Quem chegasse ao Clube Ferroviário no fim de tarde deste sábado e fechasse os olhos tiraria duas conclusões: com a festa que ali se vivia jamais se diria que a Seleção nacional tinha sido eliminada do Mundial poucas horas antes e o som que vinha do palco podia bem ser proveniente de um espetáculo de stand up, tais eram as piadas de Natacha Santos (que apresentou a equipa) e as gargalhadas arrancadas ao público. O ambiente era descontraído, os rostos transpareciam confiança, mas o que Rui Rocha tinha para apresentar era sério e vinha quase em formato de “eu tenho um sonho” — Martin Luther King não foi citado, mas nas entrelinhas do discurso lia-se um sonho para o país ou um país dos sonhos.
Ainda antes de estabelecer o país que quer para daqui a 10 anos — baseado numa visão liberal — o candidato à sucessão de João Cotrim Figueiredo deixou um recado para todos aqueles que acusam a sua equipa de querer uma continuidade para o partido — e nunca os referiu: Carla Castro tinha ignorado o adversário e Rui Rocha fez exatamente o mesmo: nem uma palavra para a adversária. Rui Rocha, que escolheu uma equipa em que a maioria dos membros transita das escolhas do presidente demissionário, quis deixar uma certeza: “Na IL valoriza-se o sucesso, não nos envergonhamos do sucesso.”
A ausência de vergonha reflete-se nessa mesma continuidade, no seguimento da corrente de Cotrim Figueiredo que contava com pessoas consideradas pilares para a IL — como Miguel Rangel, Ricardo Pais Oliveira ou Bruno Mourão Martins — e que Rui Rocha fez questão de manter na equipa. Por outro lado, no Clube Ferroviário, notou-se a falta de apoio de João Cotrim Figueiredo, que foi um dos primeiros a colocar-se ao lado de Rui Rocha nesta corrida à sucessão.
O candidato à liderança admitiu que nem tudo é perfeito na vida interna do partido e prometeu olhar para dentro da IL, identificar o que pode “funcionar melhor” e, depois de resolvidos os problemas, olhar para o país, porque “o combate está lá fora”. Em paralelo, fez questão de referir que é preciso preparar os membros politicamente — o que será feito, caso Rui Rocha vença, através do investimento num pelouro focado na formação — e no trabalho para fazer crescer a IL em termos de representantes: com o objetivo de eleger na Madeira, conquistar um grupo parlamentar nos Açores e eleger para o Parlamento Europeu.
As duas candidaturas tinham anunciado que os eventos desta semana serviriam para dar a conhecer as equipas, porém Rui Rocha revelou quatro ideias para começarem a ser trabalhadas caso vença as eleições internas, no primeiro semestre de 2023: uma mudança no calendário escolar (“pune os mais desfavorecidos”); defender a liberdade de escolha entre escolas públicas (“código-postal não pode ditar escolha”); a revogação do regime geral de edificação urbana; e “o início de uma caminhada com iniciativas legislativas para que despesa pública passe para 35%”.
Rui Rocha aposta em direção com muitos repetentes de Cotrim Figueiredo
Rui Rocha considera ter uma “extraordinária equipa” e as “ideias certas para transformar Portugal” e notou que é preciso pensar além do dia a dia — acusando até os outros partidos de estarem “preocupados com clientelas, com a gestão do aparelho e não com os portugueses”. O sonho é para médio prazo e o candidato a presidente da IL começou por intitulá-lo da seguinte forma: “O país que vejo daqui a dez anos.”
Portugal com que Rui Rocha sonha “não tem Roménia a ultrapassá-lo em termos de crescimento económico” e tem “o crescimento económico como base e princípio da ação política e por isso não vai ser ultrapassado”. Nesse país, “a emigração não é uma condenação, é uma opção” e Portugal é o “país do mérito, esforço, trabalho, exigência e onde mérito é exigido e recompensado”.
“Nesse país, os doentes não vão esperar um ano e meio ou dois anos por uma operação no SNS” e “não interessa se o serviço é prestado pelo público ou privado” e os “confinamentos por saúde não vão ser decretados” sem todas as entidades serem tidas em conta. E mais: “700 mil votos não são deitados ao lixo porque o sistema eleitoral não reconhece a sua existência” e “ter um cartão de militante de um partido será uma opção política, mas não uma opção de carreira”.
Rui Rocha tem um sonho, um sonho para um Portugal, mas sabe que antes tem de conquistar um partido dividido entre quem quer a rutura e a continuidade. Precisa de ser o “guardião de sonhos e de visões” dos liberais que a música (Born to run, de Bruce Springsteen) que escolheu para a apresentação sugere, porém este sábado soube que não fará a caminhada como um “cavaleiro solitário” — não só pelo apoio que foi hoje visível, como pela adversária com quem disputa a corrida.