O inquérito do caso “Tempestade Perfeita” vai ser concluído em breve. A constituição de arguido de Marco Capitão Ferreira, que levou à sua demissão do secretário de Estado da Defesa, bem como a buscas judiciais em sua casa e no Ministério da Defesa deverão ter sido das últimas diligências a realizar pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária (PJ).
A constituição de arguido de Marco Capitão Ferreira já estava a ser programada desde há algum tempo. Por exemplo, na primeira leva de buscas judiciais do “Tempestade Perfeita”, em dezembro do ano passado, o nome de Marco Capitão Ferreira já fazia parte do rol de suspeitos detetados pela investigação da PJ.
O Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa deverá deduzir até ao final do próximo mês de agosto acusação contra o grupo alegadamente liderado pelo ex-diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional Alberto Coelho pelos crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e branqueamento de capitais.
Ao que o Observador apurou, Marco Capitão Ferreira fará igualmente parte dos arguidos que serão alvo de acusação por parte do DIAP de Lisboa. E será interrogado na próxima semana.
Constituição de arguido levou à demissão Capitão Ferreira
Como é habitual em operações de buscas judiciais que se dividem por vários alvos, as mesmas têm de ser coordenadas do ponto de vista operacional para serem efetivas. E costumam iniciar-se às 7h da manhã, visto que a lei proíbe de forma genérica a realização de buscas judiciais durante a noite.
Foi o que aconteceu esta sexta-feira: ao mesmo tempo que uma equipa de inspetores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ e procuradores do DIAP de Lisboa se dirigiam às instalações da Direção-Geral de Recursos da Defesa, uma segunda equipa batia à porta da casa de Marco Capitão Ferreira, então ainda secretário de Estado da Defesa Nacional.
Capitão Ferreira foi constituído arguido mal os inspetores da PJ lhe exibiram o mandado judicial do Tribunal Central de Instrução Criminal a autorizar a busca e a apreensão de documentação.
Só depois de ter sido constituído arguido, e quando os inspetores da PJ ainda estavam em sua casa, é que Marco Capitão Ferreira apresentou a demissão à ministra Helena Carreiras.
O comunicado o gabinete do primeiro-ministro chegou às redações às 8h59m com um conteúdo lacónico: “O primeiro-ministro apresentou ao Senhor Presidente da República a proposta de exoneração do Secretário de Estado da Defesa Nacional, que lhe foi transmitida pela Ministra da Defesa Nacional, a pedido do próprio.”
“Tempestade Perfeita” vai ter acusação até ao final de agosto
A procuradora do DIAP de Lisboa titular dos autos decidiu avançar para a constituição de arguido de Marco Capitão Ferreira porque está na fase final da investigação — e a correr contra o relógio.
A operação “Tempestade Perfeita” teve visibilidade pública a 6 de dezembro de 2022 com uma mega-operação de 59 buscas domiciliárias e não domiciliárias. Foi nessa altura que foram detidos Alberto Coelho (ex-diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional), Paulo Branco (então diretor de serviços de Gestão Financeira e Apoio na mesma direção-geral) e Francisco Marques (ex-chefe de divisão de Recursos Humanos igualmente da mesma direção-geral).
Estes três responsáveis do Ministério da Defesa Nacional são suspeitos de terem sido alegadamente corrompidos pelos empresários Manuel António Sousa, André Barros e Paulo Machado. Como o Observador revelou, Alberto Coelho, Paulo Branco e Francisco Marques terão alegadamente recebido cerca de 546 mil euros, entre contrapartidas financeiras e não financeiras, para beneficiarem aqueles empresários em quase 20 contratos com o valor global de cerca de 4,2 milhões de euros.
Apesar dos seis arguidos terem sido libertados, certo é que Alberto Coelho, Paulo Branco e Francisco Marques ficaram com várias medidas de coação, entre as quais a suspensão do exercício de funções públicas.
Ora, esta medidas de coação vão ser declaradas extintas no final de agosto, já que nessa altura é alcançado o prazo legal máximo das mesmas. Ao que o Observador apurou, é essa a razão que leva o DIAP de Lisboa a avançar com a dedução da acusação, de forma a conseguir uma prorrogação das mesmas medidas de coação e evitar que as mesmas se extingam e Alberto Coelho, por exemplo, possa regressar às suas funções públicas.
As ligações a Alberto Coelho, o principal arguido do caso “Tempestade Perfeita”
Ainda não são claras as razões que levaram o DIAP de Lisboa e a PJ a constituir Marco Capitão Ferreira como arguido por suspeitas da prática de corrupção e de participação económica em negócio.
Ao que o Observador apurou, o então secretário de Estado da Defesa Nacional (tomou posse em março de 2022) já era considerado suspeito quando as autoridades realizaram as buscas judiciais que trouxeram a operação “Tempestade Perfeita” para a praça pública.
Todavia, durante a realização da investigação surgiram vários indícios relacionados diretamente com Marco Capitão Ferreira e que serão autónomos das práticas imputadas ao grupo liderado por Alberto Coelho.
Secretário de Estado da Defesa demite-se depois de ter sido constituído arguido por corrupção
Há vários elementos que ligam Capitão Ferreira ao principal arguido dos autos da “Tempestade Perfeita”. Por exemplo, terá sido o agora ex-secretário de Estado da Defesa Nacional a indicar o nome de Alberto Coelho para presidente do Conselho de Administração da empresa ETI — Empordef Tecnologias de Informação, uma sociedade do grupo público das indústrias da Defesa liderado pela IdD Portugal Defence.
A nomeação de Alberto Coelho para a ETI, essencialmente uma sociedade tecnológica, sempre foi polémica pelos parcos conhecimentos nessa área do ex-diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional
Outro elemento de ligação é o polémico contrato de 61 mil euros com um prazo de 60 dias que Capitão Ferreira assinou em março de 2019 com a Direção Direção-Geral de Recursos da Defesa, então ainda liderada por Alberto Coelho. Apesar de só ter trabalhado cerca de uma semana, Capitão Ferreira terá recebido o valor total, segundo o Expresso.
Mas a presidência da IdD exercida por Marco Capitão Ferreira também levantou muita polémica. Capitão Ferreira foi nomeado pelo então ministro João Gomes Cravinho, já depois de ter sido líder da Comissão Liquidatária da Empordef.
Desde um contrato “fulminado de nulidade” aprovado pelo Governo e chumbado pelo Tribunal de Contas para que a IdD recebesse cinco milhões de euros para gerir o programa de aquisição de seis navios patrulha oceânicos, em que os valores seriam desviados do orçamento da Marinha. Passando por gastos superiores a 330 mil euros na contratação de serviços jurídicos, consultores e até móveis para renovar o seu escritório como presidente da IdD e ainda a mudança da sede da empresa para o Palácio de Bensaúde, Capitão Ferreira esteve envolvido em várias polémicas que foram sendo reveladas pelo Diário de Notícias.