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Os rumores da criação de um rival do Twitter começaram a circular em maio. A confirmação chegou a 5 de julho quando a Meta, empresa-mãe do Instagram, Facebook e WhatsApp, lançou uma plataforma assente em publicações de texto. A Threads é vista como mais uma alternativa ao pássaro azul, numa altura de incerteza para a rede adquirida por Elon Musk. As duas redes sociais são semelhantes, mas o serviço lançado por Zuckerberg tem menos funcionalidades e ainda não permite, entre outras coisas, enviar mensagens diretas.
O Twitter demorou 780 dias, a partir do momento em que ficou disponível ao público (em julho de 2006), a alcançar 10 milhões de utilizadores. A Threads conseguiu chegar a esse marco nas primeiras horas. E em menos de cinco dias conseguiu acrescentar um novo zero a esse número, chegando aos 100 milhões de utilizadores.
Por isso, nota a BBC, bateu um recorde estabelecido pelo ChatGPT, que até então era a plataforma que mais rapidamente tinha conseguido chegar a esse total. O modelo de inteligência artificial da OpenAI foi lançado em novembro e chegou aos 100 milhões de utilizadores em mais de 100 países dois meses depois. A Threads conseguiu atingir este número redondo mais rápido e sem contar com as milhões de pessoas que vivem na União Europeia, mercado onde não está presente.
Mark Zuckerberg, CEO da Meta, mostrou-se surpreso com o feito. “A Threads atingiu 100 milhões de registos no fim de semana [de 8 e 9 de julho]. Trata-se sobretudo de procura orgânica e ainda nem sequer ativámos muitas promoções. Não acredito que só passaram cinco dias!”, escreveu na mais recente plataforma da empresa que lidera e onde já estão presentes várias figuras públicas como a atriz Daniela Ruah, a modelo Sara Sampaio, a cantora Anitta, a modelo Alessandra Ambrosio ou o chef Gordon Ramsay.
Com integração com o Instagram e parecida ao Twitter, como funciona a Threads?
Descrita por Zuckerberg como uma rede social para “expressar ideias” e o que “está na tua mente”, a Threads tem como foco a partilha de textos que podem ter até 500 caracteres. É ainda permitido colocar nas publicações fotografias ou vídeos com até cinco minutos. Apesar de não estar disponível em Portugal, nem nos restantes países da União Europeia, é possível aceder à plataforma com a utilização de uma VPN (Virtual Private Network).
Foi assim que o Observador conseguiu descarregar a Threads e perceber que só é possível iniciar sessão com uma conta de Instagram. O nome de utilizador é o mesmo nas duas plataformas. Por outro lado, é possível escolher uma nova fotografia e compor um perfil próprio ou optar por importar a biografia que já tem no Instagram. Devido a esta integração existe uma opção que permite seguir as mesmas contas na Threads que segue no Instagram, se essas tiverem uma conta na nova rede social.
Além disso, todas as contas que tiver bloqueadas no Instagram ficam automaticamente bloqueadas na Threads e vice-versa. É ainda possível, tal como acontece na primeira rede social, denunciar um perfil ou escolher quem pode mencionar o seu nome de utilizador nas publicações, se são todas as pessoas, se apenas as contas que segue ou se ninguém. Os utilizadores poderão ainda optar por ter o perfil público ou privado com exceção, segundo a Meta, para “todos os menores de 16 anos (ou menores de 18 em alguns países)” que “terão o perfil privado” quando entrarem na plataforma.
Ao contrário do que acontece no Twitter, o feed da Threads não se encontra dividido entre as publicações das contas que o utilizador segue e as recomendadas. Desta forma, são todos misturados, apresentando posts escolhidos pelo algoritmo juntamente com os das contas que segue. John Wihbey descarregou a mais recente aplicação da Meta “nos primeiros minutos em que ficou disponível” e, ao Observador, garante que a timeline “parece mais aleatória” do que a de outras redes sociais. Ainda assim, a app tem “muitas das mesmas ferramentas e funcionalidades e tem um aspeto e um interface de utilizador muito semelhantes” ao pássaro azul, acrescentou o professor de Jornalismo e Inovação de Media da Northeastern University, em Boston, em declarações ao Observador.
A Threads não tem anúncios publicitários, nem oferece a possibilidade de as publicações serem editadas ou traduzidas e também não existe qualquer subscrição para aceder a funcionalidades adicionais. As hashtags também não estão presentes como uma forma de organização do conteúdo e não é possível enviar mensagens diretas. Adam Mosseri, CEO do Instagram, admitiu, em entrevista ao The Verge, não saber se não haver mensagens pode ser uma decisão duradoura, mas acredita que as pessoas, principalmente nos Estados Unidos, estão “cansadas das caixas de entrada”.
