Rui Rio só deverá anunciar a decisão sobre o seu futuro no PSD depois do Conselho Nacional do partido, agendado para 14 de outubro. O objetivo será esperar que se cumpram todos os formalismos — análise e discussão dos resultados; e marcação de eleições algures para a primeira quinzena de dezembro — e só aí dizer se será ou não recandidato à liderança do PSD. Até lá, a ordem é esperar e manter os contactos com as estruturas locais para medir o pulso ao aparelho partidário.
O líder social-democrata ainda não confidenciou a ninguém do seu núcleo duro se vai ou não novamente a votos. Os seus homens de confiança, no entanto, dão como praticamente garantida essa recandidatura. “Seria uma surpresa se isso não acontecesse”, comenta com o Observador um dos membros da direção. “Todos os objetivos foram cumpridos e superados. Se ele ficou e foi a votos em condições mais adversas, não vejo que não o queira fazer agora”, dizia na semana passada ao Observador outra fonte da direção do PSD.
Daí para cá, nada mudou: nem a convicção do círculo mais fechado de apoiantes de Rio, nem o silêncio a que se votou o presidente do partido. Já houve duas reuniões da Comissão Política Permanente, órgão mais restrito da direção, um encontro da Comissão Política Nacional, direção mais alargada, e uma reunião com os líderes das várias distritais do partido. Em nenhum momento, Rui Rio levantou o véu sobre a sua decisão.
Ainda assim, os sinais estão aí e são demasiado evidentes para ignorar que Rio está a ponderar, pelo menos, essa recandidatura. O líder social-democrata está a fazer contactos com várias figuras-chave no aparelho social-democrata — com maior intensidade do que tinha feito em 2018 e 2020 –, coadjuvado pelos seus homens de sempre, Salvador Malheiro e José Silvano, vice e secretário-geral do partido, respetivamente. A contagem de espingardas segue a todo vapor.
A luta nas trincheiras
Os sinais até agora recolhidos são encorajadores, ainda que ninguém, nem mesmo os indefectíveis de Rio, dê como garantida essa reeleição. Os homens do líder social-democrata entendem ter do seu lado sete distritais do partido, como Faro, Beja, Évora, Bragança, Vila Real, Guarda e Aveiro de Salvador Malheiro — ainda que, tal como explicava aqui o Observador, o kingmaker de Rio tenha perdido parte da influência que detinha até aqui. Os Açores de José Manuel Bolieiro também estarão ao lado de Rui Rio — e podem ganhar um peso considerável nas contas finais.
Mas depois existem os casos sensíveis como Porto, Braga e Lisboa. No primeiro caso, os operacionais do presidente social-democrata dão como perdida a distrital liderada por Alberto Machado, antes fiel a Rio, há muito desavindo com a atual direção.
Em Braga, a expectativa de ter José Manuel Fernandes mais neutro parece ter-se esfumado: na entrevista que deu ao Polígrafo, o homem forte da distrital bracarense desdobrou-se em elogios a Rangel e quase anunciou o seu sentido de voto. Em contrapartida, não pode ser desconsiderada a influência de Carlos Eduardo Reis, reforçado depois de ter sido instrumental na conquista de Barcelos.
Em Lisboa, onde Rio nunca conseguiu entrar verdadeiramente, a aliança Miguel Pinto Luz – Rangel parece ter tornado as contas do líder ainda mais difíceis. Com um senão: a vitória de Carlos Moedas e o regresso do PSD ao poder na maior autarquia do país agitou os equilíbrios de poder no eixo Lisboa-Cascais e podem provocar novas alianças — nem todos quererão ficar à sombra de Miguel Pinto Luz e pode existir a ambição de tentar quebrar essa hegemonia. Para já, ninguém quer dar passos em falso.
Ou vai ou racha
Seja qual for a decisão de Rio, a contagem de espingardas não terá um peso predominante no desfecho final. O presidente do PSD está neste momento a ponderar se, depois destas eleições diretas, o partido estará ou não em condições de, pelo menos, tentar uma vitória em 2023. Se Rio entender que o PSD vai continuar a ser um “saco de gatos”, não dará mais para esse peditório; se entender que existem perspetivas de alguma unidade para enfrentar o PS nessas legislativas, a decisão pode ser outra.
O facto de Paulo Rangel ser, presumivelmente, o candidato do outro lado da barricada antecipa uma luta menos fratricida do que aquela que foi travada com Luís Montenegro. Nesse caso, e mesmo sem garantias absolutas de vitória, Rio pode ir a votos sabendo que, no final, o partido terá de escolher: ou a estabilidade ou a perpetuação de uma máquina que se habituou a triturar líderes.
Por outras palavras: mesmo sabendo que a derrota pode ser uma possibilidade e que a disputa com Rangel será taco a taco, Rio vai a votos se acreditar que ainda pode ser útil ao país. Mesmo perdendo, o líder social-democrata sairá consciente de que, na sua perspetiva, fez tudo para devolver alguma normalidade à vida interna do partido. Se não o quiserem, pois bem, devolvam o partido aos que nunca se conformaram com a ausência de poder.
