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Parte do mundo aguarda pelo desfecho da viagem do submergível Titan, desaparecido há dois dias no Atlântico Norte. O aparelho perdeu as comunicações no domingo. A partir desse momento, começou uma operação em contrarrelógio para tentar encontrar o Titan, com os cinco tripulantes a bordo. Num cenário quase laboratorial, pode considerar-se que, com aquela tripulação, o oxigénio disponível a bordo poderia prolongar-se até à próxima quinta-feira, quatro dias depois de o submarino iniciar a viagem de quatro quilómetros até às profundezas do oceano Atlântico, ao largo da costa dos Estados Unidos do Canadá, onde continua depositada a carcaça de outra embarcação com o nome ligado a uma tragédia na navegação marítima — o gigante Titanic.
Perante a absoluta incógnita das condições atuais em que se encontram os tripulantes e das próprias condições que o Titan ainda oferece à sua sobrevivência, dois especialistas explicaram ao Observador tanto os cenários em cima da mesa relativamente ao que terá acontecido ao aparelho como também o estado psicológico em que se poderão encontrar os cinco elementos a bordo do submergível, caso se encontrem vivos.
“O Titan poderá estar numa de duas situações: ou teve um acidente catastrófico àquela profundidade [3800 metros] e estamos a falar da perda das cinco vidas; ou teve um acidente de material, que é perfeitamente possível, e está assente no fundo, sem capacidade de inverter a relação entre o peso e a impulsão”, afirmou o comandante Baptista Pereira, da Esquadrilha da Subsuperfície da Marinha Portuguesa, à Rádio Observador. O especialista acredita que ainda será possível resgatar com vida os ocupantes do submergível. No entanto, isso dependerá da capacidade dos tripulantes para gerir o oxigénio disponível.
O cenário otimista e o desafio de sobreviver
O submergível conta com uma reserva de oxigénio até 96 horas, segundo informações do fabricante. Esse é “o tempo de sobrevivência em termos de ar respirável”, sublinha Baptista Pereira. Mas, ressalva o militar — que soma quase duas décadas e meia de experiência em submarinhos —, “o tempo de descida para os 3.800 metros, de permanência junto aos destroços [do Titanic], junto ao ponto de interesse que está a observar, e a vinda para cima é muito dependente de fatores que têm a ver com a pilotagem, com o interesse do próprio local que se está a observar. Podem, com facilidade, fazer mergulhos de 18, 20 horas.”
A descrição que Baptista Pereira faz da operação de submersão — a descida do equipamento até ao objetivo que pretendia alcançar, quase como se uma “ida ao espaço” se tratasse, no que diz respeito à distância percorrida — poderia ser invertida e aplicada, numa fase posterior, ao regresso à superfície: “Estamos a falar de uma descida que pode levar cinco, seis, sete, oito horas, feita gradualmente. Tem de ser muito progressivo. Ele pode fazer isto de forma mais agressiva, mas não ganha nada com isso, porque só coloca a própria estrutura do submarino numa situação de stress e tensão do material muito superior à que se verifica se o fizer por patamares, de forma controlada, mais suave, dando tempo ao material para se acostumar à pressão hidroestática.”
Numa situação crítica, de sobrevivência — e já não no registo lúdico em que a viagem decorria até ao desaparecimento do submarino —, há estratégias que permitem aumentar a poupança de oxigénio. A tripulação, descreve o militar da Marinha, deve “estar o mais quieta possível, de preferência a dormir”. O aconselhado é também “estarem tapadas com cobertores e roupa, que permitam manter a temperatura, uma vez que, aos 3800 metros, a água é muito fria”.
Para aumentar as hipóteses de sobrevivência, o comandante sublinha que é necessário que os tripulantes descansem, repousem e não se mexem, embora a probabilidade de isso acontecer seja reduzida, visto tratar-se de “pessoas que não têm um treino intenso, físico, emocional e psicológico para enfrentar situações destas”, diz o comandante, admitindo que possam começar a hiperventilar, o que só agravaria a situação.
Assumindo que o aparelho teria oxigénio suficiente para 96 horas de viagem, as reservas devem esgotar-se esta quinta-feira — o que não significa exatamente que as hipóteses de sobrevivência se esgotem apenas nesse momento, podendo o limite ser anterior. Por isso, as equipas de resgate estão agora numa luta contra o tempo. As buscas continuam, numa zona remota do Atlântico Norte, na esperança de localizar o Titan.
