisão do Mundial.
Comparado por Neil Robertson, outro dos candidatos ao título, a Roger Federer, O’Sullivan garante que os elogios “significam muito mais” quando são feitos “por pares” e explica ainda, sem qualquer pudor e com a ajuda de Messi, porque é que se considera o melhor jogador de snooker de todos os tempos. “As coisas andam sempre entre mim e o Steve Davis. Ele ganhou seis Mundiais, eu só ganhei cinco mas acho que tenho melhores registos. É como aquela velha questão: ‘Como é que o Messi é o melhor jogador de futebol que alguma vez viveu se nunca ganhou um Campeonato do Mundo?’. Para mim, ele é o melhor jogador de futebol que eu já vi jogar. Incluindo o Maradona, incluindo o Zidane, incluindo o Ronaldo. Não ganhou um Mundial? Pois…acho que nunca vamos conseguir satisfazer toda a gente”, atira o jogador de 43 anos, que garante que prefere que o filho mais novo, que tem 12 anos, seja pescador a seguir uma carreira no snooker.
Ronnie O’Sullivan, que noutros tempos chegou a deixar uma partida de snooker a meio porque estava a perder, quase como um adolescente que desliga a PlayStation durante o jogo porque não vai conseguir ganhar, está agora mais velho, mais consciente e mais confiante. A partir deste sábado, em Sheffield, vai procurar a sexta vitória num Mundial para se colocar de vez ao lado de Steve Davis. Algo que, para ele, é absolutamente indiferente no que toca a escolher o melhor de sempre. “Se sou o melhor de todos os tempos? É um bocado difícil dizer que não. Os meus registos falam por si. Nos 25 anos em que sou profissional, tive sempre uma resposta para todos os adversários. Parece que todas as temporadas aparece alguém que está a jogar muito bem, em muito boa forma – mas eu sempre estive nesse patamar”.