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HUGO DELGADO/LUSA

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Rui Vitória. Do "pé de chumbo" à força mental, quem é o treinador que sai do Benfica sem o penta

Toca bateria e dança cha-cha-cha; mostra vídeos motivacionais e não diz palavrões. 7 características que não têm nada a ver com futebol e 6 virtudes técnicas do treinador que sai agora do Benfica

Rui Vitória foi despedido do Benfica depois de vários recuos. Republicamos agora o perfil do ex-treinador do Benfica, publicado aquando da conquista do tetra, devidamente actualizado

Há sete virtudes que transformam Rui Vitória de sucesso no futebol que nunca (até agora) tinha sido despedido na carreira e seis características que nada têm a ver com o futebol mas que fazem parte do perfil treinador que não conseguiu dar o penta ao Benfica

AFP/Getty Images

Sete histórias fora do futebol

Da perda dos pais ao “pé de chumbo”

Um aluno exemplar que facilitou uma vez e chumbou

É curioso ver a história de tantas e tantas personalidades ligadas ao futebol que, quando chega à parte dos estudos, entra tantas vezes na inevitável estrada do “chegou a certa altura e já não deu mais”. Rui Vitória fugiu a esse beco sem saída (com muitas exceções, atenção): além de ser uma criança de trato fácil, sem grandes rebeldias, nunca falhou nenhum ano e tinha boas notas. Houve um ano em que facilitou um bocado, por causa do futebol, e chumbou, no 12.º ano. Repetiu, passou e licenciou-se em Educação Física na Faculdade de Motricidade Humana. Deu aulas na Escola Gago Coutinho, em Alverca do Ribatejo, onde é recordado pelas boas relações que criava.

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A perda dos pais e a carapaça que nasceu

Muito mudou na vida de Rui Vitória quando tinha 32 anos. Um sábado à tarde, quando estava num café com amigos, recebeu uma chamada que nunca mais vai esquecer: tinha acontecido algo muito grave e devia voltar para casa. Os pais, que estavam com os pais do melhor amigo, padrinho de uma das suas filhas, tinham morrido num acidente de viação. Foi um choque, que lhe mudou a trajetória no futebol (arrumou as botas e passou a treinador) e na vida. Como explicou em várias entrevistas, passou a ter uma perspetiva diferente de tudo e ainda maior ligação ao que lhe é querido e importante. Foi como se tivesse criado uma carapaça que o deixa imune a tudo o resto. Nunca se esquece dos pais, de como foi educado, do ambiente de amor com que cresceu. E é isso que quer passar aos filhos.

A bateria, o cha-cha-cha e o merengue

Desde novo que, como forma de libertar o stress diário, Rui Vitória começou a tocar bateria. E teve como primeiro professor o baterista dos Ferro & Fogo, o Seixas, como explicou em entrevista. Mais recentemente, e para incomodar menos quem está à sua volta sem perder essa paixão, comprou uma bateria elétrica. Também gosta de dançar. Como teve de dar aulas de dança quando era professor de Educação Física, dá-se bem com no cha-cha-cha e no merengue. Quando não toca nem dança, é capaz de marcar os seus ritmos numa mesa com os dedos.

Um campeonato, um filho e uma casa ao pé de Jesus

Rui Vitória teve um ano absolutamente louco de emoções em 2016: no Benfica, conseguiu o tão desejado título com uma ponta final de Campeonato fantástica que lhe permitiu bater o recorde de pontos numa edição da Primeira Liga (88); em termos familiares, assistiu em julho ao nascimento do seu quarto filho, terceiro com Susana Barata (que, além de ser professora, praticou ginástica artística durante muitos anos), Santiago, o primeiro rapaz do clã Vitória; antes, deixou a casa onde vivia na Póvoa de Santo Adrião e, também pela proximidade com o Caixa Futebol Campus, no Seixal, mudou-se para a Herdade da Aroeira. Uma casa que já tinha sido do guarda-redes Artur e que fica a menos de cinco quilómetros do local onde vivia o grande rival em campo, Jorge Jesus.

Era o “pé de chumbo”. Mas isso era bom ou mau?

Eis uma expressão que no futebol pode dar para os dois lados. “Eeeeeehhhhh, pé de chumbo”. Quem é que nunca ouviu isto, em jogos a sério ou brincadeiras de miúdos? Pode ser bom, sinal de pontapé forte que fura barreiras e leva o guarda-redes à frente; pode ser mau, ou uma expressão para dizer que quando mete bola os pés viram talas. Era assim que Rui Vitória era conhecido. Mais pelo bom, apesar de antigos companheiros preferirem de forma simpática falar mais da raça que colocava em campo do que propriamente das capacidades técnicas. O agora treinador jogou até aos 32 anos e passou por Fanhões, Vilafranquense, Seixal, Casa Pia e Alcochetense, nunca chegando ao principal escalão. Rui Costa, Zidane, Platini e João Alves, como disse ao Expresso, eram referências.

O católico não praticante que se recusa a ver penáltis

“Sou católico não praticante”, disse no ano passado ao Expresso. Rui Vitória arruma bem em quatro palavras a questão da religião. E não se importa de falar das superstições no futebol: “Entrar com o pé direito, usar a mesma roupa da semana passada em que ganhei”. Aquilo de que agora não abdica mesmo é de virar costas aos penáltis, um costume que ficou desde que orientou o Fátima.

