A Direção Geral de Saúde não tem, até agora, um calendário público definido para a fase atual da vacinação contra o vírus da Covid-19, ao contrário do que aconteceu ao longo da fase anterior da pandemia. Por isso, não se compromete com a data em que irá ter toda a população vulnerável vacinada pela terceira vez. Quanto ao número de vacinados com as doses de reforço, sabe-se apenas que foram administradas a 42% dos elegíveis (351 mil doses), não sendo detalhado pela DGS quantas foram administradas a maiores de 65 anos e quantas a imunodeprimidos. Pelas contas do Observador, no cenário mais pessimista, apenas 3 em cada 10 pessoas com mais de 65 anos elegíveis terão sido vacinadas (251 mil), já que o universo de imunodeprimidos ronda os 100 mil.
Os motivos para evitar previsões, ao que o Observador apurou, são vários. Os surtos em lares de idosos, por exemplo, atrasam a vacinação de todos os utentes, já que ficam impedidos de receber a dose de reforço durante algum tempo. Para além disso, todos os dias há pessoas que completam os 180 dias da toma da segunda dose e que podem requerer a de reforço. E há ainda as pessoas que completam 65 anos e entram para o grupo de elegíveis, aumentando esse bolo. É esta dinâmica dos números que torna mais difícil fazer previsões, segundo fonte do setor da saúde.
No terreno, como contou a coordenadora de um centro de vacinação no norte do país, sob anonimato, o problema é evidente: conseguir que os mais velhos se desloquem aos centros de vacinação depois de receberem os SMS a convocá-los. Isso mesmo afirmou, a passada semana, Diogo Urjais, presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar. Em declarações ao JN, garantiu haver uma elevada taxa de faltas. “Muitas nem são faltas, porque as pessoas não sabem ler as mensagens, não sabem responder, não têm apoio, não têm transportes, com alguns locais de vacinação a 20/30 quilómetros de distância.”
O Observador sabe que, em algumas zonas do Alentejo, os idosos foram convocados por mensagem telefónica com um agendamento marcado para duas horas depois da hora da mensagem recebida.
O problema não é novo e quando a vacinação contra a Covid deu os primeiros passos no país, a task force, então liderada pelo vice-almirante Gouveia e Melo, deparou-se com o mesmo obstáculo: no final de fevereiro, quando se vacinava os maiores de 80 anos e os doentes de risco (50 aos 79 anos), apenas 55% das mais de 30 mil mensagens enviadas tiveram resposta.
Graça Freitas apela a idosos que se vacinem: “A pandemia ainda não acabou”
Na altura, os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde esclareceram que o formato SMS é “o meio preferencial”, dada a sua simplicidade, mas garantiam que todos os utentes seriam contactados devido ao elevado número das mensagens enviadas que ficaram sem resposta. Nessas situações, caberia aos centros de saúde contactar os utentes via chamada telefónica e, como último recurso, enviar uma carta.
E agora? Agora, a realidade é outra, afirma a bastonária dos Enfermeiros. “Em fevereiro, chegámos a ir à procura das pessoas a casa delas para vaciná-las com a ajuda das equipas comunitárias.” Atualmente, não há ordens superiores para fazer nada nesse sentido, conta Ana Rita Cavaco, apenas se enviam os SMS.
“Confirmo que a vacinação das terceiras doses está a correr mal e tem a ver com a cadeia operacional. Saiu o vice-almirante e tudo mudou completamente. Naquela altura, falava com ele quase todos os dias e os problemas que surgiam eram resolvidos de imediato”, sublinha a bastonária, queixando-se de que a equipa que agora está a liderar o processo não tem o mesmo poder que Gouveia e Melo tinha.
A antiga task force para a vacinação, liderada por Gouveia e Melo, foi extinta e no seu lugar surgiu um grupo coordenador composto por nove militares que se encontram a trabalhar com o Ministério da Saúde para ajudar no processo de transição da chamada internalização do processo, ou seja, a passagem da vacinação para os centros de saúde. Com esta alteração, desaparece o gabinete de comunicação específico, passando a comunicação para as mãos da DGS.
Autoagendamento e Casa Aberta são resposta para o elevado número de faltas
Por agora, a única previsão da Direção Geral de Saúde é a de que até ao final do ano um milhão e meio de utentes serão elegíveis para tomar a nova dose da vacina. Em que momento e segundo que faseamento? A DGS não responde.
