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Há 12 anos que O Salto, em Braga, tem um grupo de apoio psicológico para famílias e amigos dos doentes mentais que frequentam a instituição que nasceu em 1999
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Há 12 anos que O Salto, em Braga, tem um grupo de apoio psicológico para famílias e amigos dos doentes mentais que frequentam a instituição que nasceu em 1999

André Rolo / Observador

Há 12 anos que O Salto, em Braga, tem um grupo de apoio psicológico para famílias e amigos dos doentes mentais que frequentam a instituição que nasceu em 1999

André Rolo / Observador

“Será que estou a fazer tudo bem?” Este grupo apoia mães e pais, irmãos e amigos de pessoas com doença mental

Em Braga, há uma associação com um projeto que garante apoio psicológico a familiares e amigos de doentes com esquizofrenia, depressão profunda e perturbação bipolar.

Rosa Angelina sente-se melhor depois das sessões. Sente que a ouvem. Que pode dizer o que sente. O grupo de apoio psicológico a famílias e amigos de pessoas com doença mental que passam os dias da semana no fórum sócio-ocupacional de O Salto – Associação de Apoio à Saúde Mental, em Braga, tornou-se um espaço seguro. De partilha.

Rosa frequenta as sessões há 12 anos, quando foram criadas. A cada três meses — regularidade apenas interrompida durante a pandemia — o grupo encontra-se. A última reunião foi em julho, a próxima será em outubro. À terça-feira à tarde, naquela hora e meia, por vezes, um pouco mais, conta o que sente e escuta o que outras mães, pais, irmãos e amigos de doentes com perturbações mentais têm a dizer. “São momentos de partilha e de conhecimento, falamos de coisas que desconhecemos. Lidamos com os nossos filhos à nossa maneira e as reuniões ajudam a ter ideias novas.”

Esses encontros são importantes. Muito. Rosa Angelina tem um filho de 49 anos que se expressa com dificuldade. Sabe ler e escrever mas o diagnóstico que lhe deram há muito anos foi de um atraso intelectual, cognitivo. A vida dela tem avançado com muitas interrogações. “Será que devo fazer desta maneira? Será que estou a fazer bem? Nós temos muitas dúvidas.” Essas perguntas são colocadas no grupo, conversadas, debatidas. Há várias histórias, experiências diversas, questões comuns. “O que aqui se diz é para ficar aqui. Assim, estamos à vontade para dizer o que quisermos.” O “aqui” é habitualmente a sala de reuniões da associação, o compartimento mais ao fundo de O Salto, instalado no rés-do-chão de um prédio.

Rosa Angelina assiste às sessões do grupo destinado às famílias desde o início, em 2012. São momentos em que partilha o que sentem com outras pessoas que sabem do que está a falar

André Rolo / Observador

Maria Angelina Monteiro também está no grupo desde o início. O filho de 42 anos tem uma esquizofrenia leve. “Aos 18 anos começou a isolar-se, não queria ir para a escola, deixou de ter amigos”, recorda. Levou-o a uma consulta de psicologia, disseram-lhe que tinha de ir à psiquiatria. Andava nervoso, ouvia vozes, chegou a estar internado. Há 12 anos que passa os dias n’O Salto. “É muito bom no teatro. Toma medicação, é autónomo, melhorou muito, melhorou 90% desde que está aqui, nunca mais teve crises.”

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As reuniões ajudam-na a perceber coisas do filho e coisas de si. “O meu filho tem uma doença mental e ainda há um tabu muito grande em relação a isso”, comenta. Por vezes inibe-se de dizer o que o filho tem, sente-se desconfortável, receia que os outros não compreendam o que é a esquizofrenia. O que não acontece nas sessões, em que se sente segura, acolhida, entre gente que sabe do que se está a falar. E a falar, tiram-se dúvidas.

O avanço do calendário é uma preocupação constante. “Como vai ser o futuro do nosso filho quando já não estivermos cá?”, questiona-se vezes sem conta. Esse tem sido um tema abordado no grupo que varia no número de participantes, conforme a disponibilidade. Na última sessão estavam dez familiares, sobretudo mães e pais, alguns amigos. Ao longo dos anos já foram 25, alguns que permanecem, que estão desde a primeira hora.

