Os Kansas City Chiefs, liderados pelo quarterback Patrick Mahomes, disputam este domingo a Super Bowl, a finalíssima da liga de futebol americano, pela quarta vez em cinco anos. E, porque do outro lado estão os San Francisco 49ers, esta será uma reedição da Super Bowl que aconteceu no início de 2020, a poucas semanas do início da pandemia de Covid-19.
Essa finalíssima terminou com uma vitória memorável dos Chiefs, por 31-20, que na altura ganharam a primeira Super Bowl desde a presidência Nixon (1970). Depois de entrarem no último quarter do tempo regulamentar a perder (20-10), Mahomes liderou uma reviravolta implacável, marcando três touchdowns seguidos, sem resposta, e dando a volta ao marcador.
Foi o início da construção de uma dinastia, a primeira desde o fim daquela que foi protagonizada por Tom Brady e os New England Patriots – os mesmos Patriots que, agora sem Brady, vivem uma dura ressaca e se transformaram numa das piores equipas da liga. Depois dessa primeira vitória dos Chiefs, em 2020, no ano seguinte Mahomes voltou a ir à Super Bowl mas, aí, acabou vencido pela veterania de Tom Brady (que foi fazer os últimos dois anos da carreira à solarenga Tampa Bay, na Flórida).
A época depois dessa foi a única, nos últimos cinco anos, em que os Chiefs não marcaram presença na finalíssima (foi em 2022, ano em que os Los Angeles Rams derrotaram os Cincinnati Bengals). Mas logo depois, no início de 2023, Patrick Mahomes estava de volta ao grande jogo – e venceu os Philadelphia Eagles por 38-35, conquistando o seu segundo anel de campeão.
A julgar pelas previsões das casas de apostas, não será este domingo que Patrick Mahomes irá conquistar o seu terceiro anel. A diferença não é grande, mas as casas de apostas estão a dar aos 49ers as melhores probabilidades de vitória – simplesmente porque tiveram um desempenho melhor durante a época regular, garantindo o melhor registo vitórias/derrotas da sua conferência (12 vitórias e 5 derrotas).
Em contraste, os Kansas City Chiefs tiveram uma época regular pouco entusiasmante, com um bom registo de 11 vitórias e 6 derrotas que, apesar de tudo, esconde um pouco o facto de esta ter sido uma época cheia de deceções e dúvidas sobre o rumo da equipa.
Porém, os Chiefs mostraram que, na ultra-competitiva NFL, por vezes a única coisa que importa é garantir vitórias suficientes para não falhar os playoffs. A história recente mostra que, uma vez chegando à fase final, qualquer equipa pode ir até à Super Bowl – basta que não acumule muitas lesões e consiga ficar com a “mão quente” no momento certo.
Mahomes nunca perdeu contra 49ers. San Francisco pode “morrer na praia” pela 3ª vez
Ora, os 49ers parecem estar a fazer o caminho inverso. Tiveram boas fases durante a época regular, mas nos últimos jogos da época e nos playoffs mostraram que são, no mínimo, vencíveis.
Na “semi-final”, San Francisco derrotou a “equipa-surpresa” desta época, os Detroit Lions, apesar de ter ido para o intervalo a perder por 17 pontos. Na segunda metade, os 49ers deram a volta ao marcador e acabaram a vencer 34-31. Porém, apesar da boa recuperação, ficou no ar a ideia de que é uma equipa com vários pontos fracos que poderão ser explorados por uma equipa experiente nestas andanças, como são os Chiefs.
Apesar do que dizem as casas de apostas, há razões para se achar que os Kansas City Chiefs têm boas chances de vencer. Basta lembrar que Mahomes conseguiu neutralizar, nas “semi-finais” de há duas semanas, os Baltimore Ravens, a equipa que a maioria dos analistas considerava ser a melhor da liga. Os mesmos Baltimore Ravens que, aliás, tinham “arrumado”, com relativa facilidade, os 49ers (33-19) num jogo no último 25 de dezembro (dia de Natal).
As estatísticas passadas não importam muito, mas diga-se, também, que Patrick Mahomes nunca perdeu, em toda a sua carreira, um jogo contra os San Francisco 49ers. As três vezes que o quarterback defrontou os 49ers, seja em casa, fora ou em terreno “neutro” (a Super Bowl de 2020), Mahomes terminou todos esses jogos com um sorriso nos lábios.
