“Boa noite a todos e a todas”. O banal cumprimento de Marta Temido no início de uma sessão socialista em Lisboa foi suficiente para a sala explodir num expressivo aplauso que até obrigou a ex-ministra da Saúde a repetir o arranque da intervenção. O entusiasmo foi registado por alguns dos socialistas que estavam na sala, mas também entre os que veem o potencial eleitoral de Temido. As autárquicas são só em 2025, mas os nomes de possíveis candidatos começam a circular, com a hipótese da ex-ministra a surgir também no topo do PS.
“É uma boa hipótese pela posição e notoriedade que tem”, aponta um alto dirigente quando confrontado com o nome de Temido para Lisboa em 2025. “Pode ser muita coisa, tem um capital próprio muito grande”, diz outro dirigente. Por agora, aponta-se no partido, Temido “tem de dar corda aos sapatos, como outras e outros”, ainda que também se recorde que ainda falta muito tempo para esse combate.
O congresso do partido ainda não está marcado, mas a intenção é que se realize no fim de semana de 8, 9 e 10 de setembro (ainda está dependente da marcação das Regionais da Madeira pelo Presidente da República), mesmo na rentrée política e já com a intenção de “refrescar o PS para o período seguinte que inclui as autárquicas e outras eleições”, adianta um alto dirigente do partido.
É natural que, nesse momento, António Costa possa testar com o partido nomes que podem ir à luta autárquica de 2025 (não tem mais nenhum congresso antes disso) e Lisboa é um ponto importante, tendo em conta a perda traumática de 2021, quando Fernando Medina perdeu a autarquia para Carlos Moedas e o PSD.
Entre outubro e fevereiro, apenas três meses, Marta Temido passou de surpreendente número dois da lista à concelhia de Lisboa para a número um, depois da saída de Davide Amado na sequência de um caso de justiça. E de repente passou a ganhar corpo a hipótese de uma candidatura, quando até aqui (exceto uma resposta evasiva a Manuel Luís Goucha em novembro) só se falava de Duarte Cordeiro, o líder do PS-Lisboa que é atualmente ministro do Ambiente.
O preferido pela estrutura (ainda) está no Governo
Duarte Cordeiro é líder da Federação da Área Urbana de Lisboa desde 2018, depois de ter liderado a concelhia durante seis anos, e entre o PS lisboeta diz-se que é tão popular na estrutura que “ganhava uma eleição até para presidir ao condomínio. Votavam nele para qualquer coisa”, afirma um elemento do partido. Outra coisa é saber se está disponível nessa altura — e ninguém o pode garantir.
As candidaturas deverão a começar a ser pensadas durante o próximo ano, para serem apresentadas na primeira metade de 2025 — tem sido, pelo menos, esta a prática. Nessa altura, o atual Governo (se tudo correr como o previsto) ainda estará em funções e Duarte Cordeiro estará no papel de ministro.
“Estará ocupado e só estará menos ocupado se for necessário“, diz um socialista. “Se ele quiser, é ele o candidato”, garante outro socialista também próximo do líder da distrital.
Aqui entram os cálculos eleitorais. “Se Moedas voltar a ser o candidato do PSD é mais difícil. Estatisticamente quem está no primeiro mandato não perde eleições”, atira um socialista que considera mais arriscado tirar Duarte Cordeiro do Governo sem ter a certeza de que há real possibilidade de ganhar a importante eleição em Lisboa.
Os trunfos de Marta
Marta Temido ganha vantagem neste contexto, já que está livre: fora do Governo, a desempenhar funções como deputada e a liderar (inesperadamente) a concelhia de Lisboa — mesmo quando se garante, no partido, que isso não é um passaporte direto para uma candidatura à Câmara.
Certo é que nunca avançaria num cenário de confronto com Duarte Cordeiro, asseguram os socialistas ouvidos pelo Observador. “Marta Temido foi para número dois da lista da concelhia muito alinhada com Duarte Cordeiro. Não será uma questão para alimentar concorrência“, assegura um socialista.