Os homens de Montenegro, o voto livre e o calendário
Para lá da pura contagem de espingardas, a direção de Rio vai-se agarrando a outros indicadores — mesmo um exemplar controlo das estruturas não garante absoluto da vitória nas diretas. O quartel-general de Rio acredita que o voto livre — aquele que não depende da cacicagem e do pagamento em massa de quotas — está predominantemente com o líder social-democrata, tenderá a castigar Rangel e pode ter um peso expressivo no desfecho das eleições.
Além disso, a confirmar-se o calendário definido — eleições preferencialmente a 4 de dezembro –, Rui Rio terá uma vantagem teórica sobre Rangel: a antecipação do calendário eleitoral permite manter vivos os bons sinais da noite eleitoral e retira margem de mobilização às tropas do challenger.
Mais: se as novas regras de pagamento de quotas forem aprovadas — mais apertadas e mais blindadas às tentativas de manipulação — a margem para pagamento de quotas em massa será mais reduzida — o que, em teoria, poderá favorecer quem está no poder.
Tudo isto vai passando pela cabeça dos operacionais de Rio, que não ignoram, mesmo assim, as hipóteses de Paulo Rangel. De resto, a retirada de Luís Montenegro da corrida complicou assumidamente as contas da direção de Rui Rio.
Se o antigo líder parlamentar fosse a votos, existia a ideia de que poderia roubar margem de crescimento no aparelho a Paulo Rangel. Sem Montenegro na corrida, existe uma tendência natural das tropas montenegristas para reagrupar em torno de Rangel.
Tal como escrevia aqui e aqui o Observador, as pressões para que Montenegro abdicasse de uma candidatura à liderança do PSD foram enormes. Marcelo Rebelo de Sousa (através do Expresso), Luís Marques Mendes, Miguel Relvas, Carlos Carreiras… todos aconselharam, direta ou indiretamente, Montenegro a ficar quieto e a esperar a sua vez.
Com a desistência do antigo parlamentar, resta saber a amplitude da transferência de votos de Montenegro para Rangel. Entre os principais apoiantes do antigo líder parlamentar, nem todos dão como garantido um apoio inequívoco a Rangel.
“Sinto-me a meio da ponte. Não sei o que quero, mas sei o que não quero”, diz ao Observador um dos antigos generais de Montenegro, sem se comprometer com um apoio a Rangel. “Não decidi quem vou apoiar, nem sequer se vou apoiar alguém”, completa outro dos mais próximos de Montenegro.
Ora, a teórica neutralidade de alguns dos homens de Montenegro nesta contenda pode tornar todas as contas mais imprevisíveis. Os próximos dias dirão o que fazem algumas das distritais que estiveram com Montenegro e que agora estão órfãs de candidato.
De resto, há dois fatores que contribuem para esta indefinição. Além da profunda inimizade que muitos montenegristas nutrem por Paulo Rangel, existe quem vá lembrando que há vida para lá destas eleições diretas e que este não é o tempo para comprometer já o futuro de Montenegro.
Baralhando e dando de novo: na perspetiva de uma figura como Montenegro, seria mais vantajoso deixar Rui Rio terminar o seu ciclo político do que permitir que Paulo Rangel inicie o seu próprio, atirando para as calendas as hipóteses de Montenegro (ou de alguém desse grupo) chegar à liderança. É esta ponderação que muitos dos apoiantes de Montenegro estão fazer neste momento.
Os próximos passos de Rangel
A equipa de Paulo Rangel vai fazendo o trabalho de formiga, desdobrando-se em contactos por todo o país e mantendo as conversas de simpatia, sabendo que, com três das quatros maiores distritais maioritariamente do seu lado — Lisboa, Braga e Porto — existem boas perspetivas de derrotar Rui Rio.
A aritmética também ajuda a alimentar essas mesmas perspetivas: se Montenegro teve 47% dos votos nas últimas diretas, se grande parte desse aparelho jamais apoiará Rui Rio, se a distrital do Porto (que Montenegro não tinha e que Rio agora perdeu) está com Rangel… existem razões para acreditar que os ventos, neste momento, são favoráveis.
Ainda assim, e depois de um período de grande intensidade — entrevista no “Alta Definição”, agenda autárquica preenchida, ida a Odivelas ao lado de Miguel Pinto Luz na última semana de campanha –, agora o tempo é outro: não cometer erros, deixar Rio tomar a iniciativa, incluindo a parlamentar, e esperar que os militantes vão tomando consciência de que, com esta direção e que com este estilo de oposição, não será possível derrotar o PS em 2023.
O momento do anúncio da candidatura à liderança do PSD ainda está por revelar. Na véspera do Conselho Nacional, ainda assim, o lançamento do livro de Miguel Pinto Luz, a 12 de outubro, será um momento político e mediático importante: Rangel surgirá ao lado do vice-presidente da Câmara de Cascais num evento que contará com algumas das mais destacadas figuras da história recente do PSD. Dois dias depois, chegará o Conselho Nacional e o tempo de pôr as cartas na mesa.