No seu discurso de Ano Novo, o Presidente chinês, Xi Jinping, reiterou a ideia de que a reunificação entre a China continental e Taiwan é uma “inevitabilidade histórica”. “Compatriotas dos dois lados do Estreito de Taiwan devem estar ligados pelo mesmo propósito e para partilhar a glória do rejuvenescimento da nação chinesa”, afirmou o Chefe de Estado. Ora, atingir aquela ambição por meios pacíficos tornou-se mais difícil este sábado, após a vitória de Lai Ching-te, candidato pró-Ocidente e pró-independência, nas eleições presidenciais taiwanesas, com mais de 40% dos votos.
Com a vitória, Lai Ching-te anunciou a abertura de um “novo capítulo” em Taiwan, território que, segundo o político de 64 anos, “estima a democracia”. “Queremos dizer à comunidade internacional que, entre a democracia e autoritarismo, vamos estar ao lado da democracia. Taiwan vai continuar ao lado das democracias em todo o mundo”, sublinhou o presidente do Partido Democrático Progressista, naquilo que terá sido uma alusão ao regime autocrata chinês.
Apesar de ser um “novo capítulo” para Taiwan, o Presidente eleito deixou bem claro que é a favor da “manutenção do status quo”. Dito doutro modo, Lai Ching-te quer manter a situação da autonomia da ilha inalterada, não avançando com nenhum plano de cariz independentista, apesar de se ter definido, há uns anos, como um “trabalhador incansável para a independência de Taiwan”.
Após tomar posse a 20 de maio, o presidente do Partido Democrático Progressista lembrou que assumirá uma “responsabilidade importante”: garantir a “paz e estabilidade no estreito de Taiwan”. Como tal, Lai Ching-te promete manter boas relações com o regime chinês, desde que Pequim também trate com “dignidade e paridade” Taipei. Embora mantendo um esforço de mediação, o responsável político quis deixar um recado às autoridades chinesas: “Vamos salvaguardar Taiwan de qualquer intimidação e ameaça da China.”
E não foi a única farpa do discurso de vitória dirigida à China, uma vez que Lai Ching-te disse que o povo de Taiwan “resistiu com sucesso aos esforços das forças externas para influenciar estas eleições”. “Só nós podemos definir o nosso futuro”, vincou.
Até ao momento, Pequim ainda não reagiu oficialmente aos resultados das eleições taiwanesas. Por todo o contexto de escalada de tensões em que ocorreram estas eleições, as atenções estão viradas para as palavras que os dirigentes chineses usarão para avaliar o resultado eleitoral, que deverão definir a abordagem que o país adotará em relação a Taiwan. Uma coisa é certa: o Presidente chinês não vai desistir de juntar a antiga Ilha da Formosa, assim batizada por Portugal — que outrora pertenceu ao Japão e que voltou à tutela chinesa após a Segunda Guerra Mundial e para onde fugiram todos aqueles que se opuseram à revolução e as políticas de Mao Tsé-Tung — à restante China.
Invasão, tensão ou paz? Os cenários para os tempos que se seguem
Uma vez que ainda não houve um pronunciamento oficial por parte do regime chinês, é difícil saber como é que o Partido Comunista reage ao que pode ser considerado uma espécie de afronta. Ainda assim, essa reação reduz-se a três cenários possíveis: ou as tensões diminuem, ou a situação permanece como está ou agrava-se.
A diminuição das tensões é uma hipótese bastante longínqua, por conta das declarações feitas antes das eleições por parte dos dirigentes chineses. Um porta-voz do gabinete chinês responsável pelas relações com a ilha, Chen Binhua, antecipou que, se Lai Ching-te chegar ao poder, vai “continuar a promover as atividades separatistas”, o que representaria um “perigo sério” para o futuro da região. O mesmo responsável político da China notou que o presidente Partido Democrático Progressista está a “empurrar” o território “para a beira da guerra”.
Tendo reiterado esta ideia no discurso da vitória deste sábado, Lai Ching-te já tinha dito durante a campanha que procurará manter relações cordiais com a China, defendendo apenas a autonomia de Taiwan face a Pequim. Mas nem isso descansou as autoridades chinesas, que repetiram por várias vezes que “esmagariam” qualquer plano de independência da região.
Fica agora no ar se este discurso mais extremo servia apenas para causar pânico antes das eleições — motivando o eleitorado a votar no candidato pró-Pequim, Hou Yu-ih, pertencente ao Partido Nacionalista Chinês —, ou se esta retórica mais inflamada vai continuar nos próximos tempos. De todos os modos, a diminuição das tensões será difícil de concretizar, pelo menos neste momento.
Durante a campanha, Lai Ching-te enfatizou que vai seguir as políticas da Presidente demissionária de Taiwan, Tsai Ing-wen. Isto é: o fortalecimento da defesa da ilha para evitar um ataque chinês, a manutenção de relações mínimas com a China continental e uma política externa virada para os países do Ocidente, principalmente para os Estados Unidos.
