Índice
Índice
Se um gato tem mais de sete vidas, este arrisca-se a valer por dois. A imagem é do próprio: ex-secretário de Estado, autarca (por duas vezes), primeiro-ministro, provedor da Santa Casa, barão do PSD e fundador do Aliança, Pedro Santana Lopes assume os erros e ainda lambe as feridas; mas promete não baixar os braços e cair sempre de pé. “Enquanto houver força e razões para lutar lutarei sempre”. Há vida para lá de Marcelo Rebelo de Sousa e Santana não esconde o brilho quando fala das Presidenciais de 2026. “Do ponto de vista político e de balanço pessoal que eu faça, não há nada que me impeça. Não me excluo de nada”, garante. Nem que para isso tenha de dar um chega para lá a outros protocandidatos da sua família política. “Acho que vocês já me vão conhecendo: quando vou, normalmente não olho para o lado; vou independentemente de quem esteja na linha de partida.”
Em tempos de pandemia, Santana Lopes não largou a máscara. Mas nem por isso deixou de morder: em Catarina Martins, em António Costa e nos ministros Augusto Santos Silva e Pedro Nuno Santos, mas também em Marcelo, que ainda não o convenceu. “Nunca pensei que houvesse tanto isto desta parte mais afetiva dele, pessoal, das selfies. Nunca pensei que ele fosse tanto por aí. Que ele se ia dar bem com o Governo não tinha dúvidas. Que ele ia irritar a direita também não tinha dúvidas. Sempre vi Marcelo irritar a direita, irritar o PSD durante décadas”. Pedro Santana Lopes em entrevista ao Observador.
[Veja o essencial da entrevista a Pedro Santana Lopes:]
“O mundo está a mudar tanto que os gatos também já têm mais vidas”
Deixou no último fim de semana a presidência do Aliança. Arriscamos a pergunta mesmo imaginando a sua resposta: é este o fim do seu percurso político?
Não. Nunca se sabe o que a vida nos traz. Já me fizeram essa pergunta 380 vezes na vida e respondo sempre a mesma coisa…
Vai andar por aí?
Desta vez disse diferente para não enjoar ninguém. Disse: “O mundo está a mudar tanto que os gatos também já têm mais vidas do que tinham antes”. Enquanto houver força e razões para lutar lutarei sempre. As pessoas já perceberam que não me impressiono com vitórias ou com derrotas por muito grandes que elas sejam. Tão depressa se está em cima como se está em baixo. Portanto, o fim não é de certeza. Agora, se é brilhante o que se segue… Já vi tudo a dar tantas voltas e tantas cambalhotas. Se há coisa que aprendi nesta experiência do Aliança, e tive de provar desse fel, é que as pessoas de facto não gostam e não votam num partido que tem um líder que teve muitos anos conotado com outra força política.
A sua imagem política não ficou danificada? É possível recuperar a imagem que tinha anteriormente? A de um Santana com potencial de vitória?
Há muitas coisas que já vi acontecerem na vida. De repente as coisas mudam: pode fazer alguma coisa ou dizer alguma frase ou ter alguma atitude que leva as pessoas outra vez a aderirem. Esta experiência [do Aliança] tem-me feito pensar muita coisa: eu como líder do Aliança não era bom para a Aliança. Precisava de ter alguém que não tivesse ligação a uma cor — neste caso o laranja. Foi um exame muito calmo e sereno que fiz.
Deixe-me pegar nessa reflexão que fez. Arrepende-se hoje de ter saído do PSD para fundar a Aliança?
Não. Mas não é por teimosia ou por orgulho tonto. Quanto mais penso nisso mais sei porque é que saí e nunca senti “fiz mal”. Fiz aquilo que devia fazer e não correu bem. Agora espero que o Aliança encontre um rumo novo. Hoje em dia a vida está mais para posições extremadas ou para candidatos imprevistos. São circunstâncias especiais. Criei um partido generalista, que falava de Saúde, Coesão Territorial, dos impostos…
Um partido tradicional que não resultou no tempo de hoje.
