A Câmara Municipal de Lisboa vai lançar, nos próximos meses, uma app que se vai tornar um “must have” para todos aqueles que vivem ou trabalham na capital portuguesa. A app, que será lançada até ao final do ano, ainda não tem nome. Mas será nessa app que será possível consultar, em tempo real, todas as informações que estão centralizadas na nova Plataforma de Gestão Inteligente das centenas de serviços que existem em Lisboa — e cada pessoa poderá receber notificações relevantes para o seu dia-a-dia, de forma personalizada, desde problemas no trânsito (os dados do Waze, da Google, também vão lá estar) a eventos culturais que estão a acontecer naquele momento.
Neste momento, o projeto está em fase de conceção e desenvolvimento, mas João Tremoceiro não exclui que o lançamento possa acontecer ainda nesta primeira metade de 2019. O diretor do centro de gestão e inteligência urbana em Lisboa, também conhecido como o chief data officer da capital portuguesa, explica que o objetivo é abrir à comunidade, através dessa aplicação “simples e intuitiva”, muitas das informações que alimentam a chamada Plataforma de Gestão Inteligente de Lisboa, criada no verão de 2017 — uma solução tecnológica de monitorização em tempo real da cidade onde o município investiu quase milhão e meio de euros e que foi nomeada para o prémio Smart 50 Awards.
Esta é a plataforma basilar onde assenta a estratégia da capital portuguesa na área das smart cities – uma tendência em que vários municípios, maiores ou mais pequenos, estão a apostar. Em termos simples, trata-se de pensar a cidade (ou a vila) não como um aglomerado desconexo de infraestruturas mas como um ecossistema urbano “vivo” e interligado, onde se dá ênfase ao uso de tecnologias digitais e de partilha automática de informação para servir melhor o cidadão em áreas como a mobilidade, a saúde, a segurança pública e a produtividade — práticas que, segundo um relatório recente da consultora Juniper Research, podem “devolver” ao cidadão até 15 dias por ano em tempo que pode (e deve) ser transformado em tempo de lazer.
“Temos de ser muito mais rápidos na gestão da cidade, temos de ser mais proativos e a câmara precisa de ter dados para gerir a cidade, precisa de os integrar e, depois, precisa de os disponibilizar aos diferentes utilizadores, estejam eles dentro ou fora do âmbito municipal”, comentou João Tremoceiro durante uma conferência em Lisboa, na sede da Altice Portugal (Fórum Picoas), no final de fevereiro — a Smart Cities Tour 2019. A câmara está há cerca de um ano e meio a desenvolver esta plataforma inteligente, que centraliza a informação que é produzida e utilizada pelos “trezentos e tal sistemas de informação que existem e que, até agora, muitos deles eram verticais, não comunicavam. Assim, passam a estar integrados (a enviar e a receber informação) num só sítio”.
Esta informação já se tornou essencial para quem gere a cidade mas, também, uma parte dela pode ser útil para quem a habita ou frequenta. É aqui que entra a nova app para smartphone. À margem da conferência, organizada pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, pela Câmara de Lisboa e pela Nova Cidade – Urban Analytics Lab, o responsável explicou o que vai ser possível fazer, na prática: “as pessoas — sejam, ou não, residentes no concelho — quando se registam podem escolher entre vários itens sobre os quais querem receber informação, designadamente na forma de notificações eletrónicas”.
Segundo explicou João Tremoceiro, será possível ir ao pormenor de, por exemplo, alguém que vive em Alcântara e trabalha em Alvalade receber notificações sobre interrupções de tráfego apenas nesse percurso (e não, por hipótese, na zona do Parque das Nações, que não é tão relevante para o seu dia-a-dia). “Depois, também existe a possibilidade de receber informação de contexto. Ou seja, estou aqui, em determinado ponto geolocalizado da cidade, o que é que está a acontecer perto de mim?”, designadamente eventos culturais.
Ainda se está a definir, exatamente, quais são os dados públicos que irão estar disponíveis na app, mas o responsável sublinha que, do ponto de vista do utilizador, “cada um irá partilhar a informação que quiser, naturalmente”. Claro que, quanto melhor a app “conhecer” o utilizador, mais informação relevante lhe poderá transmitir. Vão estar ligados todos os sistemas internos da câmara e, ainda, cerca de 30 sistemas externos — como, por exemplo, recursos da EMEL ou da Carris, que irão partilhar alguns dos seus dados.
E até quem já se habituou a consultar o Waze (a app da Google) assim que se senta no carro, para perceber qual é o melhor caminho até casa, também poderá passar a usar a aplicação da CML. Isto porque os dados recolhidos por esse serviço — que se baseiam, sobretudo mas não só, naquilo que os condutores reportam — já hoje estão integrados na tal plataforma inteligente à qual, neste momento, só os serviços do município podem aceder. João Tremoceiro considera que existe uma “troca útil de informações entre estas duas partes, sempre protegendo os dados dos cidadãos, é um bom exemplo de colaboração” entre um organismo público — neste caso, um município — e um serviço prestado por uma empresa privada (o Waze, da Google).