Neste momento, existe uma versão web da rede social que permite apenas ver publicações, mas não fazer login, publicar ou interagir com outros utilizadores. Para isso, é necessária a aplicação. Quem quiser apagar totalmente a conta da Threads vai perder a do Instagram. Se quiser apenas desativá-la, ocultando o perfil e o conteúdo aí carregado, mas não apagando totalmente (podendo um dia mais tarde voltar a ativar), consegue manter a do Instagram.
Após vários utilizadores se mostrarem indignados com a impossibilidade de excluir o perfil da Threads sem perder o do Instagram, o CEO Adam Mosseri clarificou que neste momento “a Threads é alimentada pelo Instagram, pelo que, existe apenas uma conta”. “Mas estamos a procurar uma forma de excluir a sua conta da Threads separadamente”, acrescentou.
O que distingue a Threads das outras alternativas ao Twitter?
Desde que Elon Musk comprou o Twitter, em outubro do ano passado, que a plataforma tem estado envolta em incerteza. As críticas dos utilizadores à decisão de limitar o número de tweets que podiam ver por dia (medida que já não estará em vigor) terão sido o fator decisivo para que a Meta decidisse lançar a aplicação que planeava há vários meses, de acordo com documentos internos vistos pelo The Verge.
No entender de Adam Mosseri, a “volatilidade” e a “imprevisibilidade” do Twitter liderado por Elon Musk contribuíram para que existisse uma oportunidade para o lançamento de uma plataforma concorrente. Ainda assim, defendeu que “seria um erro subestimar” tanto a rede social como o seu dono. Por sua vez, Zuckerberg considera a Threads como uma rival “amigável” do pássaro azul e, ao ser questionado sobre se era possível superá-lo, afirmou: “Vai demorar algum tempo, mas acho que deveria existir uma aplicação de conversas públicas com mais de mil milhões de pessoas. O Twitter teve a oportunidade de o fazer, mas não conseguiu. Esperamos consegui-lo.”
No entender de John Wihbey, que chegou a trabalhar como consultor para o Twitter, a Meta começa com vantagem sobre as outras aplicações que querem ser rivais da plataforma de Musk, como a Bluesky ou o Mastodon. Isto acontece porque, além de não ser necessário começar do zero porque a rede social está vinculada ao Instagram, a tecnológica que a desenvolveu “sabe muito sobre os seus utilizadores e sobre como tornar os inícios de sessão muito fáceis”. “Também tem mais confiança do que o Twitter neste momento, tanto da comunidade de anunciantes como de atores cívicos e grupos políticos”, acrescentou, defendendo que o pássaro azul tem falhado em termos de “monitorização responsável da plataforma e de moderação de conteúdos”.
Questionado pelo Observador sobre se a Threads pode rivalizar com o Twitter, o professor disse que “parece ser uma boa alternativa”, mas que será necessário “ver como é que as pessoas a utilizam nos próximos meses” para ser consideguir chegar a alguma conclusão. “É preciso ver se esta atenção inicial que levou aos 100 milhões de utilizadores é uma paixão de verão [tradução livre para a expressão ‘summer fling’] ou se as pessoas a vão utilizar consistentemente ao longo do tempo; se é uma aplicação onde as pessoas vão colocar notícias, anunciar novos álbuns e filmes… onde as conversas importantes acontecem”, defendeu, notando que aquilo que foi visto na passada semana “é muito forte”.
Há muito para gostar aqui, mas em última instância todas as redes sociais só são valiosas se lá estiverem e lá permanecerem muitos utilizadores”, afirmou John Wihbey.
Qual a resposta do pássaro azul?
A primeira reação do Twitter chegou cerca de dois dias após o lançamento da Threads, com o surgimento de notícias de que estaria a considerar uma ação legal contra a Meta. Alex Spiro, advogado da plataforma de Elon Musk, enviou uma carta a Zuckerberg onde acusou a sua empresa de “apropriação indevida sistemática, intencional e ilegal dos segredos comerciais do Twitter e outras propriedades intelectuais” para criar a nova plataforma.
Alex Spiro alegou ainda, de acordo com a BBC, que a Meta contratou dezenas de ex-funcionários do pássaro azul para a ajudarem a desenvolver a Threads. As afirmações foram negadas pela empresa liderada por Zuckerberg que garantiu que “ninguém na equipa de engenharia da Threads é ex-funcionário do Twitter”.
Quatro dias após a chegada de uma nova alternativa, o tráfego do Twitter começou a diminuir. A 9 de julho, Matthew Prince, CEO da tecnológica norte-americana Cloudflare, partilhou nas redes sociais um gráfico que revela o declínio do tráfego do pássaro azul desde o início de 2023, meses após a compra de Musk. Por sua vez, dados da empresa Similarweb mostram que o tráfego do Twitter caiu 5% nos primeiros dois dias em que a Threads ficou disponível, em comparação com a semana anterior.