Se os 49ers não conseguirem acabar com esta série de derrotas contra Mahomes, na Super Bowl deste domingo, isso significará que a equipa de San Francisco terá ido a três Super Bowls no espaço de meros 11 anos – e perdeu todas as três vezes.
Além de terem saído derrotados na já referida Super Bowl de 2020, os 49ers também perderam a finalíssima que aconteceu no início de 2013, contra os Baltimore Ravens, no memorável jogo em que, depois de um halftime show protagonizado pela cantora Beyonce, faltou a luz no estádio, logo no início da segunda parte, durante cerca de meia hora.
As estrelas dos Chiefs: Patrick Mahomes e Travis Kelce
Patrick Mahomes é um fora-de-série que, caso não se tivesse tornado um dos melhores jogadores da liga de futebol americano, provavelmente hoje seria uma vedeta da Major League Baseball (MLB). Praticava os dois desportos, na primeira parte do curso universitário e só numa fase adiantada desse percurso se focou apenas no futebol americano.
Com apenas 28 anos, já foi à Super Bowl três vezes e venceu duas. Se conseguir vencer neste domingo, Mahomes vai igualar o número de anéis de campeão que o lendário Tom Brady já vencera quando tinha sensivelmente a mesma idade (Brady tinha 27 anos em 2005, quando venceu a sua terceira Super Bowl com os Patriots).
O jovem que entusiasmou as bancadas de Texas Tech, uma das principais equipas do futebol universitário, foi o segundo quarterback a ser escolhido no draft de 2017. O primeiro, Mitch Trubisky, tem tido uma carreira incomparavelmente mais discreta. Além da diferença de talento entre os dois, Mahomes também beneficiou de ter chegado à liga sem a pressão que foi imediatamente colocada em cima de Trubisky, para que desde o primeiro dia carregasse às costas os Chicago Bears.
O "draft". Como é que os jogadores jovens entram na NFL?
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A forma mais comum que as equipas da National Football League têm de recrutar novos atletas é através do draft, à semelhança do que acontece em outras ligas como a NBA, de basquetebol, a NHL, de hóquei no gelo e a MLB, de “baseball”. Nos últimos anos, o draft tornou-se um show em si mesmo, normalmente marcado para finais de abril, e é um sucesso de audiências porque é ali que as equipas tomam decisões que vão ser determinantes para o seu futuro.
No caso da NFL, são três dias em que as 32 equipas da liga escolhem, à vez, jogadores vindos das ligas universitárias. No primeiro dia são anunciadas as primeiras 32 escolhas (as picks, assim conhecidas), no segundo dia há uma segunda e uma terceira ronda e, no terceiro dia, uma quarta, quinta, sexta e sétima ronda.
Sete rondas, portanto, sete escolhas. É com esse número de picks que cada equipa parte para cada draft mas uma equipa pode ter mais ou menos escolhas do que sete porque é possível transacionar esses direitos antes (ou, até, durante) os dias do draft. Não há transferências de “passes” de jogadores, a troco de valores monetários, pelo que a forma de recompensar as equipas que aceitam prescindir de jogadores (por transferência) costuma ser através da negociação de draft picks.
O mais importante a saber sobre o draft é que a forma como está concebido é, em si mesmo, um mecanismo de promoção da paridade e competitividade entre as 32 equipas – isto porque as escolhas são atribuídas de forma inversa ao desempenho da equipa na época anterior. Ou seja, em termos simples, a melhor equipa da liga em cada ano (a equipa que ganha a Super Bowl) fica com a 32.ª seleção do draft seguinte em cada uma das rondas. Já a equipa que tiver o registo pior (entre vitórias e derrotas) fica com a ultra-valiosa 1.ª seleção.
Quando o jovem Mahomes chegou a Kansas City, Missouri, a equipa tinha na posição mais importante do jogo Alex Smith – um veterano que teve uma carreira perfeitamente respeitável embora nunca tenha sido mais do que um bom “gestor de jogo”: tinha o mérito de evitar erros comprometedores mas nunca alguém esperou dele qualquer tipo de rasgo súbito de genialidade.