E é impossível resultar sem televisão. Mas impossível. A menos que você tenha qualquer coisa para dizer como “eu sou a favor da morte dos pombos”… Mas não digo coisas por dizer, só para ter eco. E há mais [motivos para justificar o resultado]: o acidente que tive e história do helicóptero antes das europeias prejudicaram muito a Aliança. Andava por sítios onde as pessoas que me contavam: “Sabe que agora sempre que passa um helicóptero dizem ‘lá vai o Santana'”…
Criou-se um mito de que foi favorecido.
Para mim foi uma coisa horrível. Detesto andar de helicóptero. Pedi aos homens da ambulância: “Por amor de Deus, agora não me metam num helicóptero”. E eles disseram: “Mas tem de ser, sêutor. Não sabemos as lesões internas que tem”… Pronto, aconteceram uma série de coisas. Agora, a culpa principal é minha. Não escondo isso. Houve uma saturação da minha imagem, portanto há que tirar consequências. Por mim, tinha saído na noite das eleições se o partido não fosse tão novinho. Mas achei que era uma irresponsabilidade. Saí quando achei que podia sair.
“Neste momento excluo voltar ao PSD. Mas uma pessoa não sabe o que a vida traz”
Não se arrepende de ter saído [do PSD]. Mas pondera um dia voltar?
Não. Não pondero isso.
Mas também não exclui?
Neste momento, excluo. Agora, uma pessoa sabe lá o que é que a vida nos traz. Mas sou militante do Aliança, vou continuar a ser e quero que o Aliança ganhe força para ser um parceiro nesse rassemblement da direita. É isso que vou procurar fazer.
Há pouco dizia que tinha vários desafios e que não se punha fora da vida política ativa, nem do combate político. Foi presidente da Câmara de Lisboa antes e depois de ser primeiro-ministro. Se Rui Rio o convidasse para ser candidato à Câmara de Lisboa aceitava?
Não. Não está nas minhas intenções voltar a funções que já tenha exercido. A única exceção que abriria era a Figueira da Foz, por razões sentimentais, mas estou num ciclo diferente. Não se deve voltar sequer a pôr a questão. Já há 20 anos que se fala do meu nome para Lisboa outra vez.
O que é revelador.
Talvez. E gratificante. Mas não vou. Tive uma vida política de facto muito intensa até hoje. Preciso de um tempo agora longe dessas disputas.
Quem é que daria um bom candidato da direita para derrotar Fernando Medina?
Não vou entrar nisso.
Não há nomes que…
Não sei. Com franqueza não tenho pensado nisso e não vou sugerir nome algum que isso dá logo uma algazarra tremenda.
Paulo Portas foi lançado.
Já vi, já vi. É isso mesmo que não quero fazer. Não quero lançar ninguém. Quando me lanço, lanço-me eu.
“Era melhor que o PSD ou partidos mais moderados viabilizassem o OE”
Falando sobre o momento político atual e recuperando muito do que foi defendendo ao longo dos últimos tempos. Criticou muito a atual liderança do PSD pela vontade de dar a mão a António Costa. Mas a verdade é que Rui Rio tem vencido as eleições internas com esse programa. É isso que as bases do PSD e do centro-direita pedem? É isso que se espera de um partido de centro-direita?
Acho que não. Mas uma crise política neste momento é impensável. E acho que o primeiro-ministro quando disse que se o Governo dependesse do PSD era sinal de que tinha acabado teve uma frase exagerada e pouco cuidadosa. Acho que neste momento o Governo tem de viabilizar o Orçamento seja onde for porque é do óbvio interesse nacional que temos de ter um Governo em plenitude de funções. Só que vamos vendo os sinais: vi no outro dia Marques Mendes a falar do início do fim de ciclo político, vi dois ministros [Augusto Santos Silva e Pedro Nuno Santos] falarem de presidenciais quando o primeiro-ministro não quer que se fale… Vamos vendo os sinais. Mas até junho do ano que vem, é uma questão patriótica, básica, de sentido elementar de responsabilidade, ter um Governo em plenitude de funções. Ninguém se pode pôr de fora, apesar de a responsabilidade maior ser da esquerda e do Bloco de Esquerda. Na minha perspetiva, um tão grande peso no Bloco é contraproducente para o país porque as exigências do Bloco são aquelas que serão coerentes com o seu programa. E aquilo que é coerente com o programa do Bloco, na minha opinião, não é o mais adequado ao interesse do país.
