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Sónar: a dançar há 30 anos, pela segunda vez a mexer com a Lisboa eletrónica

Começa esta sexta-feira a segunda edição portuguesa de um festival que antes de aqui chegar já adivinhava o futuro cruzado entre música e tecnologia.

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A conversa já tinha passado para a Casa Independente, espaço cultural gerido por Patrícia Craveiro Lopes que é também a diretora do Sónar+D. Os formalismos da conferência de imprensa de antecipação do Sónar Lisboa, que aconteceu no novíssimo restaurante Anfíbio (um edifício envidraçado no Cais da Marinha onde se pode aceder de barco e comer ostras, navalheiras e outros frutos do mar), já tinham sido deixados para trás.

Sentados no exterior, olhando bananeiras de cachos verdes em plena Lisboa, encontrámos Sofia Mestre, uma das artistas confirmadas para esta edição do festival, que nos contava do orgulho que para ela foi ter sido programada para a segunda edição portuguesa. “Eu ia a todos”, diz, lembrando os tempos em que viveu em Barcelona e o Sónar estava ali à mão.

Lá viu Aphex Twin, M.I.A., Daft Punk, LCD Soundsystem, Lê Chic, Jaime Lidell, escutou um pouco de tudo e lançou provavelmente as bases para a sua veia experimental enquanto Clothilde, alter-ego de uma artista que faz música a partir de sintetizadores modulares. No Sónar não a veremos a tocar, mas ouvi-la-emos na banda sonora da exposição “Sediment Nodes”, de Feileacan McCormick e Sofia Crespo.

Lisboa mostrou ser uma “cidade muito óbvia”, diz-nos o diretor de Barcelona, Enric Palau, pela sua “conexão com outras latitudes e outros ritmos”

Umas horas antes, ainda a petiscar uns chipirones no Anfíbio, Gustavo Pereira confidenciava-nos uma paixão semelhante à de Clothilde. Algures em 2004 ou 2005 embarcou numa road trip que tinha como paragem final o Sónar. “Sempre foi uma influência para tudo o que faço”, diz-nos o diretor da edição portuguesa, responsável pela promotora Made Of You. “Para mim, é um modelo de evento a seguir pela estética, pela visão e pela diversidade apresentada no cartaz”.

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Imersão e expansão: o cartaz de 2023

Trazer o Sónar para Portugal era um sonho que se vinha a formar há algum tempo na cabeça de Gustavo. “Há seis, sete anos, fui conhecendo as pessoas que faziam a programação do Sónar Barcelona e começámos a falar sobre a possibilidade de o realizar em Portugal.” A ambição não era de todo infundada: desde 2002 que o festival vem explorando outras geografias, com passagens por Londres, São Paulo, Buenos Aires, Tóquio ou Istambul.

Lisboa acabou por se afigurar como uma “cidade muito óbvia”, diz-nos desta feita o diretor de Barcelona, Enric Palau, pela sua “conexão com outras latitudes e outros ritmos” e por aquilo que essa multiculturalidade confere à dinâmica lisboeta. “Isso é uma característica muito própria da cidade”. Em 2022 tivemos Thundercat, Arca, Richie Hawtin, Floating Points, The Blaze, Bicep e em 2023 teremos “uma série de nomes que podem proporcionar momentos diferentes a quem vai ao Sónar, alguns deles em estreia em Portugal”, refere Gustavo Pereira.

Ana Pacheco, Nigga Fox, Sensible Soccers e Rui Vargas: pequena amostra da variedade nas propostas nacionais em cartaz

Do cartaz fazem parte Chet Faker, em modo DJ set (2 abr., 20h30); Peggy Gou, referência incontornável da club culture (1 abr., 20h); James Holden, que inicia em Portugal a digressão do seu mais recente álbum Imagine This Is A High Dimensional Space Of All Possibilities (2023); Folamour, com um set interativo (1 abr., 17h); Max Cooper, que traz a Lisboa o seu espetáculo imersivo baseado no álbum Unspoken Words (2022) (31 mar., 00h); Kode9, guru do drum’n’bass e do dubstep, que se apresenta lado a lado com Sherelle, uma das grandes promessas do clubbing britânico (1 abr., 19h); ou Lady Shaka, voz da cultura queer e da ancestralidade maori, cujos sets ecléticos são uma celebração da liberdade identitária (2 abr., 18h20).

Dos afters no Maré Alta ao Sónar Lisboa, com paragem em Viana do Castelo

Para agarrar num festival como o Sónar, que já leva 30 edições, e reproduzi-lo noutro país é necessário ter jogo de cintura e lidar com diferentes desafios e sensibilidades, algo para o qual Gustavo Pereira, que começou nesta vida com 17 anos, no Maré Alta, se sentiu capaz.