Com o envio de SMS a ter fracos resultados, foi necessário ativar o autoagendamento para maiores de 70 anos e a modalidade Casa Aberta para idosos com mais dos 80 para tentar agilizar a vacinação que avançava muito lentamente, o que tornaria impossível vacinar milhão e meio de portugueses até ao final de dezembro. Se durante a vigência da anterior task force, quando foi preciso vacinar todos os portugueses, a vacinação era feita apenas nos centros, agora existe um esquema misto: mantiveram-se 339 pontos de vacinação espalhados pelo país, a que se acrescentam os centros de saúde.
A decisão de avançar para o autogendamento e para a Casa Aberta foram tomadas entre o início e o fim da semana passada, 21 dias depois de ter início a toma da dose de reforço, e após constatar-se a dificuldade em conseguir vacinar os mais velhos, algo já assumido pela diretora geral de Saúde e criticado pelo bastonário da Ordem dos Médicos.
Ana Rita Cavaco conta que, no terreno, os enfermeiros têm grande dificuldade em explicar aos mais velhos o porquê de estarem a ser vacinados com uma terceira dose, quando é público que o esquema vacinal completo é de apenas duas doses. “Temos o caso de Israel em que apesar de terem dados doses de reforço a quase toda a gente os casos continuam a aparecer. As pessoas questionam-se e é difícil convencê-las”, diz. Na sua opinião, mais importante do que oferecer uma dose de reforço da vacina que já foi tomada, era oferecer a toma de uma vacina de segunda geração (algo que ainda não existe).
Gouveia e Melo, enquanto coordenador da task force, chegou a avançar que, na atual fase de vacinação, 2,5 milhões de portugueses seriam novamente vacinados, de forma a que os mais velhos tivessem a imunidade reforçada antes da chegada do inverno. A diferença para o número agora apontado tem a ver, segundo fonte da DGS, com o facto de, por exemplo, ainda não estarem incluídos os 200 mil profissionais de saúde que, em breve, também deverão ser vacinados com a terceira dose. Para além disso, haverá idosos que, por um motivo ou outro, não completaram o esquema vacinal há pelo menos 180 dias, não podendo receber o reforço, fazendo diminuir as estimativas iniciais.
Por exemplo, uma pessoa que fosse expectável ser vacinada com a dose de reforço em novembro, se tiver sido infetada com o coronavírus, antes ou depois da segunda dose, atrasa os timings da toma da dose de reforço. O mesmo sucede se tiver passado por um isolamento profilático (por ser contacto de risco de um doente Covid). Por último, e mesmo que em número mais reduzido, haverá idosos que seriam vacinados com o reforço em novembro e que terão morrido, de Covid ou por outro motivo. Tudo isto são variantes que levam a que o universo de elegíveis possa ter diminuído.
Segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), houve 43.751 casos de infeção em pessoas com esquema vacinal completo, com 467 deles a resultar em morte (345 em pessoas com mais de 80 anos).
Linhas vermelhas. 467 mortes e 43.751 casos de infeção entre pessoas vacinadas com as duas doses
Com estas condicionantes, se durante os últimos meses, enquanto a vacinação esteve entregue à equipa liderada pelo vice-almirante Gouveia e Melo, existia uma previsão pública que permitia perceber que percentagem da população era expetável vacinar (e em que momento), essas estimativas desaparecem. O Observador questionou a DGS, mas, para já, o organismo liderado por Graça Freitas não tem um calendário público para apresentar.
O que também não vai acontecer, pelo menos para já, é a inclusão das terceiras doses ou doses de reforço da vacinação no certificado digital. “Neste momento não se prevê qualquer alteração no certificado, que respeita, aliás, o definido pelo Regulamento Europeu”, esclarece a Direção Geral de Saúde, em resposta escrita.
Apesar de todas as semanas ser divulgado um relatório com os dados mais recentes da vacinação, as terceiras doses e doses de reforço não aparecem ali discriminadas, optando a DGS, conforme explicou, por fazer comunicados específicos, todas as semanas, sobre o avanço da campanha ou quando lhe forem feitos pedidos nesse sentido.