As sessões duram pelo menos uma hora e meia. Na última estiveram dez pessoas, sobretudo mães e pais, alguns amigos de pessoas com perturbações do foro psiquiátrico. Há muita ansiedade em saber como lidar com filhos, irmãos, amigos. Conversar ajuda a perceber que não estão sozinhos.

Susana Soares Ferreira é a psicóloga que acompanha e dá apoio ao grupo. “A ideia é que as sessões sejam o mais interventivas possível”, explica. Por vezes, tem de quebrar o gelo, lançar uma pergunta para desencadear várias respostas e a conversa fluir entre pessoas que têm medos, aflições, inquietações, questões em comum. Os temas variam, há um plano que pode ou não seguir. Fala, escuta, coloca no centro do debate assuntos que percebe que é importante esmiuçar, como as dificuldades em lidar com a doença mental. “Através do grupo, têm um melhor conhecimento das patologias, dos sintomas. No caso da esquizofrenia, são os cuidadores a identificar os primeiros sinais de descompensação.”

“Estou a fazer bem ao fazer assim?” Incertezas e inquietações

“Estou a fazer bem ao fazer assim?” Esta é uma questão recorrente. O que dizer a quem está deprimido e não sai dessa tristeza? Como agir num surto psicótico? O que falar e não falar perante a partilha de uma obsessão? Fechar ou não fechar a porta do quarto à chave quando há uma crise? Valorizar ou desvalorizar aquele comportamento dentro de casa? São vários os exemplos e as conversas seguem o seu caminho conforme a vontade de quem está no grupo. “As dúvidas do dia a dia são levadas para dentro da sala.” Susana Soares Ferreira nota bastante ansiedade, medos e dúvidas, nas questões que se partilham e que causam impacto no bem-estar de quem cuida: mães, pais, irmãos, amigos. “Perguntam se estão a fazer bem ao fazerem assim. É importante que se sintam num ambiente seguro.”

Maria Angelina Monteiro tem um filho com esquizofrenia com 42 anos, que gosta de teatro. Não falta às reuniões trimestrais, onde fala quando sente vontade. O futuro é uma grande preocupação

André Rolo / Observador

A psicóloga está atenta aos sinais, às incertezas e inseguranças que se leem nas palavras ou nos silêncios. “Há uma procura de validação. Os pais perguntam se estão a fazer o bem, se é a melhor maneira, se resulta ou não resulta. Essa validação é importante para estas pessoas que cuidam o melhor que podem.”

Por vezes, Rosa Angelina sente-se mais tolhida, mais exausta emocionalmente. “Às vezes, há um cansaço, a gente tem muitas dúvidas. Quando estou sozinha, em casa, dou por mim a pensar um bocadinho se estou a fazer tudo bem.” E logo acrescenta: “A gente faz tudo enquanto pode.” Desde os seis meses do filho que anda com ele pelos médicos. Agora é autónomo, vai e volta de autocarro para O Salto, faz boccia, natação, teatro, ginástica. “O meu filho é muito meiguinho”, diz ao contar que ainda ontem lhe tinha oferecido um vaso com uma flor com um pedido de desculpas por uma coisa que tinha feito. Há dias, alguém, fora dali, elogiou-lhe a paciência com aquele homem sem saber que era seu filho. Quando disse, deram-lhe os parabéns duas vezes. “Nesse momento, senti uma alegria tão grande.”

Maria Angelina Monteiro encontra tranquilidade para os apertos no peito. O futuro, por vezes, consome-a por dentro. “Aqui sentimo-nos mais sossegadas, enquanto estamos aqui estamos confiantes.” Rosa Angelina sente o mesmo. Bateu a muitas portas à procura de apoio para o filho até chegar ali. “Procurei em muito lado e todas as portas se fecharam. Ele precisa ser feliz, a vida não pode ser só uma passagem.”