“Há esperança de que eles ainda estejam vivos, uma vez que passaram 48 horas [ ao final da manhã desta terça-feira], desde a perda de comunicações, mas é uma corrida contra o tempo para colocar no local um equipamento que permita ir àquela profundidade”, diz Baptista Pereira, da Esquadrilha da Subsuperfície da Marinha Portuguesa. “A taxa de sobrevivência deles vai aumentar muito significativamente se eles se entenderem os cinco, se formarem uma equipa e se conseguirem remar todos no mesmo sentido, poupando oxigénio e diminuindo a emissão de dióxido de carbono”, descreveu ainda o militar no programa História do Dia, desta quarta-feira da Rádio Observador.
Esta terça-feira, pelo menos um país enviou equipamento capaz de descer a profundidades ainda mais elevadas do que aquele em que se acredita estar o Titan. O governo francês revelou que enviou para a zona o navio Atalante, equipado com um robô capaz de chegar aos 6 mil metros de profundidade.
Já a Magellan Limited, uma empresa britânica com trabalho especializado “em águas profundas”, diz que está desde as 19h desta segunda-feira à espera de autorização para poder transportar para os Estados Unidos um veículo operado remotamente, capaz de mergulhar até aos 5 mil metros de profundidade.
Nas buscas, as equipas recorrem a um sistema de sonar: no fundo, um sistema que transmite ondas de energia para a água e recolhe, depois, o eco (ou o reflexo) dessas ondas, conseguindo assim algumas indicações sobre os objetos que se encontram no fundo do mar, onde as condições de luminosidade são escassas. Esse será o método de buscas ativo. Em alternativa, existe também a possibilidade de escutar os sons que chegam do fundo do mar — por exemplo, um batimento que esteja a ser produzido pelos tripulantes do Titan. O método passivo, basicamente.
“Na parte ativa”, refere Baptista Pereira, “é muito provável que estejam a ser usados sonares laterais de alta resolução para procurar os objetos”. Mas as dificuldades, aqui, explicam-se com uma referência às condições no local: admitindo que o Titan se encontra numa zona próxima do Titanic, como distinguir um “eco” produzido pelo submergível da OceanGate de um “eco” produzido pelo navio que afundou em 1912? “É procurar uma agulha no palheiro, só que, ali, o palheiro tem muitas agulhas e temos de descobrir a agulha que queremos”, sumariza o militar.
No caso do sonar passivo, o sucesso depende da capacidade de organização dos tripulantes. “Enquanto quatro estiverem quietos, a dormir, descansados — ou o mais descansados possível, naquelas condições difíceis —, um outro poderá estar, de X em X tempo, a marcar um sinal através de um objeto no casco resistente que permita a sistemas passivos na superfície ouvirem” esse som e persegui-lo.
Da tese à prática há, no entanto, um oceano de dúvidas. “Estamos a 3.800 de profundidade. É muito difícil ouvir o que quer que seja a quatro quilómetros de profundidade”, ressalva Baptista Pereira.
O que pode ter acontecido?
O comandante da Marinha Portuguesa avança várias possibilidades que podem explicar o que terá acontecido ao Titan. O aparelho pode ter sofrido uma total perda de energia elétrica devido a avarias, impedindo-o de ganhar impulsão para voltar à superfície. Se a situação for esta, o especialista admite que o submergível pode estar numa posição segura, o que permitiria que um eventual resgate fosse concretizado.
“O problema depois é como é que se traz aquele veículo para cima, porque tem de ser içado”, visto não ser possível abrir qualquer tipo de escotilha, sublinhou Baptista Pereira, com quase 25 anos de experiência em submarinos. Ainda assim, o comandante alerta que se trata de uma operação extremamente complexa e que “acidentes a estas profundidades costumam ser fatais, fruto da incapacidade humana”. “Há um pequeníssima probabilidade de sucesso, são escassas as hipóteses de retirar as pessoas com vida”, avisa.
“Ao contrário do que acontece no salvamento de pessoas em submarinos militares em que, até determinadas profundidades (cerca de 350 metros), é possível mover as pessoas de um veículo para outro, neste caso é necessário içar” o submergível, que pesa 10 toneladas, com recurso a um robô, que terá de ser submergido para prender um cabo ao aparelho — para que depois um navio, à superfície, o que possa retirar da água.
Outra hipótese é o aparelho já ter sido esmagado pela pressão. A hipótese de a tripulação ainda estar viva baseia-se na cota de implosão, que é a profundidade a partir da qual o submergível entra em esmagamento, ou seja, a “profundidade até à qual o aço aguenta; daí para baixo o aço cede à pressão e implode, fazendo o cilindro (submergível) diminuir de dimensão”, explica.