No pior cenário possível, 34% dos maiores de 65 anos elegíveis estão vacinados
Até domingo, 7 de novembro, cerca de 840 mil pessoas estavam aptas a ser novamente vacinadas. As contas, da DGS, revelam que dentro desse grupo, 351 mil utentes tinham levado a terceira dose ou a dose de reforço, o que equivale a quatro em cada dez (42%). Para além disso, o organismo liderado por Graça Freitas contava avançar com mais 35 mil vacinados durante esta semana, intensificando o ritmo da administração de doses de reforço.
Numa altura em que 86% da população portuguesa acima dos 12 anos tem o esquema vacinal completo, Portugal é um dos cerca de 50 países do mundo que já está a administrar doses de reforço. Na Europa, por exemplo, também Alemanha, França, Itália ou Espanha já estão a fazê-lo. Israel é atualmente o Estado com maior número de doses de reforço administradas relativamente ao tamanho da população (quase 4 milhões de doses), seguindo-se Uruguai e Chile.
Em Portugal, o arranque desta nova fase da campanha de vacinação foi a 11 de outubro, quando começaram a ser administradas as doses de reforço aos maiores de 65 anos vacinados contra a gripe há pelo menos 14 dias e há 180 dias contra a Covid-19.
Na altura, a diretora geral de Saúde deixou claro qual seria a prioridade: “Pessoas com 80 anos ou mais e pessoas que residem em lares e estruturas similares.” Outra promessa que Graça Freitas deixou na mesma altura, e que se cumpriu na segunda-feira seguinte, 18 de outubro, foi de vacinar os seniores, no mesmo dia, com a vacina da gripe sazonal e a do coronavírus, tão rápido quanto a Organização Mundial de Saúde garantisse a sua segurança.
Olhando apenas para as doses extra, das 351 mil doses Covid administradas, 221 mil pessoas foram inoculadas em co-administração com a vacina da gripe (ou seja, a maioria delas, 62,9%).
Já a vacinação dos imunodeprimidos — como transplantados, doentes oncológicos ou seropositivos — tinha começado antes, a 13 de setembro. E embora também eles sejam injetados pela terceira vez com a vacina contra o SARS-CoV-2, os termos médicos usados são diferentes. Para quem tem o sistema imunológico comprometido, trata-se, de facto, de uma terceira dose da vacina. Para a restante população, essa vacina é chamada de dose de reforço.
Quando começou a ser administrada a terceira dose, a maiores de 16 anos com esquema vacinal realizado em contexto de imunossupressão grave, calculou-se que a norma da DGS teria um grupo de destinários de cerca de 100 mil pessoas. Pfizer ou Moderna são as hipóteses em cima da mesa e as prescrições médicas obrigatórias. Para além disso, é preciso que tenham passado três meses desde que o utente recebeu a última dose da vacina contra a Covid.
Assim, o pior cenário possível é que 34% dos maiores de 65 anos elegíveis nesta fase estejam vacinados. Se retiramos os 100 mil imunodeprimidos, assumindo que todos receberam a sua dose, as restantes 251 mil doses terão sido para os mais velhos. Como dificilmente todos os imunodeprimidos terão já tomado a sua terceira dose, o número de maiores de 65 anos vacinados será sempre superior a estes 251 mil vacinados.
No domingo, a diretora geral de Saúde alertou que a pandemia não acabou e pediu ao mais velhos que fizessem a dose de reforço da vacina para “passarem o Natal mais seguros”. Sobre o número de vacinados, que já foram alvo de crítica do bastonário da Ordem dos Médicos, Graça Freitas garantiu que “a 3.ª dose está a acompanhar” o previsto, embora admitindo que ter cerca de 300 mil vacinados “é pouco”.
A média de vacinação tem sido de 25 mil pessoas por dia, valor que, garantiu, vai aumentar.
Esta terça-feira, em declarações ao Observador, após a publicação de um ensaio em co-autoria com o engenheiro Carlos Antunes, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes disse ser “recomendável evitar entrar em dezembro sem as pessoas com 80 anos ou mais reforçadas” com a terceira dose.
No ensaio, os especialistas defendem que Portugal está a assistir ao início da quinta vaga, prevendo que o país chegue aos 2.000 casos diários na primeira quinzena de dezembro, sem que uma elevada cobertura vacinal seja suficiente para erradicar o vírus.