“Através do grupo, têm um melhor conhecimento das patologias, dos sintomas. No caso da esquizofrenia, são os cuidadores a identificar os primeiros sinais de descompensação”, diz Susana Soares Ferreira, a psicóloga que orienta as sessões para famílias.

O autocuidado destas pessoas é um tema que a psicóloga tenta que não passe em claro. “São cuidadores, estão na primeira linha, é fundamental cuidar primeiro deles para conseguirem cuidar dos outros.” Não é uma frase feita, garante, e vai insistindo nesse aspeto. Para as próximas sessões pondera introduzir técnicas de relaxamento. De sessão para sessão, Susana Soares Ferreira pede ao grupo de familiares e amigos que pensem num tema, num problema, numa questão para a reunião seguinte naquela sala ao fundo do corredor.

As instalações da associação não são grandes. Duas salas à esquerda onde decorrem as atividades, uma com uma mesa redonda, outra com uma mesa comprida, alguns trabalhos de pintura colados nas paredes e numa porta de vidro. Corredor à esquerda, sala de refeições no meio, logo a seguir, dois gabinetes, um à esquerda, outro à direita, mais espaço de arrumação,  sala da direção ao fundo. A Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), intervém na área da saúde mental e surgiu em 1999 como um projeto de vida autónoma para pessoas com perturbações do psiquiátricas com o propósito de prevenir a exclusão social, a dependência, a institucionalização. Já recebeu cerca de oitenta utentes.

Susana Soares Ferreira, psicóloga da instituição, tem, por vezes, de quebrar o gelo no grupo. Lança uma pergunta para que surjam respostas que possam ser debatidas

André Rolo / Observador

Neste momento são 15, dez homens e cinco mulheres, dos 40 aos 75 anos. A maioria com esquizofrenia, alguns com depressão severa e perturbação bipolar, estabilizados clinicamente, referenciados pelo departamento de Psiquiatria do Hospital de Braga, agora Unidade Local de Saúde de Braga. Todos os dias, de segunda a sexta, das 9h00 às 17h00, têm coisas para fazer.

A associação tem várias respostas, apoio psicológico para utentes e familiares, supervisão e gestão de medicação, um grupo de leitura e de teatro em que participam voluntários e técnicos da instituição, além de boccia, natação, expressão plástica, leitura e escrita, informática, atividades no exterior, em museus e bibliotecas, relaxamento e expressão corporal. A equipa técnica é constituída por uma psicóloga, uma educadora social, uma assistente social e uma ajudante de ação direta, uma telefonista. O financiamento vem sobretudo da Segurança Social, de donativos e das quotas mensais de um euro dos associados.

Diálogo permanente, apoio “indiscutível”

Pedro Silva é voluntário, doente psicótico, esquizoafectivo. É sócio da associação mas nunca foi utente. Há quase dois anos, todas as semanas, às segundas e quintas de manhã, dedica três a quatro horas do seu tempo aos utentes. “Até certo ponto, sou um cuidador”, admite. Sente que também tem esse papel e fá-lo com gosto, dedicação e carinho “que se tem por doentes numa situação mais complicada do que a minha”. A sua história dá-lhe outro entendimento, outra perceção de quem tem à frente. “Ajuda-me a perceber coisas deles e coisas minhas. Alguns traços deles são também coisas minhas.

É um cuidador especial, doente também, autónomo, integrado socialmente. Na associação, ajuda as técnicas no que é necessário, orienta aulas de informática com noções básicas do word e mostrar motores de buscas, dá uma ajuda na atividade da psicóloga quando ela pede para os utentes escreverem num papel qual foi o melhor e o pior momento no fim de semana. “São doenças com muito estigma, aqui sentem-se seguros”, diz ao defender uma maior atenção para a área do bem-estar emocional e psicológico e a olhar para o exemplo do Canadá — “o Rolex da saúde mental” em todo o mundo, garante.

