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Cátia Bruno/Observador

Cátia Bruno/Observador

"Temos sempre este impulso de querer cortar a cabeça ao Rei." No coração do macronismo em Paris, nem a vitória de "les bleus" serve de ânimo

No bairro de Paris onde o partido de Macron tem bons resultados, muitos juntaram-se para assistir ao jogo da seleção, na ressaca da noite eleitoral. Mas o fantasma da política entranha-se.

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Faltam menos de dez minutos para o apito inicial do França-Bélgica e o Heure Sup’ ainda está meio vazio. Não por falta de esforço dos proprietários: Sandra e Marco, franceses de origem portuguesa com raízes em Leiria, tudo fazem para motivar os fregueses a juntarem-se para apoiar a seleção francesa. Estão vestidos a rigor com o equipamento de les bleustêm bandeiras por todo o lado e sorriem a qualquer cliente que chegue para ver o jogo. O ânimo destes é que, neste primeiro dia após as legislativas, não parece elevado.

“Tenho esperança. Sou um otimista.” É assim que Léo, um cliente de  31 anos que ali está para assistir ao jogo enquanto espera pelos amigos, se refere quer ao encontro de futebol contra os belgas, quer aos resultados da segunda volta do próximo domingo. Estamos no 15éme arrondissement, aquilo a que se pode chamar de “coração do macronismo” dentro de Paris, que pertence ao 13.º círculo eleitoral da capital.

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Macron com David Amiel (à direita), o candidato que parte em primeiro lugar nesta segunda volta no círculo eleitoral de onde faz parte o 15ème arrondissement

POOL/AFP via Getty Images

A tendência este domingo não foi diferente aqui, com o candidato macronista David Amiel a ficar em primeiro lugar com quase 40% dos votos — mas a não conseguir impedir uma segunda volta, contra a candidata da Frente Popular, Aminata Niakaté, dos Verdes. Triangulações, essas, estão fora de jogo: apesar de a candidata da União Nacional ter obtido 14% dos votos (acima dos 12,5% mínimos exigidos), tendo em conta o número de eleitores que votaram não foi o suficiente para ir a jogo na segunda volta. E o macronismo deve seguir impávido em direção à eleição de mais um deputado neste bairro de Saint Lambert.

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Enquanto Mbappé aperta a mão dos belgas, a defesa intransigente de Macron — e as culpas na esquerda pelo crescimento da extrema-direita

Léo, cujo fato e o iPhone denunciam o trabalho na área da finança, explica ao Observador como o resultado não surpreende ali: “É sempre assim: o leste de Paris vota na esquerda, o oeste mais à direita”, resume. Defende a ideia de que, em caso de triangulações, o importante deve ser “fazer a coisa certa”: travar a União Nacional.

Mas, à semelhança do Presidente, admite as suas reservas com as posições de alguns candidatos da França Insubmissa de Jéan-Luc Mélenchon, nomeadamente em temas de política externa como a guerra na Ucrânia. “Entre a UN e a FI é difícil decidir. Mas diria que a UN é a pior solução”, acaba por dizer. Felizmente, acrescenta, não terá de tomar essa decisão: vive no 6ème arrondissement onde a escolha na segunda volta será entre uma socialista, um candidato do Renascença de Macron e um dissidente do partido.

Paris é uma bolha, como Nova Iorque ou Londres”, admite Léo, enquanto os onze iniciais vão sendo apresentados nos vários ecrãs do bar Heure Sup’. O resto do país é outra história que explica a vitória deste domingo da União Nacional, acrescenta. E este macronista convicto não hesita em atirar algumas culpas para a esquerda: “Tem uma grande responsabilidade. Perderam o seu eleitorado, quem vota em Bardella são muitos dos seus antigos eleitores.”

Inicialmente vazio, o bar foi enchendo à medida que as oportunidades de golo da França se multiplicavam

Contra Macron, nem uma crítica a fazer, apesar do resultado desastroso da véspera que fez o Renascença perder dezenas de deputados. “Há aqui algo muito francês”, diz o jovem, antes de dar um golo na cerveja que tem à frente. “Ao início, um Presidente é sempre muito popular. Depois perde essa popularidade. Foi assim com Sarkozy, com Hollande, agora com Macron. Temos sempre este impulso de querer cortar a cabeça ao Rei.”

