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Entrevista a José Galamba Oliveira, Presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS). 23 de Junho de 2022, Alvalade TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS),

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS),

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"Sem seguros e saúde privada, o SNS estaria numa situação ainda mais dramática", diz presidente da APS

Presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS) pede que não se fale num confronto entre público e privado, mas diz que SNS precisa de ser "repensado". Mercado dos seguros de saúde cresce 9%.

Há que “desmistificar” a relação entre o SNS e a saúde privada, defende José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS). Mesmo tendo sido o próprio primeiro-ministro a alimentar esse binómio, comentando a forma como cada um dos setores reagiu na pandemia, Galamba de Oliveira prefere falar em “complementaridade” e acredita que se não fosse a saúde privada e os seguros de saúde, a situação no SNS seria “ainda mais dramática” do que aquela ilustrada pelas notícias das últimas semanas.

Em entrevista ao Observador, José Galamba de Oliveira defende também que não se deve perder mais tempo para se criar um seguro obrigatório para o risco sísmico, que poderia ser instalado de forma faseada, começando pelos prédios de apartamentos na zona de Lisboa, que é a segunda grande cidade europeia onde este risco é maior. A APS tem a expectativa de que possa haver novidades neste campo, depois de a intenção ter aparecido num documento oficial aprovado pelo Governo em agosto de 2021.

O tema da saúde tem estado na ordem do dia e o número de cidadãos com seguro de saúde privado já foi tema de alguns debates antes das últimas eleições. Como é que tem evoluído esse número nos últimos anos?
A evolução do seguro de saúde tem sido positiva nos últimos 10, mesmo 15 anos. O crescimento de que se fala dos últimos anos, na prática, já vinha de anos anteriores. Existem neste momento cerca de 3,3 milhões de portugueses que são beneficiários de seguros de saúde, em 2011 eram cerca de 1,5 milhões. A evolução tem sido constante, ano após ano o crescimento tem sido positivo mesmo nos anos de crise como durante o programa da troika – este foi o único seguro que manteve sempre um crescimento positivo nestes anos, o que mostra que a saúde é um valor importante para as famílias portuguesas.

Porque é que tem crescido, na sua opinião?
Eu diria que tem muito a ver com a ideia de liberdade de escolha, isto é, comprar um seguro de saúde para complementar a oferta do SNS a que todos temos direito com a liberdade de poder escolher o hospital a que vou, o médico a que vou. Nos últimos três anos houve uma aceleração, neste momento o setor tem crescido cerca de 9% por ano, o que tem a ver com a maior dificuldade de acesso ao SNS, que tem sido mais evidente nos últimos anos.

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É uma perceção que aumentou? As pessoas sentem que precisam de uma alternativa?
Eu acho é que as pessoas procuram uma alternativa porque lhes dá algum conforto pensarem que se precisarem rapidamente de ir a uma consulta de uma especialidade qualquer provavelmente conseguem-na mais facilmente no privado do que no público. É público que hoje em dia, no SNS, nalgumas especialidades têm atrasos de meses. É esse fator que motiva as pessoas a procurar o seguro de saúde, para aceder ao privado com melhores condições – porque o seguro de saúde o que faz é mutualizar esse acesso a toda a gente, os preços que se consegue hoje com uma consulta no privado tornam-se acessíveis à maioria da população.

Entrevista a José Galamba Oliveira, Presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS). 23 de Junho de 2022, Alvalade TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Setor dos seguros de saúde "tem crescido cerca de 9% por ano, o que tem a ver com a maior dificuldade de acesso ao SNS, que tem sido mais evidente nos últimos anos", diz Galamba de Oliveira.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Esses 3,3 milhões de cidadãos, é possível desagregar entre aqueles que têm seguros privados ou associados ao trabalho?
Existe o seguro individual, que é comprado pelas famílias, e o seguro de grupo, que é oferecido aos trabalhadores no seu pacote de remuneração. A proporção tem-se mantido constante ao longo dos tempos – 60% é seguros de grupo e os restantes 40% são aqueles que compram diretamente um seguro, para ter proteção adicional à do SNS.

Depois há a ADSE…
Sim, a ideia que eu tenho é que serão mais 1,2 milhões de cidadãos beneficiários…

Que não estão incluídos nos 3,3 milhões…
Pode haver alguns mas essa sobreposição estimamos que não será grande. E depois há outros sistemas públicos complementares como o das Forças Armadas e outros. A análise que fazemos é que mais de metade da população portuguesa – mais de cinco milhões de pessoas – tem algum tipo de cobertura além do SNS.