Mahomes teve um ano para se ambientar, um luxo de que nem todos os rookies podem beneficiar. Mas, no final da época, tornou-se claro aos olhos do treinador Andy Reid que o miúdo estava pronto para pegar na equipa. Alex Smith foi cedido, por troca, aos Washington Redskins (onde viria a sofrer uma das lesões mais arrepiantes da história da NFL) e Patrick Mahomes iniciou a época de 2018/2019 como titular.
Logo no ano seguinte, os Chiefs conseguiram mesmo chegar à finalíssima, após uma época em que a equipa só tremeu quando Mahomes passou dois jogos fora por ter deslocado uma rótula. Mas quando muitos admitiam que a época poderia estar comprometida Patrick Mahomes voltou rapidamente ao ativo, voltando a brindar os adeptos com os seus passes com a mão esquerda (não, ele não é canhoto) e, também, inacreditáveis passes em corrida e sem olhar para o colega (à semelhança do que alguns fazem no basquetebol mas, aqui, com um grau de dificuldade infinitamente maior).
O que também foi decisivo para o sucesso de Mahomes, desde que chegou à liga, é que contou sempre com a ajuda de um dos melhores tight ends da história da NFL: Travis Kelce.
Os tight ends são vistos como uma posição menos glamourosa nas equipas ofensivas (normalmente brilham mais os quarterbacks, os wide receivers e, por vezes, os running backs). Porém, na realidade, jogam numa posição em que é necessária uma combinação ainda mais rara de talentos: são atletas a quem se pede que sejam eficazes a bloquear os defesas (protegendo o quarterback em jogadas de passe e abrindo alas para os running backs em jogadas de corrida), mas também devem ser capazes de ser uma arma no jogo de passe, enquanto receivers.
Travis Kelce, ao lado de George Kittle (dos 49ers) e Mark Andrews (dos Ravens), é um dos melhores da NFL e voltou a ser decisivo no jogo da “semi-final” de há duas semanas, contra os Baltimore Ravens. É um pouco mais velho, tem 34 anos, chegou à liga em 2013, mas não tem dado sinais de abrandar. Continua a ser uma estrela no campo de jogo mas nos últimos meses tornou-se, também, uma vedeta fora dele, depois de se tornar pública a relação amorosa com a cantora Taylor Swift.
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As estrelas dos 49ers: Brock Purdy e Christian McCaffrey
Do outro lado, na equipa ofensiva dos 49ers vai estar um running back que chegou à liga no mesmo draft de Patrick Mahomes – foi, aliás, escolhido poucos minutos antes. Mahomes foi a 10.ª escolha desse draft e Christian McCaffrey foi a 8.ª.
Numa era em que os running backs são uma posição um pouco desvalorizada, vistos como facilmente substituíveis, Christian McCaffrey é a exceção. Quem o selecionou, à saída da universidade, foram os Carolina Panthers – um clube que nos últimos anos tem mostrado ser demasiado disfuncional para aproveitar os talentos de McCaffrey.
A meio da época de 2022, os Panthers aceitaram dos 49ers uma proposta de transferência que deu a McCaffrey a oportunidade de, finalmente, jogar por uma equipa com maiores probabilidades de ir até à Super Bowl. Mas a aposta não saiu barata a San Francisco: para “libertar” McCaffrey dos Panthers, os 49ers tiveram de entregar quatro – sim, quatro – escolhas em drafts futuros.
Não foi barato mas foi uma transferência de sucesso para os 49ers – sobretudo porque os Carolina Panthers tiveram de assumir grande parte dos custos salariais do running back mesmo depois de ele ter saído para San Francisco. Na NFL, onde todas as equipas têm de respeitar um teto salarial rígido – o chamado salary cap – esse foi um trunfo enorme que deu aos 49ers flexibilidade para poder rechear a equipa com talentos em outras posições, incluindo os “gigantes” da linha ofensiva que ajudam a abrir “buracos” para McCaffrey aproveitar com o seu estilo de corrida castigador.
