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Explicador. Salgado pode não ser preso mesmo com o Supremo a confirmar pena de prisão de 8 anos?

Explicador. Supremo rejeitou o recurso da defesa do ex-líder do BES e manteve a condenação de 8 anos de prisão. Mas abriu a porta à possibilidade de a pena ser suspensa devido à doença de Alzheimer

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Quatro juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça consideram que Ricardo Salgado foi bem condenado no caso da alegada apropriação de 10 milhões de euros do Grupo Espírito Santo.

Devido ao “elevadíssimo nível do grau de culpa e de dolo” que contraria a “postura moral, ética e jurídica muito acima da maioria das pessoas” exigida ao ex-líder do BES, os juízes conselheiros da 5.ª secção do STJ consideraram por unanimidade que o aumento de pena de prisão efetiva de seis para oito anos decidida pela Relação de Lisboa foi “claramente correta e proporcional”.

“Sem dúvida que Ricardo Salgado terá cadastro”

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E acrescentam mesmo que, “até demonstração em contrário”, a doença de Alzheimer pode ser tratada em ambiente prisional consoante o seu grau e estado de evolução”.

Contudo, o STJ admite a “suspensão da execução” da pena de prisão efetiva, mediante uma prova médica “do estado e gravidade da evolução da doença” que influencie “a capacidade de compreensão” por Ricardo Salgado “do sentido e finalidade da pena”. E que tal avaliação deve ser feita pelo tribunal de julgamento, e não pelo Tribunal de Execução Penas. O Observador explica o caso em 8 perguntas e respostas

O que estava em causa no recurso apresentado pela defesa de Ricardo Salgado?

O Tribunal da Relação de Lisboa deferiu parcialmente em maio de 2023 um recurso do Ministério Público e aumentou a pena de prisão efetiva aplicada pela primeira instância de 6 para 8 anos pela prática de três crimes de abuso de confiança. Está em causa uma certidão da Operação Marquês decidida pelo juiz Ivo Rosa devido à alegada apropriação de cerca de 10 milhões de euros de fundos do Grupo Espírito Santo.

A defesa de Salgado interpôs um recurso que só foi parcialmente aceite por ordem do STJ, e após reclamação dos advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilace, e que agora foi decidido.

No recurso, a defesa alegava que a Relação de Lisboa tinha tido “um gritante e chocante menosprezo" pelo facto de ter sido provado nos autos de que Salgado padece de doença de Alzheimer. Daí que os advogados defendessem que o “cuidado da saúde do arguido deve prevalecer sobre a execução da pena de prisão”, argumentando assim pela suspensão da pena.

No recurso, a defesa alegava que a Relação de Lisboa tinha tido “um gritante e chocante menosprezo” pelo facto de ter sido provado nos autos que Salgado padece de doença de Alzheimer. Daí que os advogados defendessem que o “cuidado da saúde do arguido deve prevalecer sobre a execução da pena de prisão”, argumentando assim pela suspensão da pena.

Afirmava ainda que “colocar o arguido com a doença de Alzheimer numa prisão equivale a determinar a sua pena de morte”. E terminava: “Isto apenas se verificou no presente processo, porque o nome do arguido é Ricardo Salgado”.

A doença de Alzheimer de Ricardo Salgado foi atestada por perícia médica independente?

Estas perícias são realizadas por técnicos do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), daí que as mesmas sejam classificadas como independentes porque nada têm a ver com os arguidos. No caso dos autos do caso EDP, não foi realizada nenhuma perícia médica com essas características.

Contudo, e por duas vezes, a defesa de Ricardo Salgado requereu a realização das mesmas: durante o julgamento do caso de abuso de confiança e durante o recurso na Relação de Lisboa. Por duas vezes, tal perícia foi recusada com o argumento de que as mesmas só se justificavam no momento do trânsito em julgado de uma pena de prisão efetiva, quando a Justiça tem que avaliar em que local o arguido cumprirá a pena.