As perspetivas para o jogo contra a Bélgica, que se avizinha em cinco minutos, são mais animadoras do que as do futuro do país, afirma: ou haverá uma coabitação difícil entre Macron e Bardella — “podemos ter um primeiro-ministro ditador ou pelo menos anti-democrata” — ou uma maioria que ninguém sabe qual será exatamente na Assembleia Nacional. Mas as expectativas para o encontro com os “diables rouges” também não estão altas. “Vai ser difícil”, reconhece. Mas, uma vez mais, apesar do “desânimo” e “choque” que diz sentir, mantém-se sempre “um otimista”.

Marchons, Marchons”, mas só pelo futebol — e quando a seleção está a vencer

Nas televisões, os comentadores vão falando num jogo entre “dois melhores amigos que se enfrentam, les bleus et les diables rouges”. Situação muito diferente das duas Franças que se defrontam nesta campanha, como havia notado o jovem empresário: os centros urbanos contra la provence do país.

Cantado o hino belga, chega a vez de A Marselhesa, mas os espectadores — talvez ainda abananados pelas eleições — não parecem entusiasmados. Sandra e Marco, os donos do espaço, fazem a festa sozinhos. Ela toca um sino escondido estrategicamente atrás de uma bandeira francesa, por trás do balcão, para avisar que é altura de cantar o hino. Marco canta a plenos pulmões “Allons enfant de la patrie/ Le jour de gloire est arrivé!”. Mas ninguém se levanta ou leva a mão ao peito, nem mesmo os grupos mais animados: o de Léo, a que se juntaram quatro amigos, ou o grupo de três homens mais velhos que ocuparam o lugar na primeira bancada — leia-se, no sofá mais próximo do melhor ecrã, com vista premium.

Por trás do balcão do Heure Sup', uma bandeira francesa esconde um sino que é tocado antes de ser cantado o hino nacional

Cátia Bruno/Observador

O jogo começa morno e a audiência não mostra grandes emoções. Mas, à medida que Mbappé, Griezmann e companhia vão falhando oportunidades de golo, as línguas vão-se soltando, ajudadas pelas rodadas de cerveja. Putain!“, grita em voz alta um cliente de meia-idade que está sozinho a ver o jogo quando Rabiot é amarelado, do seu ponto de vista injustamente. Repetem-se os “oooohs”, “uuuhs” e “aaahs” perante remates falhados, ameaças do adversários e defesas bem conseguidas.

As táticas do treinador Didier Deschamps vão sendo discutidas com tanto detalhe como as estratégias de triangulação o eram na noite passada.

— “Isto só com dois avançados não vai lá…”, comenta Marco com o cliente que soltou a asneira.
— “Tens o Griezmann…”, responde o francês.
— “O Griezmann não é avançado”, decreta Marco.

Quando finalmente surge o golo, já perto do final do encontro (mas prevenindo o prolongamento), os donos do bar dão tudo por tudo. O sino volta a tocar e explodem confetti com as cores da bandeira nacional. A multidão já está solta, longe do silêncio inicial e festeja bem alto. É só aguentar mais 10 minutos e a França está nos quartos-de-final, onde —não se sabia ainda, mas no Heure Sup’ já se suspeitava — irá defrontar Portugal e, por algum tempo, a política foi esquecida.

Aos 89 minutos, Marco pega no microfone e volta a entoar o hino nacional. Desta vez, o coro forma-se rapidamente. “Aux armes, citoyens! Formez vos bataillons!”, apela. Marchons! Marchons!”, respondem os já alegres clientes, preenchendo os últimos minutos da partida. O desânimo inicial foi-se e tudo está bem quando acaba bem. Pelo menos no mundo do futebol.