Twitter traffic tanking. https://t.co/KSIXqNsu40 pic.twitter.com/mLlbuXVR6r
— Matthew Prince ???? (@eastdakota) July 9, 2023
Num tweet que está a ser visto como uma resposta às análises que mostram uma diminuição do tráfego do Twitter e à chegada da Threads (até pelo uso da palavra “thread” na primeira frase), a CEO Linda Yaccarino destaca que na semana de 3 a 9 de julho a rede social teve “o melhor dia de uso desde fevereiro”. “Só existe UM Twitter. Tu sabes. Eu sei”, acrescentou.
Don’t want to leave you hanging by a thread… but Twitter, you really outdid yourselves! Last week we had our largest usage day since February. There’s only ONE Twitter. You know it. I know it. ????
— Linda Yaccarino (@lindayaX) July 10, 2023
Entretanto, esta semana, surgiram rumores de que o Twitter poderá estar a bloquear links para a Threads. Por norma, explica o The Verge, é possível pesquisar links para qualquer site nessa rede social utilizando “url” no início. Ou seja, por exemplo, ao procurar “url:observador.pt” na plataforma de Musk aparecem todos os tweets com links para a página do Observador. Porém, quando os utilizadores pesquisam links para a aplicação da Meta não surgem resultados.
Há uns dias ainda era possível encontrar links da Threads no Twitter devido a um “truque”: colocar na pesquisa “url: threads net”, com espaço entre as duas últimas palavras. Porém, neste momento, essa solução já não funciona, uma vez que agora apenas aparecem resultados que nada têm que ver com a nova rede social. O Observador questionou a Meta sobre os rumores de que os links estavam a ser bloqueados de forma intencional, mas não obteve resposta. O mesmo aconteceu com o Twitter, que desde que foi comprado por Musk não disponibiliza quaisquer esclarecimentos aos jornalistas.
Porque é que a Threads não está disponível na União Europeia?
Não há data prevista para a chegada da Threads a Portugal nem à União Europeia, nem está claro se isso vai algum dia acontecer. Adam Mosseri, CEO do Instagram, garantiu que o plano é disponibilizar a plataforma no mercado europeu, mas explicou que tal ainda não aconteceu devido a “complexidades no cumprimento de algumas das leis que entrarão em vigor no próximo ano”.
Em resposta ao The Verge, após ser questionado sobre se a Lei dos Mercados Digitais era a responsável pelo não lançamento, Mosseri não mencionou a legislação quando garantiu que a Meta não pretende “lançar nada que não seja compatível” com o que “está para vir”. Ao mesmo jornal, Christine Pai, porta-voz da empresa, reforçou que o lançamento europeu não aconteceu devido ao que classificou como “incerteza regulatória futura”. Do lado da Europa, Christel Schaldemose, deputada do Parlamento Europeu e legisladora dinamarquesa, disse acreditar que “o facto de a Threads ainda não estar disponível para os cidadãos europeus mostra que a legislação da União Europeia funciona”.
A Lei dos Mercados Digitais é frequentemente apontada pela imprensa internacional como a principal responsável pela ausência da rede social da Meta na União Europeia. Os advogados ouvidos pelo Observador mostram concordar com essa hipótese, embora realcem que a tecnológica nunca mencionou “diplomas específicos”. “É muito possível que a Lei dos Mercados Digitais e a Lei dos Serviços Digitais, pelas alterações profundas que vêm originar no quadro regulamentar do setor digital, sejam um fator preponderante” para a decisão da Meta, considera Pedro Rebelo Tavares.
Os dois diplomas, acrescenta o associado principal do Departamento de Propriedade Intelectual e Privacidade da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, “visam garantir mercados digitais abertos à concorrência e um ambiente em linha seguro e leal de uma forma transversal a todos os participantes, sejam eles utilizadores finais, utilizadores profissionais ou prestadores de serviços”. A Lei dos Serviços Digitais (DSA, na sigla original) estabeleceu, pela primeira vez, as regras que as grandes tecnológicas têm que respeitar para manter os utilizadores seguros online e consagrar que o que é crime offline também é crime online. Por sua vez, a Lei dos Mercados Digitais (DMA, na sigla original), que é vista como a principal preocupação da Meta, impõe às empresas “obrigações relativas à tomada de certas medidas positivas ou à abstenção de certas práticas, nomeadamente em matéria de concorrência, interoperabilidade e transparência”.