Materializando-se esta continuidade política, a relação entre Pequim e Taipei deverá ficar mais ou menos igual. Por outras palavras, um estado de tensão permanente no estreito de Taiwan — com algumas provocações mútuas —, ainda que um conflito direto esteja fora de hipótese. Ainda assim, esta atmosfera traria instabilidade à região, uma vez que este frágil equilíbrio poderia a qualquer momento transformar-se num conflito aberto.
Nessa hipótese mais pessimista, a China invadiria Taiwan. O discurso público de Pequim não dá margens para dúvidas de que o regime chinês quer uma reunificação (nem que seja forçada). Mas isso justificará uma guerra? A curto prazo, os analistas não acreditam que isso deverá acontecer. Amanda Hsiao, especialista do think tank International Crisis Group, aponta à CNN internacional que um “conflito é improvável” nos próximos meses. “Mas se houvesse um, as ramificações seriam sentidas em termos globais.”
Uma guerra total pode estar longe. Mas isso não significa que Pequim não responde com medidas subversivas. Assim, a curto prazo, Wen-ti Sung, membro do think tank Atlantic Council, preconiza, à mesma estação televisiva, que o regime chinês vai intensificar “a retórica diplomática crítica da administração do Partido Democrático Progressista, as sanções económicas, assim como atividades militares mais intensas em áreas cinzentas como forma de mostrar o descontentamento de Pequim.” Seria, assim, uma espécie de guerra híbrida, que poderia escalar, não obstante, a qualquer momento.
As reações frias dos grandes aliados de Taiwan
Na comunidade internacional, em que apenas 13 países reconhecem a independência de Taiwan, as reações foram chegando timidamente, ainda que Lai Ching-te tenha sublinhado que se tratou de uma vitória das democracias. A União Europeia, pela voz do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, saudou a realização de eleições presidenciais na ilha, felicitando “todos os eleitores que participaram no exercício democrático”, mas sem nunca mencionar o nome de Lai Ching-te.
A União Europeia não deixou de abordar as tensões entre Taipei e Pequim, manifestando-se “preocupada” com as “crescentes tensões no Estreito de Taiwan”. E esclareceu que se opõe a “qualquer tentativa unilateral para alterar o status quo”, fechando a porta a qualquer apoio de Bruxelas à independência da ilha.
Os Estados Unidos, o maior aliado de Taiwan, que tem entregado armamento à ilha, foram um pouco mais entusiastas. Washington mencionou diretamente Lai Ching-te, felicitando-o “pela vitória nas eleições presidenciais”. “Felicitamos igualmente o povo de Taiwan por ter demonstrado uma vez mais a força do seu sistema democrático e do seu sólido processo eleitoral”, declarou em comunicado Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano.
Sobre a independência de Taiwan, foi o Presidente norte-americano, Joe Biden, quem deu a conhecer com mais detalhe a posição da Casa Branca. “Não apoiamos a independência”, garantiu o Chefe de Estado, em linha com o facto de os Estados Unidos não reconhecerem Taiwan como um Estado e considerarem a República Popular da China como o único governo legítimo.
Uma possível guerra na Ásia, motivada pela tentativa da independência de Taiwan, seria um cenário completamente evitável para Joe Biden. Como escreve o jornal Le Corriere, o Presidente dos Estados Unidos está em campanha eleitoral e já tem duas guerras para gerir — na Ucrânia e em Gaza — que motivam críticas de vários setores da sociedade norte-americana. Mais um conflito seria uma dor de cabeça para o democrata, que, pelas ações recentes, parece desejar evitar esta possibilidade.
Em sentido inverso aos Estados Unidos e à União Europeia, a Rússia não reagiu à vitória de Lai Ching-te. O Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, apenas referiu que Moscovo reconhece apenas o governo de Pequim, não concedendo legitimidade ao ato eleitoral na ilha.
Lai Ching-te: o filho do pai mineiro e médico que chega a Presidente
Nascido em 1959 numa aldeia no nordeste de Taiwan, Lai Ching-te estudou Medicina, apesar das suas origens humildes. O pai, mineiro de profissão, morreu quando ele era criança, o que obrigou a mãe a sustentar uma família de sete sozinha. As recordações da infância fazem com que tenha ganhado “simpatia por pessoas com poucos rendimentos e minorias”. Após ter concluído o ensino obrigatório, o homem de agora 64 anos estudou para ser médico, profissão na qual se especializou em lesões na medula espinhal.
Nos anos 90, aproximou-se da política e, desde aí, assumiu vários cargos. Associou-se sempre ao Partido Democrático Progressista, pelo qual foi autarca da cidade de Tainan, chegou a vice-presidente, apoiando Tsai Ing-wen e agora ao cargo de Chefe de Estado eleito. Por todas as funções que desempenhou, o político assumiu sempre um estilo simpático e gentil nas ruas e a falar em público, mesmo que apresentando ideias separatistas.