Portanto, entende que o melhor para o país era que PS e PSD chegassem a um entendimento?
Sim, para o Orçamento. Um entendimento com o PSD ou o conjunto de partidos mais moderados que o viabilizassem. Até o PCP.
O PCP é mais moderado que o Bloco?
Apesar de tudo, olha mais à realidade e tem um certo sentido de responsabilidade que pode levar a soluções diferentes. Neste momento, vejo com preocupação [a falta de estabilidade] e acho que os responsáveis se devem abster de proclamações definitivas. Só há uma regra que não pode admitir beliscadura: temos de ter um Governo em plenitude de funções e com Orçamento aprovado. [Dito isto], percebo a posição do PSD, até porque o primeiro-ministro foi um bocadinho radical. É preciso serenidade e maturidade. Mas acho que o Orçamento vai passar.
Sobretudo porque não é possível dissolver a Assembleia neste momento.
Claro. É um cocktail explosivo: não se pode dissolver a Assembleia, há a presidência da União Europeia, a somar à situação que vivemos… Só um louco é que toma uma decisão que sabe que vai precipitar o país numa crise política. É impensável e acho que, aí, o Presidente da República tem explicado bem.
E o PSD, o eleitorado, as bases, as estruturas, entenderiam isso?
Isso é um assunto do PSD e não me quero meter nisso. O eleitorado, em geral, percebe isso. Estou plenamente convencido. O que não perceberia era uma crise política. Agora, não é mesma coisa aprovar um Orçamento com o Bloco, com o PSD ou com outro partido. É por isso que não se deviam ter fechado portas. A emergência da situação atual devia ter obrigado a deixar quase todas as portas abertas.
“Por muita força que tenha um primeiro-ministro, se ministros começam a disparatar…”
Acredita que o Governo vai chegar ao fim da legislatura? Há pouco dizia que cheirava a fim de ciclo, até citando Marques Mendes. Concorda?
É natural que seja difícil que esta legislatura chegue até ao final. Até porque é uma legislatura excecional com a pandemia. É muito mais duro, terá muito mais consequências do que as pessoas pensam. E mais do que ninguém o primeiro-ministro deve senti-lo. O problema de quem já exerceu determinadas funções, como a de primeiro-ministro, é ter uma tendência para se pôr no lugar do outro.
Vê o fim de ciclo de António Costa como semelhante ao seu?
Eu nem cheguei a estar em princípio. Mal entrei já estava em fim de ciclo (risos). Mas por exemplo: a cena de ontem [quarta-feira] de os ministros a falarem [sobre presidenciais] quando o primeiro-ministro tinha dito que não…
Sentiu uma certa compaixão?
Passei por isso. É horrível. Estar em funções, não ter feitio para [discordâncias internas] e não ter força política para tomar determinadas decisões…
António Costa não tem, neste momento, essa força política para ter alguma autoridade dentro do Conselho de Ministros?
Prefiro dizer ao contrário. Espero que os ministros deste Governo tenham a devida noção dos limites, que não fragilizem naquilo que dizem e que fazem a posição do primeiro-ministro. Por muita força que tenha, um primeiro-ministro tem limites. Se os ministros decidirem começar a disparatar e a dizer coisas que não devem é muito difícil. Vejo com preocupação aquilo que se está a passar. Essas duas declarações [de Augusto Santos Silva e de Pedro Nuno Santos] são sinais. E são sinais que conheço bem.
Portanto, o governo está em fim de ciclo?
Disse início de fim de ciclo. Não está numa situação normal como já esteve, pleno de força. Mas é natural. Uma situação destas como a que estamos a viver desgasta muito o Governo. Não estou a dizer que já esteja a acabar, mas perdeu força. E referi alguns sinais que o demonstram.
Isso significa que Rui Rio tem hipóteses de ser primeiro-ministro?
O líder da oposição, por definição, tem sempre hipóteses de ser primeiro-ministro, mesmo que só diga bom dia todos os dias. Ou dia sim, dia não.