"Existem neste momento cerca de 3,3 milhões de portugueses que são beneficiários de seguros de saúde, em 2011 eram cerca de 1,5 milhões. Nos últimos três anos teve uma aceleração, neste momento estará a crescer cerca de 9% por ano."

Qual é a perspetiva de crescimento daqui para a frente? Esse crescimento anual de 9% vai continuar, ou acha que o aumento do custo de vida e a inflação pode condicionar?
Aquilo que a última década nos mostra é que, mesmo em tempos de crise, as pessoas se tiverem de olhar para a sua carteira de seguros e encontrar algum onde possam poupar, normalmente optam por outros seguros para fazer essa redução de coberturas – a saúde é o último onde se mexe. Apesar dos tempos provavelmente mais difíceis que temos pela frente, com o aumento das taxas de juro e com menor rendimento disponível das famílias, acreditamos que vamos continuar a assistir a um crescimento dos seguros de saúde. A oferta hospitalar do setor privado é muito maior, de muito boa qualidade, e as pessoas valorizam isso. Na nossa perspetiva, o seguro de saúde vai continuar a crescer, não sei se ao ritmo de 9% ou 8% ou 7% mas acreditamos que vai continuar a crescer nos tempos mais próximos.

Os prémios de seguro vão subir? Vão ser mais um custo adicional para as famílias?
Na área do seguro de saúde, os seguros individuais e os de grupo têm características diferentes – a média do seguro individual anda à volta dos 370 euros por ano, por beneficiário. No caso do seguro de grupo ronda os 280/290 euros, é mais baixa, porque os capitais também são mais baixos. Tipicamente quem toma a decisão individual compra seguros em que os capitais médios andam à volta dos 50 mil euros para riscos de ambulatório, cirurgias etc. E no caso das empresas estamos a falar de 24/25 mil euros – é praticamente metade. E estes valores têm-se mantido constantes nos últimos anos e o setor tem a preocupação de manter os prémios acessíveis, porque o fator volume é muito importantes nos seguros, porque só com volume se consegue mutualizar o risco.

Mas quais prémios, então, é que podem subir?
Muito provavelmente a pressão maior neste momento… Ela existe nos seguros de saúde, existe porque do lado dos hospitais também há uma pressão muito grande devido à inflação, os custos da energia, custos com pessoal, a inovação médica também traz tratamentos tipicamente que vêm com preços mais altos… Portanto há aí muita pressão para aumentar.

E no caso dos automóveis?
No caso do automóvel é uma situação idêntica, devido aos custos com as oficinas e com as peças sobressalentes que se atrasam ou são mais caras devido à perturbação nas cadeias de fornecimento. Também aí há uma pressão que o setor tenta absorver na medida do possível – a vantagem do setor segurador é que, como negoceia em larga escala com este tipo de fornecedores, tem uma capacidade maior para manter estes preços controlados… até ao momento tem sido assim. A nossa preocupação é manter os prémios dos seguros acessíveis e tudo aquilo que for possível absorver, enquanto setor, assim será feito. Embora eu tenha de referir que a associação que eu lidero tem um papel limitado, porque estamos a falar da política comercial de cada seguradora e o impacto é diferente de seguradora para seguradora porque algumas têm maior vocação para as empresas, outras para as famílias, umas que têm beneficiários com média etária mais alta, outras mais baixa… O risco é diferente para umas e para outras, portanto cabe a cada uma delas refletir no preço dos seus prémios.

Prémios vão subir? "A maior pressão existe nos seguros de saúde, porque do lado dos hospitais também há uma pressão muito grande devido à inflação, os custos da energia, custos com pessoal, a inovação médica também traz tratamentos tipicamente que vêm com preços mais altos... No caso do automóvel, é uma situação idêntica"

Foi notícia esta semana que quase 30% dos partos em Lisboa e Vale do Tejo foram feitos em hospitais privados. Temos visto urgências obstétricas em dificuldades e blocos de partos encerrados. O que é que estes dados nos dizem?
Como conheço mal alguns desses casos, tenho dificuldade em opinar. Pelo que sei esse número dos 30% até nem é uma grande novidade, já vem do passado, mas chegou às notícias agora. De algumas coisas que se vai lendo, o que digo em primeiro lugar é que muitas destas situações têm a ver com o facto de o acesso ao SNS, hoje em dia, nalgumas situações, nalgumas especialidades, ser mais difícil do que era há uns anos. Não é uma situação de agora, tem já alguns anos pelo menos em algumas especialidades.