Em San Francisco, o running back, que ainda só tem 27 anos, teve sucesso imediato e nesta época foi o atleta com mais jardas totais em toda a NFL (2.023). Além disso, superou o recorde de touchdowns em apenas uma época (27), um recorde que pertencia a uma das velhas glórias dos 49ers, o wide receiver Jerry Rice.
Mas não foi só o contrato favorável de McCaffrey que deu aos 49ers flexibilidade. A equipa de San Francisco também beneficiou de ter, na posição mais valiosa (e cara) do futebol americano, quarterback, um miúdo que ainda está no primeiro contrato da sua carreira: Brock Purdy.
Regra geral, é quando assinam os seus segundos e terceiros contratos que os jogadores da NFL atingem o seu nível salarial mais elevado. No primeiro contrato da carreira, sobretudo desde que foi firmado o acordo coletivo de trabalho que está em vigor, os rookies têm um vencimento anual que depende de apenas uma variável: a posição em que foram escolhidos no draft.
E se a maioria dos quarterbacks de sucesso são escolhidos logo no início do draft, Brock Purdy foi selecionado com a última escolha da última ronda. Sim, no draft de 2022 foram selecionados 261 jogadores antes dele e, por isso, recebeu a alcunha de “Sr. Irrelevante” que é dada, em cada ano, ao último jogador que é escolhido antes de se apagar as luzes.
Essa alcunha continua a ser dada aos últimos jogadores do draft mesmo tendo em conta que há cada vez mais atletas que se tornam bem sucedidos na NFL e nem sequer foram selecionados, em momento algum, nos respetivos drafts a que se candidataram. Foram jogadores que, à saída das faculdades, não foram selecionados mas acabaram por assinar por esta ou aquela equipa que os convidou a virem treinar, à experiência. Mas Brock Purdy, apesar de tudo, não foi um undrafted free agent: foi escolhido na 262.ª posição.
De um “sr. Irrelevante” não se espera muito, como é óbvio. Espera-se pouco mais do que ser um suplente útil, bom de ser ter por perto para o caso de ser necessário tapar algum “buraco”. E acabou por ser necessário tapar um “buraco” chamado Jimmy Garoppolo, o quarterback que tinha levado os 49ers à Super Bowl jogada no início de 2020 mas que nunca conseguiu transformar os 49ers num verdadeiro portento.
Garoppolo recorde-se, é o quarterback que foi vários anos suplente de Tom Brady nos Patriots e, só por isso, tem dois anéis de campeão no currículo (mesmo sem ter jogado).
Atormentado por lesões e desempenhos dececionantes, nada condicentes com o seu contrato milionário, Jimmy Garoppolo acabou por ser enviado para Las Vegas (para os Raiders) e, a meio da época passada, o treinador Kyle Shanahan deu uma oportunidade a Brock Purdy, o miúdo que foi subestimado à saída da universidade por causa do diminuto porte físico mas que vinha mostrando, nos treinos, que não era uma opção pior do que Garoppolo. E, não sendo uma opção pior, era certamente uma opção mais barata, pelo que era, então, a opção melhor.
Nem sempre acontece, mas no caso de Purdy os bons treinos à semana traduziram-se, mesmo, em bons jogos ao domingo. Logo nessa primeira época, em que passou a titular a meio do ano, o “Sr. Irrelevante” foi, afinal, capaz de levar os 49ers à “semi-final” no ano passado e, agora, chegou à Super Bowl.
Mesmo não sendo o prototípico quarterback espadaúdo, Brock Purdy impressiona pela calma e frieza que mostra ter em campo, mesmo quando a defesa lhe está a conseguir complicar a vida. “Nada nele merece especial destaque, em termos físicos, mas é um bom jogador, consistente, e isso, muitas vezes, é mais importante do que altura, peso ou velocidade”, disse Bradley Roby, defesa dos Philadelphia Eagles, à NBC.
“Ele tem coisas que não são passíveis de ser medidas. Não é possível medir a coragem, a compostura, a capacidade de fugir aos defesas quando a proteção da linha ofensiva se esgota – e não se consegue medir a capacidade de ser um bom líder”, acrescentou o defesa dos Eagles. Como titular, no total, Purdy deu 21 vitórias aos 49ers e apenas teve cinco derrotas – nada mau para o “Sr. Irrelevante”.