No mítico after-hours portuense, conta-nos, encontrou todo o tipo de pessoas: “desde a pior personagem ao juiz e ao cirurgião, passando por figuras públicas”. Paulo Gonzo, Rui Reininho, Pedro Abrunhosa e Gisela João foram caras que conheceu naquela pista montada sobre o rio e alguns deles ainda são seus amigos hoje. “Acabou por ser uma experiência muito enriquecedora para mim.”

Seguiram-se passagens pelo Gare, clube que fundou também no Porto, uma paragem no Indústria, anos a organizar o Baile dos Vampiros, a festa de encerramento do Fantasporto, e atuações em gigs internacionais, como a que fez em Amesterdão, na Red Light Radio: “Fui fazer um DJ set e estava um tipo japonês a atuar antes de mim que terminou com uma música dos Ban. Achei que ele tinha deixado a música por eu ser português, mas ele nem sabia que os Ban eram portugueses! Teve piada.”

“Quem tenta reduzir ou marginalizar a música eletrónica não tem sequer ideia do seu potencial. A nível artístico dá-te uma liberdade infinita”, defende Gustavo Pereira, lembrando como o género se foi imiscuindo gradualmente no panorama mainstream.

A maior experiência, porém, viria dos quinze anos a organizar o Neopop, festival de Viana do Castelo por onde já passaram pesos pesados como Kraftwerk, Underworld, Saint Germain, Sven Vath, Richie Hawtin, Nina Kraviz ou Moderat. Falar do universo da música eletrónica e de dança em Portugal é, portanto, falar de Gustavo Pereira.

“Quem tenta reduzir ou marginalizar a música eletrónica não tem sequer ideia do seu potencial. A nível artístico dá-te uma liberdade infinita”, defende, lembrando como o género se foi imiscuindo gradualmente no panorama mainstream. “Sempre esteve muito presente, desde os Pink Floyd aos U2, mas hoje em dia há uma abertura muito maior. As pessoas foram convivendo com essa influência de uma forma muito mais natural”.

Programação nacional: o carimbo de identidade do Sónar Lisboa

Talvez essa naturalidade justifique as 27 mil pessoas que acorreram a Lisboa na edição de 2022 e que, para Enric e Gustavo, foram um indicativo de sucesso da estreia em território português. Este ano repete-se o formato Sónar by Day (14h-22h/02h) e by Night (22h/23h-6h), com os concertos a dividirem-se em dois blocos de horários, no recinto do Parque Eduardo VII.

É aqui, na programação, que o desafio se torna mais exigente para Lisboa: como programar um festival com identidade, sem fugir dos princípios estruturais de Barcelona e sem que se assemelhe a uma cópia genérica de outro qualquer Sónar? A resposta está na programação nacional: “O Sónar já aconteceu em variadíssimas cidades do mundo e há outros tantos festivais que acabam por ter os mesmos nomes internacionais. Se tu tiveres só essa programação a apresentar, acabas por ser apenas mais um festival. Se tu incutires pelo meio projetos nacionais, dás identidade e personalidade”, defende o diretor português.

Esta “camada de talento local” está representada no cartaz através de nomes como os Sensible Soccers, cujo último trabalho, “Manoel” (2021) cruza a música com o cinema de Manoel de Oliveira (2 abr., 19h25); pelo DJ Nigga Fox, figura de proa na fusão entre as influências suburbanas e os ritmos de África com a eletrónica contemporânea e o psicadelismo (1 abr., 18h); pelo rock combinado com kuduro e eletrónica dos Throes + The Shine (1 abr., 05h); pelo underground de MVRIA, programadora do club portuense Passos Manuel (2 abr. 15h30); pelo projeto Amulador, de Pedro Rodrigues, nome experiente da música de dança nacional e um dos membros da dupla Freshkitos (31 mar., 22h); ou pelo veteraníssimo Rui Vargas, que atuará precisamente com Gustavo Pereira, que aqui se despe do fato de programador para assumir o seu alter-ego enquanto DJ Gusta-vo (2 abr., 19h30).

Peggy Gou, James Holden, Kode9 e Sherelle são alguns dos nomes com atuação marcada para a edição deste ano do Sónar Lisboa

“Cada vez que o Sónar viaja pelo mundo, tem em conta a cena e os ecossistemas locais que também alimentam a programação de Barcelona”, explica, desta feita, Enric Palau, lembrando os mais de 50 eventos e as mais de 35 cidades pelas quais o Sónar já passou. “No Brasil, por exemplo, fizemos quatro edições que nos levaram a descobrir o funk carioca e a música experimental brasileira. Nas nossas sete edições em Tóquio criámos uma ligação muito próxima com artistas japoneses como o Ryuichi Sakamoto, o Cornelius (nome artístico do multi-instrumentista Keigo Oyamada) ou o Ryoji Ikeda, que são artistas de referência mundial. Esta rede internacional é muito inspiradora e muito boa.”