As buscas para tentar encontrar o submergível da OceanGate estão a ser levadas a cabo pelas autoridades dos EUA e do Canadá numa área cerca de 1.450 quilómetros a leste do Cabo Cod, no estado norte-americano do Massachussets. As operações decorrem tanto pelo mar como pelo ar. Nas últimas horas, o Canadá anunciou o envio de um avião militar equipado com um sonar para ajudar nas buscas. Na zona, estão também o o rebocador Polar Prince e o navio Deep Energy.
No entanto, o comandante Zambujo Madeira, do destacamento de Mergulhadores da Marinha, sublinha que a deteção por sonar é complicada a uma profundidade de 3800 metros. As camadas de água tornam “muito difícil” a deteção, disse o especialista, em declarações à SIC Notícias. “É muito difícil ouvir o que quer que seja a quase quatro quilómetros de profundidade”, confirma Baptista Pereira.
Entretanto, a empresa que organizou a viagem está a ser acusada de ter demorado demasiado tempo a comunicar o desaparecimento do Titan. O submergível desapareceu às 9h45 de domingo mas só às 17h45 foi dado o alerta à Guarda Costeira norte-americana — oito horas depois.
“Tripulantes estão desestabilizadas emocionalmente”
Ao Observador, a psicóloga Susana Gouveia assume que esta é uma “situação limite de sobrevivência em que as pessoas estão numa cápsula perdida no meio do Atlântico”. ” Os tripulantes estão desestabilizadas emocionalmente”, admite a especialista em psicologia de emergência da Cruz Vermelha Portuguesa.
“Nestas circunstâncias, é normal que os tripulantes sintam os níveis de stress a aumentar. É compreensível que sofram um aumento de irritabilidade, que tenham dificuldades em manter a calma. O raciocínio lógico e a tomada de decisões ficará mais afetado”, explica Susana Gouveia, admitindo que “os ocupantes do submergível dificilmente terão momentos para descansar, uma vez que se trata de um espaço muito confinado”.
À medida que o tempo passa, e tendo os tripulantes noção da situação difícil em que se encontram, “poderão desmaiar devido ao elevado nível de stress e entrar em pânico, hiperteventilar, ter alguma histeria e até tornarem-se agressivos”, sublinha a psicóloga.
Quem são os tripulantes a bordo do Titan?
A expedição turística para ver os destroços do famoso Titanic não está ao alcance de todas as bolsas. Cada um dos cinco tripulantes pagou 250 mil dólares (cerca de 230 mil euros) pela viagem, que começou na sexta-feira, com a duração de oito dias, e que se trata da 14ª expedição do género realizada pela OceanGate Expeditions. Segundo o New York Times, a empresa fez sete em 2021 e outras seis o ano passado. A viagem tem partida e chegada em St. John’s Newfoundland, no Canadá.
O Titan é um dos três submergíveis que esta empresa possui e é o que maior profundidade pode alcançar. Antes de realizar a primeira viagem bem sucedida, em 2021, registaram-se duas tentativas falhas para alcançar os destroços do navio Titanic.
“Siga os passos de Jacques Cousteau e torne-se um explorador subaquático — começando com um mergulho aos destroços do RMS Titanic. Esta é a sua oportunidade de sair da vida quotidiana e descobrir algo verdadeiramente extraordinário”, escrevia a empresa no seu site. E foi isso mesmo que fizeram Hamish Harding, Paul-Henry Nargeolet, Shahzada Dawood, Sulaiman Dawood e Stockton Rush.
Hamish Harding, britânico, é um conhecido milionário, co-fundador e presidente da Action Aviation. Aos 58 anos, detém três recordes mundiais do Guinness, um deles pelo mergulho de quatro horas e 15 minutos que fez na Fossa das Marianas, o local mais profundo dos oceanos.
Shahzada Dawood, de 48 anos, é um dos homens mais ricos do Paquistão e vive atualmente nos arredores de Londres com a família. Está a bordo do Titan com o filho, Suleiman, de apenas 19 anos.
Paul-Henry Nargeolet é comandante da Marinha Francesa há mais de 20 anos, e é um dos maiores especialistas internacionais no Titanic. Em 1987 foi ele quem liderou a primeira grande expedição aos destroços do navio.
Stockton Rush, fundador e CEO da Ocean Gate, a empresa responsável pela expedição ao Titanic, será a quinta pessoa a bordo, embora a informação ainda não tenha sido confirmada oficialmente.