Já falámos muito sobre o aumento da subscrição de seguros de saúde para se conseguir ir ao privado (e pagar menos), mas o contra-argumento a tudo isto é que quando alguém tem um problema grave de saúde acaba por se dirigir ao SNS, e não à saúde privada. É um retrato fiel da realidade?
Eu diria que há uns anos provavelmente era um retrato fiel, hoje em dia os grandes grupos hospitalares fazem uma panóplia de tratamentos muito alargada e muito equivalente àquilo que se encontra no SNS. Eu acho é que temos de desmistificar a questão do seguro de saúde, também pelo que temos noutros países europeus: não há aqui público contra privado, deve existir uma complementaridade entre aquilo que têm no SNS e aquilo que as pessoas compram – sabendo que nem todas podem ou querem comprar. Devíamos começar a olhar para o tema da saúde, em Portugal, de forma mais harmoniosa, com os três pilares: público, privado e setor social, que também é muito importante nos cuidados continuados etc. Deixemo-nos de ideologias e comecemos a olhar para isto de uma forma fluída sobre o papel que cada um pode trazer para a saúde dos portugueses, que é o que todos procuram.

Mas o Governo, desde logo o primeiro-ministro, disse várias vezes que a pandemia revelou a importância do SNS, dando a entender que a saúde privada se afastou deste esforço, que de alguma forma não quis ter nada a ver com o tratamento de doentes Covid, incluindo tratamento urgente de casos graves. Quando ouve isso acha que é uma crítica justa?
Houve uma opção em Portugal de que o tratamento desta pandemia fosse centrada no SNS. Também é público que houve, em determinados momentos, conversações para que o setor privado pudesse dar capacidade adicional – que, depois, não foi totalmente utilizada. Foi uma opção política seguir esse caminho mas as coisas funcionaram, o SNS respondeu – a nossa posição, e a minha pessoalmente, não é de todo pôr em causa o SNS. Tem um papel muito importante, é uma conquista da nossa democracia, que temos de preservar – mas penso que pode ser complementado e claramente é isso que muitas famílias estão a procurar, com a liberdade que querem ter de ir a um hospital que está ao lado de casa, que tem lá um médico que conhece etc.

"Devíamos começar a olhar para o tema da saúde de forma mais harmoniosa, com os três pilares: público, privado e setor social. Deixemo-nos de ideologias e comecemos a olhar para isto de uma forma fluída sobre o papel que cada um pode trazer para a saúde dos portugueses."

Diz que quer harmonia, mas o poder político é que colocou as coisas nesses termos, que fomentou essa ideia…
Por isso é que digo que temos de desmistificar, não há aqui público contra privado. O público, pelo que vamos lendo, precisa de ser reforçado e, se calhar, reestruturado em muitas das suas políticas, mas o privado está aqui para complementar e seguramente algumas capacidades podem ser prestadas pelo privado na procura de uma solução mais harmoniosa para a saúde dos portugueses.

Sem seguros de saúde, ou com menos seguros de saúde, que facilitam o recurso aos hospitais e clínicas privadas, em que estado estaria o SNS?
Teria de ter outra capacidade, porque aqueles 3,3 milhões de portugueses que pagam uma cobertura de saúde e que vão aos hospitais privados, se começassem a ir só ao público obviamente a situação seria mais dramática ainda. Aí haveria outra urgência, provavelmente, de reforçar capacidades no SNS – que hoje já existe mas que seria muito maior, seguramente.

Acha que o crescimento da saúde privada fragiliza o SNS, nomeadamente ao nível dos recursos humanos? A expansão desse setor canibaliza o outro, o público?
Eu acho que, de facto, o SNS precisa de repensar a sua estratégia em termos de retenção de recursos humanos – isso é indiscutível. É algo que está a ser discutido no Ministério, com sindicatos de médicos, etc. Tem de ser repensado como é que se retém médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar etc. E sabemos que algum desse pessoal está a ir para fora, ou seja, nem é uma questão de irem para o privado – é irem para fora do país. Esse é um desafio que o SNS tem mas que muitas outras profissões também têm, em Portugal.

"100% do orçamento do INEM é pago pelos seguros"

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José Galamba de Oliveira diz que “é através dos seguros que se financiam uma série de outros fundos em Portugal – através dos seguros em geral”.

“O setor segurador contribui anualmente com cerca de 800 milhões de euros de impostos e taxas que entrega ao Estado. Além dos impostos típicos de IRC, o imposto de selo que todos os seguros têm e que faz com que se entregue ao Estado cerca de 350 milhões de euros (2021)”, afirma Galamba de Oliveira. Depois há “130 milhões de euros para o INEM – hoje em dia 100% do orçamento do INEM é financiado pelos seguros privados – ou 35 milhões de euros para a Proteção Civil…”, destaca.

