O presidente da câmara municipal de Lisboa, Carlos Moedas, nomeou para o seu gabinete Luís Feliciano, o encarregado de proteção de dados da autarquia, que tinha sido exonerado desse cargo por Fernando Medina na sequência do envio de dados de manifestantes anti-Putin para a embaixada da Rússia. Embora não seja encarregado de dados, Luís Feliciano, confirmou o Observador junto de fonte do gabinete do presidente da CML, está a “exercer funções na sua área de competências”.
Após a polémica do “Russiagate“, que foi noticiada pelo Observador e pelo Expresso, Fernando Medina pediu uma auditoria que concluiu que a autarquia enviou pelo menos 27 vezes informações à embaixada da Rússia sobre manifestações contra o regime de Vladimir Putin. Vários dos visados apresentaram queixa e disseram que se sentiam inseguros e com medo de represálias por parte da Rússia. A oposição pediu na altura a demissão do socialista, que ficou no cargo até perder as eleições autárquicas, que se realizaram meses depois.
Após uma primeira versão da auditoria, que pediu com carácter urgente, uma das primeiras medidas tomadas por Fernando Medina foi propor ao executivo municipal a “exoneração do encarregado de proteção de dados e coordenação da Unidade de Projeto para a Implementação do Regulamento para a Proteção de Dados”, que era Luís Feliciano.
Quando foi ao Parlamento, dias depois, Fernando Medina acabaria novamente por culpar a equipa de Feliciano: “A execução do Regimento Geral de Proteção de Dados [RGPD] na CML foi bem sucedida em múltiplas áreas, é um facto, mas houve uma brecha que foi toda a correspondência de um gabinete de apoio à presidência. As coisas não correram bem.”
Também no Parlamento e ainda antes de essa exoneração ser votada — o que aconteceria meses depois — a presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados sairia em defesa de Luís Feliciano numa audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias no Parlamento.
Filipa Calvão dizia que “o RGPD é bastante claro a determinar que [o encarregado] não pode ser destituído, nem prejudicado ou penalizado pelo exercício das suas funções”. A presidente da CNPD criticou ainda a autarquia por ter permitido que Luís Feliciano acumulasse as funções de encarregado e coordenador de projeto, não prevenindo a existência de um “conflito de interesses”.
PCP e PS travaram audição de Feliciano
A poucos meses das eleições a oposição nunca deixou cair o caso. O PSD apresentou mesmo um requerimento para que Luís Feliciano fosse ouvido no Parlamento, mas PCP e PS travaram a essa audição em sede parlamentar.
O PSD ficou na altura indignado, com o deputado Duarte Marques a reclamar: “É triste mas PS e PCP aliam -se para impedir o esclarecimento da verdade impedindo que se ouça o outro lado da história. É mais uma aliança para o encobrimento”. O PCP justificava na altura que aquele não era o local para fazer essa fiscalização: “Votámos contra porque a Assembleia da República não é a Assembleia Municipal de Lisboa”.
No dia seguinte a este chumbo, a oposição voltou a insistir com uma proposta no executivo para ouvir o encarregado de dados nos órgãos da autarquia. Mais uma vez PS e PCP uniram-se para chumbar a proposta. Nesse dia foi, no entanto, aprovada uma auditoria externa ao caso.
Moedas tinha prometido: “Vou readmiti-lo”
No dia seguinte, a 2 de julho, o executivo municipal acabaria por aprovar a exoneração de Luís Feliciano do cargo. Após ter mantido o silêncio, Luís Feliciano acabaria por enviar um comunicado ao semanário Expresso a 12 de julho a contestar o próprio afastamento: “Creio ser evidente que esta atuação, com uma equipa bastante reduzida e nas condições que foram criadas pela Edilidade, não justifica a destituição do DPO.
Luís Feliciano atribuía ainda o seu afastamento à proximidade das eleições:: “Só se compreenderá esta destituição em face do atual contexto político e pré-eleitoral, sendo minha convicção que, tanto as averiguações em curso pela CNPD como a auditoria externa anunciada pela CML, revelarão a adequação dos meus procedimentos e o cumprimento rigoroso das minhas funções.”
Três dias depois, em entrevista ao Observador, Carlos Moedas manifestava-se contra o afastamento. Questionado sobre se, em caso de eleição, iria readmitir o funcionário que foi exonerado, Carlos Moedas foi claro: “Não deveria ter sido despedido. Tenho muito gosto em mantê-lo nos quadros da Câmara.”
Carlos Moedas: “A isenção do IMT não é para os jovens comprarem casas como a do Ronaldo”
Na verdade, embora exonerado das funções de encarregado de dados, Luís Feliciano manteve-se na autarquia, mas Carlos Moedas fez mais do que isso: chamou-o para o seu gabinete, requisitando-o aos serviços camarários para a equipa da presidência da autarquia. Foi sempre entendimento da equipa de Moedas, como explicam fontes do PSD ao Observador, que Feliciano era um “bode expiatório” e que acabou por ser o “cordeiro sacrificado”. Já o PS, como sempre defendeu, entende que Luís Feliciano falhou mesmo nas suas funções e que é corresponsável pelos dados dos manifestantes terem chegado à embaixada da Rússia.