Mas imagino que Rui Rio tenha feito mais do que isso.
Fez. E tem feito as suas intervenções de acordo com a estratégia que ele delineou. Rui Rio, eu digo sempre isto, tem essa característica: é igual a ele próprio. Isso é uma vantagem. Pede-se autenticidade às pessoas. Outra coisa é concordarmos ou não com o caminho que as pessoas seguem.
Dizer que uma pessoa é igual a ela própria não é exatamente um elogio.
Acha que não? Para mim, é. É uma constatação. Tem posições que, de facto, são fora do comum. No outro dia ouvi-o dizer que aceitava uma proposta do Bloco de Esquerda, está de acordo com o Governo várias vezes. E com essa linha, genericamente, eu estou de acordo. As minhas diferenças não são essas. A oposição é isso mesmo: é não se estar sempre contra. Porque é ridículo e não faz sentido. Agora não quer dizer que ele vai ser ou não vai ser. Não quero falar de Rui Rio.
Mas é um ex-líder e tem essa propriedade para fazê-lo. Há pessoas preparadas para suceder a Rui Rio no PSD? É importante que nas próximas diretas Rui Rio tenha oposição?
Não falo sobre isso.
“Vamos ver se o Chega se modera ou se se radicaliza”
Há pouco falámos de uma alternativa a este governo. Tem falado muito na federação das direitas e quando falamos numa alternativa ao PS coloca-se sempre a questão de com que maioria a direita pode governar. Entende que essa maioria pode contar com o Chega?
Antes de mais deixe-me dar uma palavra em relação àquilo que eu disse há pouco sobre a Aliança. Espero mesmo que a Aliança se afirme antes de mais. O novo líder da Aliança é um homem acima de tudo íntegro, honesto, irrepreensível. É uma pessoa inteligente e muito experiente politicamente. E quero dar esta palavra porque espero que o Paulo Bento faça parte desta solução. Quanto ao Chega, há duas questões: acho que o centro-direita tem tanto direito a coligar-se com o Chega como o PS com a extrema-esquerda. Com toda a franqueza. Não faço aí diferença nenhuma. Outra coisa é o marcar bem a diferença. Por exemplo, não consigo perceber como há pessoas que podem ser militantes da Aliança e do Chega no espaço de um mês, a não ser que tenham passado por uma profunda transformação interior que deviam explicar. Portanto, isto não tem a ver com André Ventura.
Mas, no Congresso do Aliança, utilizou a expressão anti-democrático relativamente ao Chega e fez algumas referências, ainda que indiretas, que podia haver inspirações fascista.
Não disse isso. O que eu disse é que, se o Chega tivesse posições defensoras ou do nazismo ou do fascismo, então estava fora de questão fazer parte da coligação. Outra coisa era ser um partido que é chamado hoje em dia de extrema-direita. A senhora Le Pen também diz que é democrata, não diz que não é democrata. Agora, tem posições com as quais eu não concordo de todo. Se são muito de direita ou de extrema-direita é uma coisa. Agora, qualquer laivo de simpatia com ideologias nazis ou equivalentes é absolutamente impeditivo de coligações. Mas ainda não vi isso no Chega. Não o ponho nesse saco.
Concorda com Rui Rio quando diz que o Chega precisa de mudar e não ter essa deriva para que possa integrar essa coligação?
Li no outro dia nos jornais que o militante que propôs aquela moção horrível no Chega, sobre as mulheres [retirada dos ovários para quem abortasse], tinha sido do Aliança.
Foi diretor de campanha distrital da Aliança no Algarve.
Pronto, fiquei a saber. Portanto, nos partidos entram pessoas…
E a antiga líder distrital do Aliança no Algarve também faz parte do Chega.
Não sabia. Por isso não sei até que ponto é que o André Ventura… Já lhe ouvi várias declarações de incómodo com forças que no interior do partido procuram boicotar ou agitar. Portanto, não sei ao certo o que se passa lá dentro. Agora há várias posições do André Ventura com as quais não concordo: sobre etnias e considerações desse tipo. Ou perseguições a pessoas cuja situação já foi clarificada pela Justiça. São coisas que me afastam. Agora, excluir de todo uma coligação, não. Rui Rio se calhar está certo nisso que diz. Vamos ver se o Chega se modera ou se se radicaliza. A mesma coisa que se podia dizer em relação ao Bloco de Esquerda.