O que existe nos autos são relatórios médicos de neurologistas prestigiados e do médico pessoal de Ricardo Salgado a atestar que o mesmo sofre de doença de Alzheimer.

Refira-se que, apesar de mais quatro requerimentos de perícias terem sido rejeitados em processos nos quais Salgado é arguido, foram efetivamente realizadas duas perícias médicas independentes pelo INMLCF nos autos do caso EDP (cujo relatório é datado de 21 de dezembro de 2023) e nos autos de um processo cível que corre termos no Tribunal de Cascais (cujo relatório foi assinado a 27 de novembro de 2023) — e as mesmas atestaram que o ex-líder do caso BES padece efetivamente da doença de Alzheimer, sendo que uma delas atestou que a doença está em “fase de demência moderada”.

Numa dessas perícias, um dos especialistas que examinou Ricardo Salgado colocou a hipótese de o arguido estar alegadamente a exagerar os sintomas da doença.

Os relatórios das duas perícias foram juntos pela defesa de Salgado aos autos do caso de abuso de confiança, foram analisados pelo STJ mas não foram admitidos pelos conselheiros da 5.ª secção do Supremo.

Por que razão os conselheiros rejeitaram a admissão dos relatórios das perícias?

A razão essencial tem a ver com facto de as perícias não responderem “à questão essencial” de saber se a anomalia psíquica de que Salgado padece “já estará em nível de agravação tal que o coloque na impossibilidade de compreender o sentido de uma pena de prisão”.

Ou seja, e tal como manda a lei, só quando um arguido não consegue apreender que foi condenado, nem sequer tendo consciência da culpa e da sanção aplicada, é que pode beneficiar da suspensão da pena definida pelo art. 106.º do Código Penal

A razão essencial do Supremo para rejeitar a junção das perícias tem a ver com facto de os respetivos relatórios não responderem "à questão essencial" de saber se a anomalia psíquica de que Salgado padece "já estará em nível de agravação tal que o coloque na impossibilidade de compreender o sentido de uma pena de prisão".

Ora, as perícias realizadas tiveram como objetivo confirmar o diagnóstico da doença de Alzheimer e avaliar se Ricardo Salgado podia testemunhar em julgamento. Não avaliaram, portanto, a “capacidade do arguido em entender ou compreender o sentido da pena aplicada” nem o “ponto exacto da alegada degeneração clínica”, lê-se no acórdão.

Daí que o STJ tenha considerado “inoportuna” e “irrelevante” a junção das perícias porque se trata de uma “aferição de matéria de facto que não é da competência deste Supremo Tribunal” e só se colocará “na fase posterior ao trânsito de decisão de aplique uma pena de prisão”, lê-se no acórdão subscrito pelos conselheiros Agostinho Torres (relator), Vasques Osório e Jorge Gonçalves (adjuntos) e Helena Moniz (presidente da 5.ª secção do STJ)

Isto é, o Supremo diz exatamente a mesma coisa que todas as instâncias judicias disseram até ao momento quando foram chamadas a pronunciar-se sobre os diversos pedidos de suspensa da pena de prisão efetiva: a mesma não é possível antes do trânsito em julgado da eventual pena de prisão decretada.

Qual foi a decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre o recurso admitido?

A primeira decisão foi rejeitar o recurso da defesa sobre a medida da pena decretada pela Relação de Lisboa: pena única de 8 anos de prisão efetiva por três crimes de abuso de confiança.

Os quatro juízes que subscrevem o acórdão do STJ consideraram por unanimidade que o aumento de penas parcelares que em cúmulo jurídico totalizavam seis anos para uma pena única de oito anos de prisão efetiva foi “claramente a correta e proporcional”.

Os quatro juízes que subscrevem o acórdão do STJ consideraram por unanimidade que o aumento de penas parcelares que em cúmulo jurídico totalizavam seis anos para uma pena única de oito anos de prisão efetiva foi "claramente a correta e proporcional".