O bom garfo, mais para a carne do que para o peixe

É engraçado como, em várias respostas, Rui Vitória se ri e atira a frase “tenho bom cabedal para isso”. Quando era jogador, até podia ter uns quilitos, poucos, a mais do que devia, mas compensava isso com a entrega ao jogo e alguma habilidade com bola nos pés. O treinador do Benfica é mais de carne do que de peixe, pisca o olho a uma boa cabidela e, em entrevista ao “Alta Definição”, da SIC, comentou que gosta de comer em bons restaurantes. “Mas não é aquelas coisas chiques, é mesmo onde possa estar a conversar com amigos a comer bem”. E tem uma regra, que vem desde miúdo: pode comer mais ou menos mas é como os peixes, o que está no prato é para comer tudo.

PAULO NOVAIS/LUSA

Seis virtudes no futebol

Da força mental aos elogios

O efeito surpresa de mexer com o jogo a decorrer

A frase não era sempre a mesma, mas a ideia percorria de forma transversal vários treinadores da Premier League: o Leicester tem uma forma de jogar que é fácil de perceber e analisar, mas é quase impossível de conseguir travar. E, quando deram por ela, os comandados de Ranieri eram campeões. A versão Benfica construída por Rui Vitória teve essa ideia. “As minhas equipas têm um sistema tático e um modelo de jogo”, descreve. “Mas precisam de ter a capacidade para, com o jogo a decorrer, conseguirem até mudar o seu posicionamento, por forma a criar o efeito surpresa”, acrescenta.

A força mental que prevalece sobre o físico e o tático

“Um bom jogador é o que mistura entre corpo, mente e coração”, defende Rui Vitória. O treinador assume que, para desempenhar esse papel da melhor forma, tem de ser mais do que isso. Verdade seja dita, pode haver algumas alterações a nível de metodologia, mas a vertente física decide hoje poucos jogos e apenas em contextos muito específicos, que metem jogos a meio da semana; de resto, os triunfos conquistam-se nas alterações táticas e, sobretudo, na força e superação mental dos jogadores.

A equipa como um baralho de cartas, dos ases aos duques

No livro A Arte da Guerra dos Treinadores, Rui Vitória utiliza no sentido figurativo um baralho de cartas para explicar como se consegue criar um verdadeiro grupo, com harmonia e estabilidade. Assim, existem os reis e valetes, que são os verdadeiros pilares da equipa, uma espécie de extensão do técnico em campo. Depois existem os 7 e 8, aquelas cartas que são tão importantes em qualquer jogo que meta o naipe todo. A seguir há os duques, os 3 e os 4, basicamente os miúdos que vão sendo aposta e que vão crescendo na equipa. Por fim, os ases, aqueles que resolvem um jogo desbloqueado, que é suposto arrancarem vitórias do nada.

A atenção aos detalhes e as (novas) tecnologias

Há uma história que diz muito sobre o relevo que Rui Vitória dá a pormenores que, a muitos, passariam completamente ao lado: na final da Taça de Portugal de 2013, quando era treinador do V. Guimarães, percebeu que os adeptos do Benfica ficariam na bancada mais próxima dos balneários do Jamor e fez questão de chegar depois dos encarnados ao estádio para evitar picos de ansiedade perante tal moldura. Também passou um vídeo motivacional com as famílias dos jogadores e apresentou seis cenários possíveis para atacar o jogo, onde apenas um colocava os minhotos em desvantagem. Para o técnico, tudo conta: as viagens, os estágios, os adeptos, a imprensa. E as novas tecnologias ajudam bastante, desde o simples Power Point aos vídeos e outras informações que envia para os jogadores através do telemóvel.

O maior elogio que veio de Espanha: as parecenças com del Bosque

É a melhor técnica para definir um jogador, um treinador ou um dirigente no futebol: mais do que as palavras, deve tentar-se encontrar uma referência do passado ou do presente para centrar a questão. Por cá, e durante dois anos, o que se fez mais foi quase utilizar uma técnica antagónica: mais do que ver semelhanças, reforçaram-se as diferenças. E com um interveniente em específico: Jorge Jesus. De Espanha, por altura dos quartos-de-final da Liga dos Campeões com o Bayern, em 2016, veio o maior elogio de todos: traçaram-se parecenças com Vicente del Bosque (campeão europeu e mundial de clubes e seleções). Em que aspeto? Na ligação com os jogadores, na forma como se manteve a mesma pessoa apesar da subida a pulso na carreira, no exemplo como pessoa e profissional. Não grita para liderar e há antigos presidentes que juram nunca lhe ter ouvido um palavrão. Gosta de estar a ver de cima a floresta, mas de quando em vez mete-se no meio das árvores. “Além do jogador, tenho de conhecer o homem. Às vezes precisam de um abraço, outras de uma marretada nas costas”, explicou em entrevista ao Expresso.

O que se passa dentro e fora de campo. Tudo conta

Rui Vitória é um estudioso. Um teórico, no bom sentido. E sabe que o futebol e um jogo não se disputam apenas dentro de campo. É por isso que diz que “a hora e meia de treino diária talvez seja o menos importante” para se chegar ao sucesso. A esse cuidado junta-se aquilo tantas vezes denominado de “estrutura”, muitas pessoas, cada uma com o seu pelouro, cada uma com a sua função. O técnico chegou ao seu clube do coração numa altura em que os encarnados têm uma verdadeira máquina a funcionar, mas ele próprio também tem as suas armas. E foi assim que deu a volta ao rival mais direto, Jorge Jesus, depois de um início complicado na Luz. A frase “só falo com quem quero, quando quero e o que quero”, que disse várias vezes em conferência de imprensa, tem um significado maior do que parece.

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