O que é a plataforma de gestão inteligente de Lisboa?
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A Plataforma de Gestão Inteligente de Lisboa (PGIL) está, com mais de 150 projetos de 12 países, no grupo de candidatos ao Smart 50 Awards, prémio que distingue os trabalhos mais inovadores e influentes nas áreas da Inovação, Impacto e Sustentabilidade. A entrega dos galardões é no início de abril em Denver, nos EUA.
Distinguida no segmento de Transformação Digital, a PGIL é uma solução tecnológica integradora de diversos sistemas, que permite a monitorização, análise e gestão da cidade de forma mais eficiente e em tempo real. A plataforma gera informação de apoio à decisão, a partir de dados disponibilizados pelos próprios serviços municipais e por entidades parceiras, em áreas como higiene urbana, mobilidade, ambiente ou espaço público.
É, ainda, a infraestrutura informática de suporte ao Centro Operacional Integrado de Lisboa, um centro de operações através do qual o município pretende melhorar a gestão operacional da cidade e otimizar a capacidade de resposta aos problemas do quotidiano.
O objetivo principal é reunir automaticamente informações que hoje estão desconexas ou, pelo menos, são “ligadas” de forma manual, e integrar tudo no mesmo sítio, abrindo-o ao mundo. Um exemplo prático: se uma avenida da cidade é fechada durante algumas horas para a rodagem de um filme, por exemplo, essa informação é automaticamente difundida por todo o sistema, ajudando à tomada de decisão não só por parte dos serviços da câmara (como a recolha de lixo, por exemplo) mas, também, por parte dos cidadãos que estão a circular de carro na cidade e, até, por equipas de emergência.
E, por falar em emergências, outra enorme valência desse sistema de notificações eletrónicas na app, acrescenta João Tremoceiro, é que se cria uma forma de contactar os cidadãos caso exista alguma emergência — de qualquer ordem — numa dada zona da cidade.
Na conferência da Smart Cities Tour, João Tremoceiro deu um exemplo muito simples — mas que faz muita diferença — sobre a forma automática como esta plataforma integrada funciona. Os estabelecimentos de diversão noturna em Lisboa estão equipados com pequenos sensores de nível de ruído e a cada 10 minutos é comunicada uma leitura para a central. Caso exista uma ultrapassagem dos níveis máximos de ruído, o sistema envia automaticamente uma mensagem SMS para o telemóvel do proprietário ou responsável do estabelecimento.
Depois, há um segundo aviso, caso os níveis de ruído continuem a exceder o permitido e, à terceira, o SMS já indica que a Polícia Municipal foi avisada e está a caminho. O ruído à noite “é um problema grande na cidade, que cria muitos transtornos, e recebeu uma grande prioridade”, comentou João Tremoceiro.
A ideia da app é muito simples: “cada pessoa escolhe exatamente a informação que quer partilhar e a informação que quer receber“. E se é fácil perceber a conveniência que esta app pode significar para o cidadão, a informação que este partilha também será muito importante para a câmara — não só para a gestão em tempo real mas, sobretudo, para a criação de um histórico de dados que permita gerir melhor a cidade, com potencialidades preditivas (e não apenas reativas).
João Tremoceiro revelou que, além das ferramentas analíticas que estão já na própria plataforma, será criado brevemente um Laboratório de Dados Urbanos de Lisboa, em que a cidade se irá aliar às universidades para que estas ajudem a, no fundo, transformar dados em conhecimento (sobre os trajetos que as pessoas fazem, os serviços que usam, etc.), incluindo através de ferramentas de inteligência artificial, cada vez mais acessíveis.
Também presente na conferência, Miguel Gaspar, vereador da mobilidade e segurança em Lisboa, enquadrou estas novidades na “obrigação enquanto autarcas de servir melhor os cidadãos, promover a inclusão e o desenvolvimento económico”. E as tendências ligadas às smart cities podem ser decisivas a esse nível porque tornam mais fácil “agir sobre os problemas que a cidade tem, de forma preventiva, e, assim, melhorar para a resiliência dos serviços públicos — como a recolha de lixo, os transportes, a iluminação, etc.“.
Além disso, nesta era digital, Miguel Gaspar diz-se “muito desconfortável com os tempos que a administração pública demora a responder aos cidadãos“. Para mitigar essas ineficiências, para que se acabe com a duplicação ou triplicação de “silos”, é preciso uma mudança de paradigma: “temos de ser cada vez mais personalizados, passámos muito tempo a desenhar soluções para o cidadão médio, mas o cidadão médio não existe. As pessoas são todas diferentes e precisamos de canais para comunicar com elas, adequadas ao seu perfil e às suas necessidades”.