Acha que são comparáveis? O Bloco de Esquerda e Chega?
Não digo isso. Cada um é o que é. Não quero comparar os dois partidos.
Mas está a fazê-lo quando diz que é tão aceitável ao PS coligar-se com o Bloco como a direita aceitar o Chega.
O Bloco de Esquerda resulta da fusão de ideologias trotskistas, marxistas leninistas, que são ideologias que, em princípio, não defendem a democracia representativa. No entanto, o Bloco converteu-se ou aceitou o jogo da democracia. O Chega diz que é o mesmo. André Ventura diz que é democrata e agora o Chega tem de dar mais provas do que deu o Bloco. Mas não os comparo, porque sei que é ofensivo para qualquer um deles.
Daquilo que disse não exclui que Rui Rio possa ser primeiro-ministro. Por isso suponho que também não exclui que a direita possa voltar a governar.
Há de voltar, se Deus quiser. Mal seria.
A médio prazo, longo prazo?
Isto tudo muda muito depressa. E é bom os atuais dirigentes políticos estarem cientes de uma coisa: quando passar a pandemia, se Deus quiser, as pessoas terão a tendência natural para rejeitarem os rostos que foram responsáveis políticos durante a pandemia. É quase uma reação psicológica do subconsciente.
Até Churchill perdeu as eleições a seguir à guerra.
A mesma coisa. É saturação de uma época.
E em Portugal tem acontecido isso.
Tem acontecido isso. As pessoas nem querem ouvir falar no que está para trás. Agora há um bloqueio porque a liderança do PSD não tem… Agora já vejo outros sinais, para as autárquicas, de admitirem essas uniões no centro-direita, mas, como sabe, a posição de Rui Rio não é essa e sem o PSD é impossível construir essa alternativa de direita.
Temos falado pouco, e é revelador, do CDS. Está preocupado com a sobrevivência do CDS?
Estou. Com certeza que o CDS é um partido importante na democracia portuguesa. Já teve momentos destes, muito fracos. E quero acreditar que recupere. Fiz parte de um partido grande muitos anos e fundei um partido que ainda não passou de ser um partido pequeno. Já vi os dois lados da barricada. O CDS vive uma situação difícil de arrumação deste novo espaço mais fragmentado no centro-direita porque não é fácil. Não é fácil. Mas faço votos para que ultrapasse essa situação difícil porque o CDS faz falta como partido conservador, democrata-cristão.
“Ainda não sei [se vou apoiar] Marcelo”
Vamos passar agora para um dos temas que também marcam a atualidade: as Presidenciais. Vai apoiar Marcelo Rebelo de Sousa?
Ainda não sei. Para já, quero ouvir o próprio quando apresentar a sua candidatura. Agora que encerrei este processo de deixar a liderança da Aliança, quero pensar nesse assunto com mais calma. A única coisa que me preocupa é que aqueles que conheço que não querem votar em Marcelo Rebelo Sousa, a tendência natural seja para dizer: então voto André Ventura.
Faz falta uma candidatura alternativa nesse espaço?
Há o candidato da Iniciativa Liberal. Até gostei de uma entrevista que li dele, mas não é conhecido. As pessoas que conheço que estão muito irritadas, e conheço várias, com Marcelo Rebelo de Sousa, do centro-direita, dizem: vou votar Ventura que é para dar uma lição a isto tudo. Isso confesso que me preocupa porque se André Ventura fica com muita força isso é uma reestruturação do centro-direita num sentido que pode dificultar a formação dessa tal alternativa. Portanto, gostaria, de facto, que houvesse alguém mais conhecido em que as pessoas pudessem ir votar. Como a esquerda tem: pode escolher Marisa Matias, Ana Gomes, João Ferreira e vamos ver mais quem. Agora, vivemos numa época em que há uma expressão que é muito importante: sentido de responsabilidade. E, portanto, sei bem o que representa a opção de cada um de nós para poder haver segunda volta ou não. Mas nunca gostei da chantagem da segunda volta. Lembro-me quando era o professor Cavaco: ‘Ou apoia tudo o professor Cavaco ou há o perigo da segunda volta e o candidato do centro-direita perda’. Ora, o centro-direita não pode levar nunca outro candidato por causa disso.