Mais: os conselheiros concordaram com a valorização da matéria de facto feita pelos desembargadores da Relação de Lisboa e chegam a concordar com uma “impressiva” declaração de voto de vencida da desembargadora Cristina Almeida e Sousa que defendia uma pena de 12 de anos de prisão efetiva para Ricardo Salgado pelo “nível de culpa (…) elevadíssimo”, a “intensidade dolosa” e o “grau de ilicitude das condutas” do ex-líder do BES ao apropriar-se de 10 milhões de euros do Grupo Espírito Santo ser “inequívoco e muitíssimo acentuado”.  Daí que Almeida e Sousa afirmasse que “só a total falta de probidade” do arguido “pode explicar estes comportamentos”.

Os conselheiros do STJ concordam que “não podemos fechar os olhos” ao facto de a atuação de Salgado “parecer um paradoxo de contornos muito pouco claros perante a suposta integridade do arguido e do seu muito elevado bem estar económico familiar e social (…) se comparado com o baixo nível de vida da maioria dos seus concidadãos”.

Explicador. O que levou os juízes a agravarem a pena de Salgado em 11 perguntas e respostas

Além disso, o relator Agostinho Torres considera que Salgado tem um “elevadíssimo nível do grau de culpa e de dolo” quando era exigido ao arguido, pelo contrário, “uma postura moral, ética e jurídica muito acima da maioria das pessoas”, face “à sua elevada conotação pública e importância nos domínios bancário e financeiro”.

Relação teve em consideração a doença de Alzheimer antes de aumentar pena de prisão?

Sim, teve — como, aliás, o Observador descreveu em pormenor aqui. Ao contrário do que reiteradamente os advogados de defesa de Ricardo Salgado alegam, os conselheiros do STJ confirmam que a Relação de Lisboa e a primeira instância tiveram em consideração os relatórios médicos particulares apresentados pelo arguido.

Mas os conselheiros enfatizam que tais relatórios médicos não comprovam de “forma segura e definitiva uma qualquer insensibilidade, incapacidade ou inadequação ao cumprimento de uma pena de prisão ou impossibilidade de oferta adequada de tratamento”, lê-se no acórdão do STJ.

"Daí que se compreenda que o tribunal (...) também tivesse considerado (...) o elevado grau de prevenção geral" que a condenação de Salgado acarreta, assim como as "elevadas expectativas comunitárias numa punição que seja assertiva" e que "sirva como sinal de saudável funcionamento do sistema de justiça e por ela se contribua para se evitarem outros casos como o do arguido", escreve o relator Agostinho Torres.

“Daí que se compreenda que o tribunal recorrido, ainda que (como foi!) sensível ao estado clínico (…), também tivesse considerado, (e, a nosso ver, podia ter sido ainda mais explícito nisso) o elevado grau de prevenção geral” que a condenação de Salgado acarreta, assim como as “elevadas expectativas comunitárias numa punição que seja assertiva” e que “sirva como sinal de saudável funcionamento do sistema de justiça e por ela se contribua para se evitarem outros casos como o do arguido”, escreve o relator Agostinho Torres.

Além do mais, Ricardo Salgado não é inimputável porque estava perfeitamente são no momento da alegada prática dos crimes que lhes são imputados pelo MP em sete acusações deduzidas até ao momento.

Logo, a decisão do STJ não podia ser outra: “Mantém-se pois a pena única de 8 anos de prisão”.

Como surge a possibilidade da suspensão da pena?

Os juízes conselheiros começam por deixar claro que “nada nos autos nos diz nem comprova com certeza e clareza que o mesmo está já de tal modo afetado pela doença de Alzheimer que justifique, mesmo na presente fase, uma declaração de suspensão da pena”.

E acrescentam que, “até demonstração em contrário”, uma doença degenerativa “pode ser tratada em ambiente prisional consoante o seu grau e estado de evolução.”