As reuniões ajudam Maria Angelina Monteiro a perceber melhor as coisas. “O meu filho tem uma doença mental e ainda há um tabu muito grande em relação a isso.” Por vezes inibe-se de dizer o que o filho tem, sente-se desconfortável, receia que os outros não compreendam o que é a esquizofrenia. O que não acontece nas sessões, em que se sente segura, acolhida, entre gente que sabe do que se está a falar. 

José Manuel Machado, presidente da instituição, assegura que o apoio às famílias e cuidadores dos utentes que frequentam a associação é inquestionável. Não poderia ser de outra forma, essa proximidade e esse envolvimento são fundamentais. “É uma forma de estar e uma cultura muito próprias. Estamos sempre em diálogo com a sociedade, com as famílias, com aqueles que rodeiam os nossos utentes.” Um apoio necessário para os dias que passam. Um diálogo construtivo, realça. “Aprendem a viver com a doença. Os problemas psiquiátricos provocam um sofrimento enorme, atroz, nas famílias e nos amigos também.”

Rita Tinoco Bobone é uma das fundadoras da associação. Era assistente social, trabalhava no departamento de Psiquiatria do então Hospital de São Marcos, em Braga, entretanto extinto. Os doentes tinham atividades ocupacionais, a psiquiatria comunitária queria sair da teoria para ser aplicada na prática. “O doente podia e devia viver na comunidade.” Certo dia, uma mãe de um doente perguntou-lhe diretamente onde estava o apoio lá fora. Não havia resposta. “E demos um salto”, recorda. O batismo da associação estava dado.

Pedro Silva é voluntário da instituição, ajuda as técnicas, acompanha as atividades de informática. É esquizoafectivo e a sua história de vida dá-lhe outro entendimento dos doentes

André Rolo / Observador

Na altura, recorda Maria José Tinoco, secretária e voluntária da associação, havia um deserto de respostas na área da saúde mental e quase nenhum apoio. Abriram caminho nesse meio, sem divisões, como acontece no grupo de teatro em que todos participam: elementos da direção, técnicos, doentes. “Para que não haja compartimentos estanques”, explica. Todos ajudam, quem quer participa.

José Manuel Machado revela a vontade de rejuvenescer o corpo diretivo e aumentar o número de voluntários. São cinco neste momento e “têm sido incansáveis e essenciais no apoio na área cultural, na parte recreativa, na ida às consultas”.

Ana, chamemos-lhe assim, tem um irmão com esquizofrenia n’O Salto. É um apoio recente, o pai morreu, o irmão vivia com ele, era necessário dar-lhe estabilidade. “Seria uma violência sair da sua cidade e das suas rotinas.” Os irmãos, distantes fisicamente, reuniram-se para decidir o que fazer. “O Salto foi essencial, arranjou a melhor solução para o nosso irmão”, garante. O irmão tem mais de 50 anos, a doença surgiu durante a adolescência, gosta de ler e de teatro. Passa os dias n’O Salto, as noites noutra instituição da cidade.

José Manuel Machado, presidente da associação, Rita Tinoco Bobone, fundadora da instituição, e Maria José Tinoco, secretária, sublinham a importância de um diálogo construtivo e constante com todos

André Rolo / Observador

Ana pondera participar numa das sessões do grupo de apoio a famílias. A associação enviou-lhe entretanto um guia básico para a família de um doente esquizofrénico e partilhou-o com os irmãos. Já o leu, entendeu como lidar com problemas obsessivos, o que fazer, não mostrar impaciência, não valorizar de mais, não desvalorizar de menos. “Abrem-nos a porta e sentimo-nos em casa. É um apoio sem ser evasivo e estamos à distância de um telefonema. Há uma vontade de fazer mais, diferente e melhor.”

Rosa Angelina e Maria Angelina Monteiro, as duas mães, esperam não faltar à próxima sessão do grupo de familiares e amigos dos utentes da associação bracarense. O que dirão, só elas sabem. “Esta instituição é a nossa ajuda, é o nosso apoio”, assegura Rosa Angelina. Maria Angelina concorda. Na reunião que se segue, talvez volte a falar dos seus medos em relação ao futuro do filho. Logo verá.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

Uma parceria com:

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Com a colaboração de:

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