O vereador da mobilidade defendeu que “uma cidade só será verdadeiramente inteligente se não deixar ninguém para trás, desde quem tem horários diferentes do comum, quem tem limitações físicas ou económicas”. E parte da solução para essa necessidade está no dispositivo que todos transportamos no bolso. “Se se consegue fazer tudo no smartphone, porque é que não pode exercer a cidadania através do smartphone?“, perguntou Miguel Gaspar, lembrando, também, que vai sempre haver quem não queira relacionar-se com as novas tecnologias e, também por isso, “o contacto humano vai continuar a ser essencial”.
Smart cities podem “devolver” 15 dias de lazer, por ano, aos cidadãos
As potencialidades das práticas associadas às smart cities estão ilustradas num relatório encomendado pela Intel à Juniper Research. A consultora tentou calcular quanto tempo as tecnologias ligadas às smart cities podem “poupar” aos cidadãos, que passam a poder converter esse tempo em horas de lazer. E chegou a um número: 125 horas por cidadão, por ano, o equivalente a 15 dias de trabalho.
Só na área da mobilidade, é possível poupar 59,5 horas por cidadão, por ano. A necessidade de ir do ponto A até ao ponto B, de casa para o trabalho (por vezes, passando pelo ponto C para deixar os filhos na escola, por exemplo) cria um dos principais desafios para os centros urbanos — a congestão de tráfego, os atrasos, o tempo perdido e o dinheiro gasto tornam-se um pesadelo na vida de muitos cidadãos.
Mas não tem de ser assim: o relatório defende que a aposta em sistemas inteligentes de gestão de tráfego é uma área com potencial enorme: desde logo a gestão dinâmica dos semáforos, isto é, aproveitando os dados sobre os fluxos de trânsito para ajustar, em tempo real, os tempos dos “verdes” e dos “vermelhos”. As cidades já procuram adaptar os semáforos aos fluxos predominantes a cada hora do dia, mas existem novas tecnologias preditivas capazes de “minimizar o tempo que se espera nos sinais vermelhos e tornar mais suave o fluxo de tráfego”, salienta a Juniper Research.
As cidades têm de criar estruturas para recolher dados e para os integrar — o que já é um passo de gigante. Mas não chega: a cidade também tem de estar preparada para disponibilizar esses dados de forma aberta. “Os dados abertos das cidades podem ser utilizados para permitir que as entidades públicas e terceiros possam desenvolver inovação em cima disso”, escreve a Juniper Research, calculando que, com estas tecnologias “os tempos de viagem pendular, diária, podem reduzir-se em até 15%”. A massificação dos micropagamentos cashless (sem dinheiro físico) são outro fator capaz de poupar tempo a quem circula na cidade.
TeleSaúde. Até ir a uma consulta de dentista pode ser à distância
Na área da saúde, poderá ser possível poupar 9,7 horas por cidadão, em média. “A nossa pesquisa demonstrou que nas áreas onde serviços de telemedicina foram aplicados, as taxas de readmisssão de doentes nos hospitais caíram entre 20% e 40%”, escreve a Juniper Research. E outro elemento importante na pesquisa da Juniper está ligado à segurança pública e à resposta a emergências — uma área complexa onde, apesar de tudo, a Juniper calculou uma poupança média de 34,7 horas por cidadão.
Nessa matéria, o exemplo dado foi o da cidade de Nova Iorque, que outrora era conhecida como a “capital dos homicídios” dos EUA e, agora, está entre as cidades mais seguras do país. A tecnologia foi determinante para essa mudança, designadamente o sistema CompStat, uma plataforma que aos olhos de hoje seria primitiva mas que, nos anos 90, permitiu usar dados estatísticos para detetar padrões e agir de forma preventiva. As novas soluções nesta área vão ainda mais longe.
As smart cities podem, também ajudar a democratizar as oportunidades de negócio para o cidadão, num cenário em que se mitigam as ineficiências na administração pública e na regulação empresarial. Essa componente, que a Juniper Research coloca sob o “chapéu” da produtividade, pode “devolver” aos cidadãos 21,2 horas por ano. O estudo da Juniper Research tem uma perspetiva global, mas a julgar pelas palavras do vereador da mobilidade, Miguel Gaspar, na Smart Cities Tour, também em Portugal os “tempos de resposta” da administração pública deixam os autarcas (e os cidadãos) “desconfortáveis”.
No total, estamos a falar de 125 horas que cada cidadão poderá poupar, segundo a estimativa da consultora que tem como clientes “gigantes” como a Intel, a Google e a IBM. Outra forma, equivalente, de dizer o mesmo: mais de 15 dias de trabalho de 8 horas.
Foi, também, neste estudo, que a Juniper elegeu as 20 cidades mais “inteligentes” do mundo, isto é, as que tiveram melhor pontuação nos critérios definidos pela consultora e que referimos acima. Nova Iorque, São Francisco e Chicago são as três cidades norte-americanas no top 5, mas no topo do ranking estão a Cidade de Singapura e Londres. Miguel Gaspar sublinhou que as cidades portuguesas têm de aprender a trabalhar em rede e, por outro lado, tentar “copiar aquilo que os outros fizeram bem — porque copiar não é vergonha nenhuma, é smart“.