Índice
Índice
Não vai ser fácil. Esse é o ponto de partida para os professores quando a pergunta é como que se avalia alunos à distância durante pandemia de Covid-19. Um “bónus” que premeia e não prejudica os alunos é a visão de Maria Emília Brederode, presidente do Conselho Nacional de Educação, para esta avaliação do 3.º período. Já Mário Nogueira, da Fenprof, chama-lhe “especial” e “globalizante”, enquanto João Dias da Silva, da FNE, diz ser necessária para validar o esforço dos alunos, mesmo que vá ser “complexa” para os professores.
A maior dificuldade será avaliar alunos do secundário, acredita Paulo Guinote, professor e autor do blogue O Meu Quintal, já que haverá diferentes modalidades de ensino entre os estudantes do 10.º ao 12.º. Uns estarão em casa, outros na escola para disciplinas sujeitas a exames, outros ainda poderão ficar ensino à distância, se faltarem às aulas por opção dos pais, embora as suas faltas sejam justificadas — um “regresso em modo voluntário à força”, chamou a esta situação o professor de História do 2.º ciclo.
Nas orientações enviadas às escolas pela tutela, na terça-feira passada, lê-se que os estabelecimentos de ensino não estão obrigados à prestação de serviço remoto aos alunos que “não frequentem as aulas presenciais, por manifesta opção dos encarregados de educação”.
Quanto a critérios usados, há unanimidade entre pais, professores e diretores: o esforço tem de ser recompensado e nenhum aluno deve ser castigado com uma má nota por não ter conseguido acompanhar o ensino à distância ou adaptar-se a ele. Pensar em avaliar do modo mais tradicional, segundo a média de dois testes, é uma realidade que tem de ficar para trás.
Esquecer os testes. É preciso avaliação global, formativa e continuada
Do lado dos pais, Jorge Ascenção acredita que a avaliação no 3.º período é possível, desde que haja vontade dos dois lados, da escola e da família. O que tem dúvidas é de que ela possa ser feita da forma mais tradicional. “Por exemplo, fazer um ou dois testes não será possível nestas condições”, defende o presidente da Confap, a confederação das associação de pais. “O professor vai ter de esquecer os testes e avaliar os trabalhos que o aluno faz, a forma como participa na aula à distância, o esforço que lhe dedica.”
Também reconhece que haverá casos em que os pais poderão fazer parte do trabalho dos alunos, subvertendo a lógica de ensino-aprendizagem. “Há sempre quem tenta aproveitar as fragilidades do sistema”, diz Jorge Ascenção, que acredita que os professores saberão distinguir essas situações e fazer os devidos acertos na avaliação.
Seja como for, ela não pode desaparecer. “A avaliação é necessária para validar o esforço dos alunos”, defende João Dias da Silva, da FNE. “Haverá dificuldades, será complexo, mas não se pode ignorar nem este tempo de ensino à distância nem o anterior”, sublinha, dizendo que o Ministério da Educação ainda poderia vir a optar por uma solução mais burocrática, em que todos os alunos transitavam de ano. Mas, frisa, não acredita que seja essa a solução.
O contrário, chumbar todos também não seria solução, diz João Dias da Silva, embora lembre “que não há nada que impeça um aluno de ser retido”.
Certo é que os professores vão ter de fugir à avaliação mais tradicional, reconhece Mário Nogueira. “Será uma avaliação mais globalizante, especial, não apenas do que se passou no 3.º período, mas com ajustes. Os professores têm de recorrer a instrumentos diferentes e estão a fazê-lo”, defende o secretário-geral da Fenprof. O que acredita é que não poderá ser feita nos moldes de anos anteriores. “Os professores saberão que não podem castigar na avaliação quem não tem computador.”
Esse castigo, chamado chumbo, é algo que também o presidente da Confap rejeita. As notas deste último período não podem servir para punir alunos que, por motivos diversos, não conseguiram manter a assiduidade no ensino à distância. “Não creio que os professores vão chumbar os alunos que não conseguiram acompanhar o ensino à distância. Mas também não somos apologistas do facilitismo, de que um aluno passe sem saber.”