É o fantasma de 1986.
É. Sem dúvida.
E o centro-direita tem razões para ficar zangado com Marcelo Rebelo de Sousa?
Percebo algumas razões de zanga.
Vou fazer a pergunta ao contrário, mais pessoal: está desiludido com o mandato de Marcelo Rebelo de Sousa?
Não. Conheço muito bem Marcelo Rebelo de Sousa há muitos anos. E, portanto, não me desiludiu.
Isso é uma não-resposta.
Está bem, mas não me desiludiu. Nunca pensei que houvesse tanto isto, desta parte mais afetiva dele, pessoal, das selfies. Nunca pensei que ele fosse tanto por aí.
Não o desiludiu porque as expectativas já eram baixas.
Não. Nunca podiam ser baixas. Marcelo Rebelo de Sousa é um homem brilhante, inteligentíssimo. Agora, que ele ia surpreender tudo e todos, não tenho dúvidas. Que ia ser ortodoxo, não tinha dúvidas. Que ele se ia dar bem com o governo PS não tinha dúvidas. Que ele ia irritar a direita não tinha dúvidas. Sempre vi Marcelo irritar a direita, irritar o PSD durante décadas. A não ser quando ele foi líder e mesmo assim irritava.
E correu muito mal.
Não correu bem também. Portanto, não me desiludiu. Marcelo fez muito bem ao país num lado, da autoestima, da aproximação das instituições, isso ele fez muito bem. Agora há uma direita que está desiludida com ele. Quando Marcelo diz que não leva o cidadão para a sua função é uma conceção complicada da representação. Ou seja: em relação a matérias importantes, como a eutanásia, em que Marcelo diz: ‘Eu não posso impor aqui as condições do cidadão Marcelo Rebelo de Sousa’. Então quem é que as pessoas escolhem quando votam? Escolhem uma pessoa ou Presidente?
Aí está a abdicar do magistério de influência devia ter?
Em certa medida também. O Presidente da República não é só Presidente, é chefe de Estado. Está acima dos vários poderes. Ele não é só o chefe do poder executivo, ele é o supremo magistrado da Nação. E, portanto, isso dá-lhe uma obrigação também de influência, de pedagogia, de possibilidade de mobilização para as grandes causas nacionais que não tem sido a grande orientação de Marcelo. Depois, há pessoas que me dizem assim: ‘Ah vais ver que ele no segundo mandato vai ser diferente’. Isso também é um argumento que não gosto. Nunca gostei disso: os Presidentes, no segundo mandato, sabem que já não vão a eleições e fazem quase o contrário do que fizeram no primeiro. Portanto, também não é por aí que eu votarei em Marcelo, se votar. Mas ainda não decidi. Quero ouvi-lo a ele primeiro. E não acho que ele deva explicação, mas acho que ele vai falar sobre o seu primeiro mandato, a fundamentação.
Espera que tenha uma conversa pessoal consigo?
Não. Quero ouvi-lo como cidadão, tão só.
Deu a entender recentemente que, de alguma maneira o Presidente se colocou demasiado ao PS. Isso é uma mancha neste primeiro mandato?
Mancha não digo, mas é manifesto que o Presidente procurou ajudar muito o Governo. É muito curioso. Tenho defendido sempre que os Presidentes devem olhar para o governo em funções como o seu Governo. Usei muitas vezes essa expressão. Como no Reino Unido se diz: “Her majesty’s government”. Este Presidente levou isto ao extremo. Ele várias vezes falou em nome do Governo. Pronto, quando vejo penso sempre: quem me dera a mim ter tido um Presidente assim comigo. Portanto, para mim censurá-lo é difícil. Cada órgão de soberania tem o seu lugar, mas também temos de pensar que o país viveu momentos muito difíceis nestes anos. A direita queixa-se muito disso.
Marcelo foi prejudicial para a direita?