Os juízes conselheiros acrescentam que, "até demonstração em contrário", uma doença degenerativa "pode ser tratada em ambiente prisional consoante o seu grau e estado de evolução."

Contudo, e apesar de o fazerem apenas como possibilidade teórica, certo é que os mesmos juízes deixam aberta a porta à suspensão da execução da pena de prisão efetiva. “Se a incapacidade de compreensão, entendimento e adaptação ao sentido e finalidade da pena fosse de tal modo grave que não colocasse dúvidas relevantes, também não vemos impossibilidade legal direta e decisiva no sentido de declaração suspensiva nos termos do art. 106.º do Código Penal mesmo antes da fase de execução propriamente dita”.

Porquê? Porque os conselheiros consideram que “seria de todo injustificável e desumano sujeitar o condenado à execução da pena ou mesmo iniciá-la para depois a suspender”. “Tal avaliação, tendo em conta os sinais dos autos (…) e as características evolutivas da doença (….) terão ou poderão ser determinadas com mais exatidão e segurança médico-ciêntifica à data mais atual possível, próxima daquela execução [de pena de prisão], para qual a existência de condenação deverá ser proativa e sensível”, lê-se no acórdão do STJ.

Qual deverá ser o tribunal que deve fazer essa ponderação da eventual suspensão?

A grande novidade deste acórdão é precisamente esta: ao contrário da prática comum, os conselheiros do STJ consideram que pode ser o tribunal de primeira instância que condenou Ricardo Salgado a fazer essa avaliação, e não o Tribunal de Execução de Penas (TEP).

“Estamos indiscutivelmente perante uma doença com elevada expetativa de sinais de agravamento e degenerescência física e mental e que, a existir anomalia psíquica excludente da capacidade de o arguido entender e compreender o sentido da pena, (…) deve ser o tribunal de condenação [sic] e não TEP” a fazer essa avaliação ao abrigo do art. 106.º do Código Penal.

O que poderá acontecer a Ricardo Salgado? 9 perguntas e respostas sobre a perícia para confirmar a doença de Alzheimer

Ou seja, os conselheiros entendem que não é preciso esperar pelo Tribunal da Execução de Penas para decidir se a pena de prisão efetiva aplicada a Ricardo Salgado pode ser suspensa na sua execução devido ao facto de o arguido padecer da doença de Alzheimer. O que representa uma grande novidade processual na tramitação dos diversos processos que envolvem o ex-líder do BES.

Basta os autos transitarem em julgado para que o tribunal de primeira instância solicite nova perícia médica ao Instituto de Medicina Legal para avaliar de imediato em que local Ricardo Salgado cumprirá pena.

A defesa ainda poderá recorrer da decisão do Supremo?

Sim, pode recorrer para o Tribunal Constitucional. Uma das vias argumentativas de alegada inconstitucionalidade que a defesa de Ricardo Salgado poderá alegar passa pelo suposto desrespeito constitucional dos direitos de defesa do ex-líder do BES.

Desde há algum tempo que os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilace têm vindo a alegar que o princípio constitucional dos direitos de defesa não estão a ser respeitados pelas sucessivas instâncias judiciais.

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Ao pedir sucessivas perícias médicas ao Instituto de Medicina Legal, a defesa tem tentado provar que a memória do ex-líder do BES já foi afetada de forma irremediável, apesar de a doença ainda estar longe do seu estágio final. Logo, Salgado não consegue comunicar com os seus advogados para se poder defender em tribunal. O que, no entender da defesa, deve levar ao arquivamento dos autos.

Diversas fontes judiciais, entre juízes, procuradores e advogados, sempre defenderam junto do Observador que tal jurisprudência é inexistente em Portugal. Ou seja, o cliente faz-se representar por um advogado e a sua defesa é assegurada pelo mesmo através da prova que existe nos autos ou outra que a defesa possa carrear para os mesmos.

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