A expetativa de Enric e de Gustavo é que Lisboa também entre na rede. “É isso que nos motiva e nos dá prazer e gozo, o de ter esse poder de incluir uma programação de artistas nacionais que podem ser amplificados pelo Sónar e chegar a muitos mais sítios”. Para os dois diretores, é óbvia a continuidade do festival em Lisboa, “uma cidade que grande parte do mundo está a descobrir agora mesmo, incluindo as novas gerações vinculadas à arte e à criatividade”, remata o diretor catalão.

Tecnologia e música eletrónica: “uma espécie de magia que nos eleva da terra”

Em 2022, o público presente no festival era oriundo de 60 países diferentes, com destaque para Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Irlanda, Bélgica, EUA e Países Baixos. Vieram não só pelos concertos, mas pelo Sónar+D, importante segmento experimental da programação que acontece na Estufa Fria.

É lá, entre plantas – talvez os seres mais sensíveis do planeta – que poderemos assistir a “Sediment Nodes”, uma experiência audiovisual que pretende expandir a nossa perceção do mundo através do diálogo entre a tecnologia e a inteligência artificial; e aos espetáculos AV, experiências que cruzam criatividade, música, tecnologia e inovação.

“META”, da compositora, produtora e sound designer espanhola Ana Quiroga e da artista britânico-espanhola Estela Oliva pode ser visto no dia 31 de março. Já “I CHOOSE NOT TO DIE” trará a artista multidisciplinar GLOR1A a Portugal no dia 1 de abril, ela que tem explorado no seu trabalho a sub-representação das mulheres negras na ficção científica e no campo mitológico.

O futuro que o motiva é aquele que um artista qualquer, num qualquer ponto do mundo, está a construir no seu estúdio ou no seu quarto no preciso momento em que falamos. “Não gosto de fazer previsões, prefiro que sejam os artistas a surpreender-nos e a marcar os passos em direção ao futuro que, neste campo, é bastante imprevisível, no bom sentido”.

Este diluir de fronteiras entre a música, a inteligência artificial e a tecnologia está na génese do Sónar. Em 1994, quando tudo se começou a interligar com mais consistência, diz Enric Palau, foi a altura certa para dar início a esta aventura. “Era um momento muito inspirador para se criar um evento pensado para apresentar o presente, onde todas as fronteiras se estavam a romper e a tornar híbridas, e para olhar o futuro”.

O futuro que o motiva é aquele que um artista qualquer, num qualquer ponto do mundo, está a construir no seu estúdio ou no seu quarto no preciso momento em que falamos. “Não gosto de fazer previsões, prefiro que sejam os artistas a surpreender-nos e a marcar os passos em direção ao futuro que, neste campo, é bastante imprevisível, no bom sentido”.

Gustavo Pereira partilha desta inquietude. Tecnologia, para ele, é sinónimo de elevação, “é tu cresceres para coisas que nunca foram feitas antes”. Daí a aposta no Sónar+D e na Plaça de Barcelona, uma novidade desta edição que pretende promover o encontro entre indústrias criativas de Barcelona e de Lisboa.

"Interessa-me quando alguém usa a tecnologia, que aparentemente resultaria numa coisa muito quadrada e previsível, e te surpreende com uma canção, uma música ou com uma peça visual"

Instalada junto à Praça do Marquês de Pombal, esta praça ibérica terá mesas redondas, atividades sobre startups, vídeo gaming, indústrias criativas, gastronomia e economia verde. “É um espaço aberto para debater questões à volta da tecnologia”, resume Enric Palau, retomando o ponto da fluidez e intercâmbio que caracteriza o festival: “Nestes 30 anos de história, o Sónar tem-se hibridado entre a música contemporânea, urbana, clássica ou o jazz. Em todos os momentos, procuramos conexões entre estilos com um eixo comum, a tecnologia”.

Nesta dança entre a tecnologia, arauto do desenvolvimento, e a música eletrónica, o que mais continua a surpreender Enric é a capacidade de um artista, através da sua criatividade, fazer-nos esquecer das próprias ferramentas tecnológicas. “Associo esta sensação a uma palavra usada no flamenco, que é ’duende’. Ter ‘duende’ é quando se produz uma espécie de magia que nos eleva da terra, com uma força indiscritível. Interessa-me quando alguém usa a tecnologia, que aparentemente resultaria numa coisa muito quadrada e previsível, e te surpreende com uma canção, uma música ou com uma peça visual que não é possível analisar de uma forma pautada, que tem ‘duende’.”

No fundo, é essa magia que todos buscamos na arte, consciente ou inconscientemente. Elevarmo-nos para outros planos, apurando a sensibilidade, tal e qual as plantas da Estufa Fria, nos seus movimentos delicados, praticamente invisíveis. Que isso seja feito através de uma linguagem tecnologicamente avançada, aliada ao abstracionismo puro da música eletrónica, tem o seu quê de fantástico. Esperemos que o Sónar Lisboa nos traga dias cheios de duende.

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