As “duas Franças” que podem ficar “à beira da guerra civil”

Na política, porém, nem tudo é assim tão simples. Que o diga Laurent, consultor ambiental, que aproveita a primeira oportunidade após o fim do jogo para falar sobre o tema da eleição da véspera. “Macron é o pior. Convocar esta eleição foi de loucos, não vejo como podemos voltar atrás”, desabafa com o Observador. Chegou a ser um eleitor do partido inicial do Presidente, o En Marche!. Quando este foi criado, ofereceu-se como voluntário, colocou os seus conhecimentos na área das alterações climáticas ao dispor do partido, mas diz que nunca recebeu resposta: “São todos uns merdas”, resume, pousando com força o copo na mesa.

A desilusão acentua-se porque Laurence não vive na “bolha” de Paris e diz ter mais consciência da ameaça que a UN representa do que os outros engravatados do 15éme. Apesar de trabalhar ali, Laurent tem um pé nas “duas Franças”. É de Piccardy, subúrbio mais rural do norte de Paris, e faz o trajeto duas vezes por semana para a capital, por trabalhar em regime híbrido. “Na minha zona, quatro círculos elegeram à primeira deputados da União Nacional”, conta. “Eles aqui em Paris sabem lá…”

Não que o empresário concorde com o resultado. É, aliás, quase persona non grata na sua terra, apesar de a mulher ser autarca local. Na porta, colocou uma bandeira da União Europeia e um cartaz onde se pode ler “Não há estrangeiros neste planeta”, que mostra com orgulho ao Observador, através de fotografias tiradas com o seu iPhone.

“Votei na Frente Popular, mas podia ter votado no candidato do Renascença”, admite. “O meu objetivo era só um: fazer um voto útil, votar no candidato que tinha mais hipóteses de derrotar a União Nacional“. Espera que outros façam o mesmo nesta segunda volta, perante as várias “triangulações” que que vão ter lugar. E chuta para canto os problemas levantados por Macron e outros quanto a Jéan-Luc Mélenchon e à sua França Insubmissa. “Mélenchon é um tipo louco, que ninguém leva a sério. Nunca será primeiro-ministro”, garante.

Sobre o jogo tem pouco a dizer: França ganhou, está feliz, mas este homem de meia-idade sente-se consumido pela política e nem o futebol lhe serve de distração, mesmo que temporária. “Isto vai ser uma desgraça”, vaticina. “Ficaremos à beira da guerra civil. E eu estou pronto para lutar”, garante.

Já Léo, mais relaxado depois da vitória, procura fazer mais a autópsia do jogo do que da primeira volta das legislativas. “Jogámos mal, a vossa equipa é melhor”, atira, abanando a cabeça ao recordar a final do Euro 2016 e largando todo o otimismo que revelava ao início do jogo.

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Mbappé pronunciou-se sobre as eleições, dizendo ser contra a possibilidade de "os extremos" que não representam os "valores" do seu país poderem chegar ao poder

Getty Images

Mas olha em volta e suspira, dizendo que Paris é uma cidade maravilhosa: “É a Europa, é isto. Quem é que não quer algo assim? Não compreendo a União Nacional”, deixa escapar. “Até estes jogadores, olha para eles: não são ‘puros franceses’ para alguns eleitores da UN, mas hoje estiveram a torcer por eles. Isto faz algum sentido?”, questiona. O facto de o jogador-estrela Mbappé ter comentado a eleição é, para Léo, um ato corajoso. Mas aproveita para sublinhar como o avançado falou em “extremistas às porta do poder”, não especificando o partido de Le Pen, como se quisesse ver nessas declaração um apoio implícito ao centro representado pelo macronismo.

O jovem empresário da alta finança abana depois a cabeça para tentar afastar os pensamentos negativos de quem se começa a preparar para uma coabitação difícil entre Emmanuel Macron e um possível primeiro-ministro Jordan Bardella ou, quem sabe, uma figura da França Insubmissa. E prefere regressar ao jogo de les bleus e discutir mais um pouco sobre como, apesar de eficaz, a equipa francesa o está a desiludir neste Europeu. “O futebol tem de servir para nos distrair, não é?”, comenta, de copo na mão e com o blazer já menos composto. Pelo menos antes da segunda volta de domingo, terá ainda o jogo contra Portugal, na sexta-feira, para esquecer mais um pouco como França não é apenas “a bolha de Paris”. E depois? “Vai ser preciso fazer compromissos. Veremos quais.”

 
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