A lógica neste momento, lembra o presidente da associação nacional de dirigentes escolares (ANDE), “é tentar ter o menor dano possível”, já que todas as desigualdades sociais que existem nas escolas foram potenciadas. Por isso mesmo, na opinião de Manuel Pereira, o que pode sair prejudicado do ensino à distância não é a avaliação, mas antes a aprendizagem dos alunos, o que os diretores tentam evitar a todo o custo. “Terá sempre de haver bom senso. A avaliação é contínua e continuada. E já foi feita no 1.º e no 2.º período. Para este 3.º período foram encontradas ferramentas diferenciadas e em junho haverá um terceiro momento de avaliação”, garante.
O que for feito agora será também uma lição para o futuro e para o regresso às aulas no próximo ano letivo. “Os professores terão de fazer uma avaliação formativa, determinar os pontos fracos e fortes de cada aluno”, defende o secretário-geral da FNE, num momento em que, para os alunos, “o nível de injustiça é muito forte”. Esta avaliação de diagnóstico será novamente necessária no arrancar do próximo ano letivo para determinar em que ponto cada aluno está, argumenta Dias da Silva.
“Não teremos ilusões sobre este tempo de distanciamento. Algum trabalho vai sendo realizado, por alguns, mas não por todos os alunos, e haverá até os que desaprendem. Os mais novos podem esquecer-se de coisas como posturas, hábitos, até mecanismos de trabalho.” Apesar disto, João Dias da Silva acredita os professores se saberão adaptar à complexidade da avaliação, levando mais em linha de conta o que o aluno fez até 13 de março, antes do fim do ensino presencial.
Secundário será o mais complicado de avaliar
Para Paulo Guinote os termos da avaliação serão diferentes, tratando-se do básico ou do secundário. “No básico, como é o meu caso, estamos fundamentalmente a tentar manter os laços com os miúdos, em especial nas zonas mais carenciadas. Não está equacionado mudar radicalmente a avaliação do último período.”
Na verdade, a avaliação do 2.º período já foi feita como se fosse uma ponderação de 3.º período. “Vai ser usada para subir algumas notas, ninguém está a ponderar descer as notas do aluno por que ele não aparece nas aulas síncronas”, diz o professor de História.
Mais complicado será o ensino secundário em que haverá diferentes modalidades de ensino. Os de 10.º ano continuam em ensino à distância e mesmo entre os estudantes de 11.º e 12.º ano — que a partir de 18 de maio terão aulas presenciais para as disciplinas cujos exames contam para acesso ao ensino superior —, não é certo que todos regressem às escolas.
“A minha mulher é professora do secundário e tem uma aluna que não vai regressar, não por ela, mas porque tem uma irmã com asma. Os pais não vão deixá-la ir e vai perder o direito ao ensino à distância, segundo as orientações da DGESTE, o que é vergonhoso”, afirma Paulo Guinote. Este tipo de situações em que o aluno não vai às aulas presenciais para proteger terceiros não estão acauteladas, lembra o professor, e podem prejudicar a avaliação. Já as faltas serão consideradas justificadas.
“Esta é a parte mais complicada disto tudo. Como é que se procede à avaliação destes alunos? Não estão na escola, mas também não estão no ensino escolar, não é abandono escolar é mais uma recusa escolar”, contesta Paulo Guinote. Reter estes alunos também não será solução.
“Chumbar só se justifica se for para o bem dos alunos”, defende Maria Emília Brederode, presidente do Conselho Nacional de Educação, que acredita que para a maioria dos alunos uma solução seria manter a nota do 2.º período, mas “acrescida de pontos”. Na sua opinião, há três princípios orientadores que devem ser levados em conta, numa altura em que não há “soluções ideais”.
“A avaliação do 3.º período deveria funcionar como um bónus, e não para prejudicar os alunos. Os alunos que compareceram, que trabalharam, devem ser compensados. Os que não apareceram, porque não têm computador, ou outros motivos, não devem ser prejudicados”, diz. Em segundo lugar, a presidente do CNE considera essencial que se deposite confiança nas escolas e que sejam elas a fazer a avaliação final dos seus alunos.
“Por último, acho que podemos pedir grande compreensão e flexibilidade às escolas e aos professores. O mais importante não será se os alunos acompanharam o programa, também é importante ver se outras aprendizagens foram feitas e que até estão previstas no Perfil do Aluno à Saída do Ensino Obrigatório”, conclui Maria Emília Brederode.