Penso muitas vezes se a direita não se queixa pelo mau hábito que havia de os Presidentes serem contra os governos. Que não têm de ser. Portanto, se quer que lhe diga, é pouco provável chegar a uma conclusão negativa em relação ao balanço que quero fazer porque Marcelo. Porque não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar grandes valores na vida política, porque a vida política é tão pouca atrativa, que quando eles aceitam ir para lá [temos de aproveitar]. Marcelo Rebelo de Sousa é um valor supremo do país.
Marques Mendes em 2026? “Eu quando vou, normalmente não olho para o lado. Vou. “
Se for reeleito Marcelo entrará no seu último mandato. Daqui a cinco anos a direita vai precisar de um candidato forte. Exclui-se de ser uma das hipóteses para Belém?
Não me excluo. Não gosto dessa palavra. Não gosto de exclusões, nem para os outros nem para mim. Portanto, não me excluo. Deus nos dê vida e saúde a todos.
Disse há pouco que não queria ocupar nenhum cargo que já tivesse ocupado. Esse não ocupou.
Esse deve ser o único que ainda não exerci.
Portanto, pode ser uma das batalhas que pode ter de fazer.
Sabe-se lá. Ainda temos estas eleições. Daqui a 4 anos, quem quiser ser candidato tem que anunciar. Quatro anos é muito tempo. Então no mundo de hoje…
Terá, provavelmente, de convencer Marques Mendes a não avançar.
Acho que vocês já me vão conhecendo: eu, quando vou, normalmente não olho para o lado. Vou. Independentemente de quem esteja na linha de partida. Se acho que devo ir, vou. Aí tenho uma certa inspiração de Mário Soares, acho eu, passo a presunção. Sou sácarneirista, mas sempre admirei muito em Mário Soares duas coisas: o seu amor enorme pela liberdade, era um homem que respirava liberdade em tudo, e, por outro lado, isso: não ter medo de ir à luta. É extraordinário. Já tinha sido Presidente da República duas vezes e foi concorrer e teve menos de 20%. E continuou a ser a mesma pessoa. Isso é que é viver a liberdade e a democracia.
Inspira-o para 2026?
Do ponto de vista político e de balanço pessoal que eu faça, não há nada que me impeça. Já tive falhanços grandes, já. Já tive vitórias grandes, também. Como dizia ontem ao Miguel Sousa Tavares, é como um escritor: há livros que são grandes sucessos, há outros que correm muito mal. Faz parte da vida. Há outros que correm muito mal. Faz parte da vida. Aqueles que acham que tudo lhes corre bem, coitadinhos são uns tontos. E os que acham que tudo lhes corre mal são os infelizes. E, portanto, não gosto de ser nem uma coisa nem outra.
Mas podia ser a sua obra-prima essa ida para Belém.
Podia. Vamos ver, vamos ver.
Na última entrevista que deu, disse que não se arrependia de nada, até utilizando essa analogia dos livros. O que lhe queria perguntar era o que teria feito de diferente nestes 40 anos de carreira política?
O que me arrependo e teria feito diferente? Já disse: não teria sucedido a Durão Barroso nos termos em que aconteceu. Teria exigido ir a eleições.
E ganhava?
Não sei se ganhava. Não se esqueça que quando entrei para substituir o Durão Barroso o centro-direita tinha tido a maior derrota nas Europeias. Portanto, não sei se ganhava. Depende de quem fosse às eleições pelo PS. Agora não tinha entrado sem eleições porque em Portugal não dá. Em Inglaterra o Gordon Brown substituiu o Tony Blair e aguentou-se, mas são sistemas políticos diferentes. Tinha continuado presidente da Câmara de Lisboa, fazia segundo mandato e pronto era o que era, natural. Agora, os senhores do mundo chamaram Durão Barroso para aquelas funções e depois quem pagou fui eu.
Ainda não perdoou a Jorge Sampaio?
Essa decisão política não perdoo. Pessoalmente, não sou ninguém para não lhe perdoar. Quando o encontro falamos cordialmente e já colaborei com ele, enquanto provedor da Santa Casa. A minha avó dizia sempre que não sou rancoroso. E acho que ela tinha razão.
[Veja a entrevista na íntegra:]