A capacidade de mobilização na rua de Marta Temido é reconhecida no partido que, nas últimas autárquicas, usou a ministra como chamariz em vários momentos. Os candidatos do PS nessas autárquicas tentavam aproveitar o capital político de Marta Temido acumulado durante a pandemia, numa altura em que os confinamentos mais apertados já eram passado e a ministra surgia como o rosto de toda essa gestão. E agora há quem continue a reconhecer-lhe uma “capacidade de gerar empatia” que poderia ser novamente usada como trunfo em 2025.
Marta Temido: o trunfo eleitoral que os autarcas do PS não dispensam
Além disso, a ex-ministra não tem fugido ao combate político depois da saída do Governo, apesar de se ter demitido muito desgastada. “Normalmente os ex-ministros assumem um papel mais discreto e ela é seguramente das deputadas mais influentes, com uma intervenção regular. Demonstra inteligência e tacto político”, nota um deputado.
Um dos exemplos que tem sido apontado como prova disso é a curta intervenção que fez na tal sessão de Lisboa, onde o Governo foi apresentar o pacote legislativo da habitação aos socialistas. Num par de minutos, Marta Temido pediu “equilíbrio” e que o PS não se “deixe entrincheirar” nesta reforma.
Dias depois, em entrevista à SIC, tentou desmontar a ideia de ser uma figura à esquerda, apontando a sua capacidade de pôr a trabalhar em conjunto o público e os privados — um receio que os socialistas agora mostram sobre a reforma da habitação. “Os operadores privados e do setor social foram essenciais para a resposta à pandemia”, disse Temido depois de questionado se tinha prescindido dos privados na pandemia. “É a esquerda pragmática“, elogia um deputado do PS.
Nem todos pensam da mesma maneira. O antecessor de Temido na Saúde, Adalberto Campos Fernandes, viu esta “mudança de agulha” com os privados como uma prova de que Marta Temido “quer viver da política” e de estar apenas a servir “interesses políticos pessoais”.
PS teme ideia de guerra com privados na habitação. Ministra promete incluir todos
Uma linha que mostra preocupação com a sua imagem política, dando corpo à suspeita de ter ambições para o futuro. Na mesma entrevista televisiva, a ex-ministra foi confrontada com a possibilidade de vir a ser candidata do PS em Lisboa e não a descartou. Primeiro começou por dizer que era cedo, mas acabou por assumir que estar na liderança da concelhia pode catapultá-la para essa frente: “É uma circunstância que pode acontecer”.
Esta é uma formulação muito parecida com a que tinha utilizado no último congresso do PS, quando confrontada com a possibilidade de vir a liderar o partido no futuro. O líder socialista tinha dito, em entrevista à rádio Observador, não descartar o seu nome para essa corrida e, mesmo antes de Costa vir dizer que se tinha tratado de uma “ironia”, já Temido dizia aos jornalistas que “o futuro é uma coisa que é sempre ampla e nunca se sabe o que nos pode trazer”.
Marta Temido agarrava a oportunidade num palco onde foi especialmente saudada pelos socialistas. Aliás, foi nesse dia que recebeu o cartão de militante do PS e foi também aí que escolheu fazer a sua militância em Lisboa, apesar de ter sido cabeça de lista por Coimbra nas legislativas de 2019 e, depois, também nas de 2022.
Se dessa vez era “ironia”, agora o nome de Temido é levado mais a sério quando se fazem contas para o futuro. E no programa Vichyssoise, na rádio Observador, o número quatro da concelhia de Lisboa lançou-a como “hipótese inevitável”, notando que foi “esclarecedora” a escolha de Temido para militar no partido por Lisboa. Pedro Costa foi o primeiro a verbalizar a possibilidade desta candidatura e trata-se de um socialista fiel a Duarte Cordeiro, a figura que até aqui tinha sido mais apontada à candidatura de 2025.
Ainda que as autárquicas estejam a mais de dois anos de distância, a hipótese Marta Temido já veio merecer uma reação do atual presidente da Câmara de Lisboa. Carlos Moedas foi questionado sobre esse cenário e atacou a ex-ministra. “A única coisa que conheço de Marta Temido é o seu papel enquanto ministra da Saúde e o que vemos é que há quase um milhão e meio de portugueses que não tem médico de família”. Moedas já está no ataque a Temido, antecipando aquele que até pode ser um confronto mais direto em 2025.