A Lei dos Mercados Digitais proíbe as empresas de darem um tratamento favorável aos seus produtos em detrimento dos das concorrentes. A única forma de aceder à Threads é através de uma conta de Instagram, plataforma que também é propriedade da Meta. Questionados pelo Observador sobre se esta pode representar uma possível violação da lei europeia, os advogados mostraram considerar a questão.
Ricardo Pintão acredita que “a limitação do acesso à plataforma apenas a utilizadores com conta no Instagram” pode “ser considerada pelas autoridades competentes e tribunais como um caso de violação das obrigações em que se encontram”. O Associado de Tecnologia, Media e Comunicações da sociedade de advogados CMS diz ainda que os regimes de contraordenações impostos por esta lei e pela DSA podem “constituir um fator de desincentivo para a introdução de novas plataformas digitais de grandes dimensões no mercado” europeu.
Pedro Rebelo Tavares afirma que a prática lhe parece “no mínimo discutível”, mesmo “desconsiderando este novo quadro regulatório”, na medida em que “subordina a celebração de uma prestação de serviço à aceitação de outra para um serviço complementar em nada relacionado com o objeto do serviço inicial”. E alerta para o potencial para “a distorção da concorrência por representar uma alavancagem injusta da posição dominante do prestador de um segmento de mercado para outro”. O advogado da PRA considerou ainda que “questões de proteção de dados com que a Meta se tem deparado na União Europeia e recentes decisões desfavoráveis nesse contexto”, como multas, também poderão ter “tido uma influência substancial” para a ausência.
A opinião é partilhada por Luís Neto Galvão, sócio da SRS Legal responsável pela área de Telecomunicações, que relembra que esta legislação “procura prevenir que as plataformas retirem vantagens concorrenciais indevidas das grandes quantidades de dados pessoais que tratam, impondo-lhes especificamente o exigente dever de transparência quanto a certas características dos tratamentos realizados e que partilhem informações sobre as técnicas de profiling por si realizadas, limitando-lhes ainda a capacidade de beneficiarem das sinergias proporcionadas pelos dados pessoais recolhidos no âmbito dos seus vários serviços”.
Por isso, o advogado recorda que a Comissão de Proteção de Dados da Irlanda multou, em maio, a Meta em 1,2 mil milhões de euros por considerar que a empresa violou o Regulamento Geral de Proteção de Dados quando transferiu dados pessoais de utilizadores europeus do Facebook para Washington sem protegê-los. Além disso, explica que a verificação do cumprimento da legislação europeia por parte das empresas só é efetuada “a posteriori”, pelo que a Threads só seria fiscalizada pela Comissão Europeia após, eventualmente, chegar à União Europeia.
UE multa Meta em 1,2 mil milhões de euros por transferência de dados do Facebook para os EUA
A recolha de dados feita pela Threads
Numa altura em que já está “com problemas” com o regulador irlandês, a Meta terá optado por evitar “adicionar uma nova área de preocupação” aos legisladores europeus. Por isso, no entender do professor John Wihbey a empresa está a ser cuidadosa quanto ao lançamento na União Europeia, tendo apenas disponibilizado a plataforma noutros mercados de forma “rápida” porque viu uma “oportunidade” decorrente da instabilidade do Twitter.
Idealmente, quando lanças um produto, lança-lo globalmente e totalmente. Não lançá-lo na União Europeia obviamente não é o ideal. Não é verdadeiramente uma plataforma global se não pode ser acedida na Europa”, acrescenta, defendendo que a Meta sabe que “precisa de ter políticas e práticas mais cuidadosas em vigor quando levar para a Threads para a UE”.
Segundo o Tech Crunch, os utilizadores questionaram a quantidade de dados que serão recolhidos quando acederem à Threads. A lista disponível na App Store da Apple permite perceber que, tal como acontece com o Facebook e o Instagram, informações sobre a saúde e a condição física, financeiras, localização e histórico de navegação podem ser recolhidas. O mesmo acontece com as publicações com que os utilizadores interagem, quem seguem e ainda o tempo de utilização da rede social, que terá acesso à localização GPS, fotografias e informações de IP dos utilizadores.
Em resposta às preocupações dos utilizadores, Rob Sherman, vice-diretor de privacidade da Meta, afirmou que os “rótulos” de privacidade são “semelhantes aos das restantes aplicações” da empresa, incluindo o Instagram, facto que o Observador conseguiu perceber ao analisar a lista disponível para essa rede social na App Store.
Na publicação feita na Threads, Sherman escreveu também que essa plataforma está em conformidade com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, mas que “construir esta oferta tendo como pano de fundo outros requisitos regulatórios que ainda não foram esclarecidos poderia demorar muito mais tempo”. Desta forma, a Meta decidiu dar “prioridade à oferta deste novo produto ao maior número de pessoais possível”.