“Há aqui um conjunto de valores que todos os anos são arrecadados pelo setor segurador e entregues ao Estado que existem porque existe um setor segurador e as pessoas compram seguros”, remata o líder da Associação Portuguesa de Seguradores (APB).

O regulador do setor, a ASF, teve uma consulta pública sobre regulação nos seguros de saúde. O que saiu dessa consulta, vai haver mais regulação?
Há aqui uma preocupação do regulador, que é legítima, no sentido de que na hora em que alguém subscreve um seguro de saúde seja devidamente informado sobre as coberturas que está a comprar. Os seguros são muito diferentes: há pouco dei valores médios, de algumas centenas de euros por ano, mas há seguros de milhares de euros por ano – porque, obviamente, depende da cobertura. Existem seguros em Portugal, por exemplo para tratamentos oncológicos, com cobertura de um milhão, dois milhões, três milhões, com possibilidade de tratamentos em clínicas internacionais etc. E é importante que as pessoas saibam exatamente o que é que aquele seguro que subscrevem cobre, de facto, para não ter surpresas na altura em que é preciso acionar o seguro, que uma determinada situação não está coberta ou que o capital não é suficiente.

Mais transparência…
Sim, a tradição dos seguros é que as pessoas, sobretudo nos seguros obrigatórios, procuram o seguro mais barato – mas obviamente têm de ter consciência de que se está a comprar o mais barato é aquele que vai ter os capitais mais baixos. E, depois, na hora em que se tem um tratamento que custa 10, 20 ou 25 mil euros, não cobre ou só cobre uma parte. Depois há uma outra preocupação que é relativa aos planos de saúde, que são um produto diferente dos seguros de saúde mas que está em crescendo. Há canais de televisão que passam grandes promoções nessa área, mas o plano de saúde é um cartão de descontos – e as pessoas às vezes têm um plano de saúde e pensam que têm um seguro de saúde. E são coisas diferentes e, na hora de vender esses seguros, é preciso explicar muito bem tudo isto.

Entrevista a José Galamba Oliveira, Presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS). 23 de Junho de 2022, Alvalade TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"O SNS precisa de repensar a sua estratégia em termos de retenção de recursos humanos – isso é indiscutível"

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Risco sísmico deve ser coberto de forma obrigatória em todo o país

Falando num outro tema, já alertou várias vezes para o risco sísmico e referiu que só 16% das casas têm seguro – que não é obrigatório. Esse número ainda está atualizado?
Sim, os últimos números que nós temos dizem que essa percentagem tem-se mantido constante. Os 16% são a nível nacional, na zona de Lisboa esse número sobe um pouco para os 25% – ou seja, há provavelmente mais consciência de quem vive em Lisboa que é uma das zonas do nosso país com maior exposição a risco sísmico. É uma cobertura que, como disse, não é obrigatória – ao contrário da cobertura por incêndio, que é obrigatória para quem vive em prédios de apartamentos.

A APS defende que devia passar a ser obrigatório?
Nós defendemos que o risco sísmico devia ser coberto de forma obrigatória.

No país todo?
No país todo porque a verdade é que o país todo tem risco sísmico. Há regiões com maior exposição do que outras, toda a região de Lisboa e Vale do Tejo, além do Algarve e as ilhas (Açores), mas depois há toda a zona litoral e uma menos grave que é o interior. Mas nós preconizamos que todos devem contribuir, obviamente com tarifas diferentes conforme o risco.

Quanto custaria uma cobertura destas?
Para termos uma ideia, para um capital de reconstrução de 150 mil euros – não é o valor comercial da casa, é o capital de reconstrução médio – estamos a falar de 25 euros por ano até 75 euros por ano, conforme as zonas com menor ou maior risco. 25 euros por ano são 2 euros por mês, obviamente que para algumas famílias até pode ser importante mas nós pensamos que isto podia ser feito de forma faseada ao longo dos anos, por exemplo começando por quem está em propriedade horizontal, onde já é obrigatória a cobertura para incêndio. E, depois, mais tarde, alargar a vivendas, outras zonas do país, etc.

Que tipo de mecanismo é que teria em mente? Como é que iria funcionar?
Poderia ser semelhante ao que está a funcionar em muitos outros países, incluindo países que já sofreram eventos deste tipo, eventos sísmicos importantes, como a Nova Zelândia, há uns anos. Basicamente, os prémios associados a esta cobertura iriam para um fundo e esse fundo iria comprar resseguro internacional para ter condições para, desde o momento zero, acudir numa situação desta. Pelos contactos que fizemos com resseguradores internacionais, no momento-zero poderíamos ter uma capacidade de seis mil milhões de euros para acudir à reconstrução de habitações – uma parte das contribuições iriam para comprar resseguros e outra parte para ir acumulando. O que nós esperamos é que nunca aconteça uma coisa destas…

Mas se acontecer, que riscos é que isso ia trazer, designadamente para os bancos que são credores numa grande percentagem das casas?
Se acontecer, o que nos mostra a experiência noutros países é que numa situação catastrófica é o Estado que é sempre chamado a intervir. Mas o Estado também tem os recursos limitados e a primeira prioridade vai sempre para os serviços e infraestruturas públicas, redes de água, redes de transporte, pistas do aeroporto, hospitais etc. As habitações acabam por ser relegadas para segundo plano e, portanto, aqui o setor segurador pode ter um papel – que é rapidamente fazer chegar fundos às famílias para que possam reconstruir ou resolver a situação de outra forma, o mais rapidamente possível.

Faria sentido especialmente em Lisboa?
Estamos numa zona de grande exposição sísmica, a nível europeu, Lisboa é a segunda cidade com maior risco sísmico na Europa. A primeira é Istambul. Já tivemos sismos importantes no passado, felizmente com periodicidade grande. Mas, por exemplo, em Portugal houve um sismo nos anos 60, com alguma dimensão, que não se falou muito em pleno Estado Novo, a situação foi um pouco abafada, mas houve zonas do país que ficaram muito danificadas.

"Numa situação catastrófica, o Estado também tem os recursos limitados e a primeira prioridade vai sempre para os serviços e infraestruturas públicas, redes de água, redes de transporte, pistas do aeroporto, hospitais etc. As habitações acabam por ser relegadas para segundo plano e, portanto, aqui o setor segurador pode ter um papel."

Como é em Espanha?
Precisamente nessa altura [anos 60] constituíram um fundo deste tipo, o chamado Consorcio Segurador, que começou com o objetivo de apoiar vítimas do terrorismo – a ETA estava muito ativa em Espanha – mas foi alargando o seu âmbito e hoje cobre todo o tipo de catástrofes, seja sismos, incêndios, inundações e o fundo rapidamente passa cheques às famílias para recuperarem dos danos que sofreram. E o fundo está super capitalizado, com 50 anos a ser capitalizado. Nós, em Portugal ainda não conseguimos.

Porquê?
Bem, isto chegou a estar com uma proposta concreta para decisão em Conselho de Ministros em 2009. Eu percebo que o Governo caiu pouco depois, as prioridades passaram a ser outras, mas a verdade é que já se perderam 10 ou 12 anos em que o fundo podia estar constituído e já com alguma capitalização.

Mas não avançou porquê?
As opções políticas foram sendo outras. Nos anos do governo do Dr. Passos Coelho a prioridade era, obviamente, as finanças públicas. A seguir, quando entrou o Dr. António Costa as prioridades também nunca estiveram aí. Porém, há uma novidade interessante que é a de no ano passado ter havido uma resolução do Conselho de Ministros que aprovou uma nova estratégia nacional para a Proteção Civil Preventiva para 2030 – é assim que se chama. Foi aprovada em agosto do ano passado e aí está uma alínea que fala precisamente na criação de um sistema de proteção de riscos catastróficos que inclui o risco sísmico com um calendário para se começar a estudar o tema a partir de 2023. Eu diria que poderá ter entrado na agenda política, dado que entrou num documento oficial, aprovado pelo Governo, pelo que pode haver condições neste momento para se avançar com um fundo deste tipo.

Este risco pode ser, também, um problema para a banca?
A banca teria uma vantagem adicional, porque muitas habitações em propriedade horizontal, os apartamentos das grandes cidades, foram compradas pelas famílias com recurso a crédito à habitação. O crédito à habitação que, depois, tem como garantia a hipoteca do bem imóvel. Obviamente, no caso de uma catástrofe, se este bem desaparecer e não houver uma cobertura de seguro para ela, a banca perde essa garantia e há aqui um risco que obviamente é importante para o sistema financeiro.

Têm falado com os bancos?
Tenho falado com a Associação Portuguesa de Bancos (APB), que é nossa congénere doutra parte do sistema financeiro, e obviamente isto também é do interesse deles e também estão muito conscientes – e apoiam – a necessidade de avançar com um mecanismo destes.

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