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"Nas universidades, está-se a tornar costume ensinar lições de moral de uma forma que às vezes se torna um bocado problemática", diz o historiador

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"Nas universidades, está-se a tornar costume ensinar lições de moral de uma forma que às vezes se torna um bocado problemática", diz o historiador

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Tom Holland. "Os romanos já o sabiam: a paz não é o modo padrão na geopolítica"

As lições políticas que Roma continua a ensinar. O lugar que a guerra ainda ocupa. E o papel da divulgação contemporânea. Entrevista com o historiador inglês Tom Holland a propósito do livro "Pax".

Tom Holland é um dos mais famosos historiadores do momento. Autor do popularíssimo podcast The rest is History e de uma série de livros sobre o império romano (é, provavelmente, um dos mais célebres e lidos especialistas neste período da história), entrevistámo-lo a propósito do seu mais recente livro, uma história do modo como se construiu a famosa Pax Romana.

Holland entende-o de forma muito simples: há séculos que olhamos para Roma à procura de “respostas políticas” e há séculos que tentamos repetir certas criações romanas. Ao mesmo tempo, o historiador acredita que, associado a isso, podemos inevitavelmente cair nas mesmas armadilhas. Ainda assim, o fascínio exercido por tudo o que é romano continua a alimentar esta busca. Ao mesmo tempo, permanece fundamental na hora de convencer historiadores a aprofundar estudos e a apostar na divulgação.

O inglês de 56 anos explica também o que o leva a continuar com o podcast, porque é que o faz e porque é que ser historiador o move: simplesmente porque gosta de o fazer. Acredita que a transmissão de informação e de conhecimento é fundamental, mas não é obrigatório que quem o faz seja uma estrela mediática.

A capa da edição portuguesa de “Pax: Guerra e Paz na Idade de Ouro de Roma”, de Tom Holland (Vogais)

O livro começa com uma mulher. As mulheres parecem ter um papel especial dentro de Roma e do Império Romano. Como e porquê?
O livro abre com o funeral de Popeia Sabina, que é o grande amor da vida de Nero. Há rumores de que ele a pontapeou até a morte depois de ela o importunar por chegar tarde a casa depois de uma corrida, mas suspeito que sejam só intrigas maliciosas. E mesmo que seja verdade, ele estava devastado com a morte dela e com a morte do feto que ela trazia na barriga. E isto é um reflexo do facto de que, sob a dinastia de Augusto, os membros femininos da família imperial eram atores importantes no grande jogo do avanço do poder imperial.

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Porquê?
Porque, como pessoas que eram casadas com descendentes de Augusto, eram o equivalente a esposas dos deuses. Mas também muitas eram, elas próprias, descendentes de Augusto. A mãe de Nero tinha o sangue de Augusto nas veias, e isso fez dela uma figura muito poderosa. Uma das coisas que realmente muda neste período, em relação ao tempo em que o império havia sido governado pela família de Augusto, é que as mulheres recuam ligeiramente para os bastidores. Ainda são importantes, mas muito, muito mais nos bastidores. E talvez o arquétipo disso seja a liberta mulher de Vespasiano, o imperador, que emerge triunfante do ano dos quatro imperadores. Ela é efectivamente sua mulher e foi secretária de um membro feminino proeminente da família de Augusto, mas é uma mulher libertada.

Uma ex-escrava?
Exato. E por isso nunca poderá assumir uma posição oficial. Ainda assim, as pessoas diziam que Vespasiano nunca fez nada sem lhe pedir conselho. E isso é essencialmente o máximo que qualquer mulher neste período pode esperar: aconselhar. Dito isto, penso que as mulheres são vistas como tendo uma relação privilegiada com os deuses. Será assim em Roma, com o exemplo das Vestais, mas também em todo o império de todas as maneiras diferentes. Certamente, nas cidades gregas, as mulheres desempenham um papel muito importante na mediação entre as cidades e os deuses. Mas também, digamos, entre os alemães, há uma notória figura, uma profetisa feminina, que supostamente vive no topo de uma torre e emite todos os tipos de profecias. E inspira o colapso de Roma, o colapso da fronteira romana ao longo do Reno, e é vista como sendo um tipo de mercadoria tão valiosa que os romanos acabaram por levá-la para Roma, pondo-a a trabalhar num templo para eles. Assim, não é como se este fosse um paraíso feminista, mas as mulheres são capazes de exercer um mínimo de influência se tiverem sorte.

"Uma das coisas fascinantes sobre o mundo romano, e que talvez por isso assombre a nossa imaginação é que no Ocidente olhamos para o passado romano em busca de lições, para encontrar lições políticas. E o país mais poderoso do mundo hoje, os Estados Unidos, foi muito autoconscientemente modelado na república romana."

O livro é sobre a Pax Romana e, durante muito tempo, esta era vista como uma aspiração quase universal: um mundo sem fronteiras. Mostrando a violência que grassava no interior do Império, mostra que seria uma aspiração ingénua?
Não tenho certeza. Chamamos-lhe Pax, mas obviamente há muita luta e não acho que os romanos vissem algum paradoxo aí, porque Pax, para os romanos, é uma palavra que não é tão passiva quanto é para nós, pode implicar tanto pacificação como paz. A paz é algo que se mantém pela ponta de uma espada. E os romanos dariam por certo que é a sua destreza e supremacia militar que permite que o mundo esteja em paz. E os acontecimentos do ano dos quatro imperadores, quando o império é despedaçado por quatro pretendentes rivais ao domínio do mundo, mostra que a paz é dependente de um imperador exercendo o monopólio da violência em nome do povo romano. E sem esse monopólio da violência, segue-se a anarquia. Por isso, não tenho certeza se é assim tão diferente da nossa experiência. Na verdade, acho que a paz de que o Ocidente desfrutou também dependeu da sua preparação militar e superioridade. E acho que isso é uma lição para a qual estamos a acordar agora, os romanos já o sabiam: a paz não é o modo padrão na geopolítica. E a menos que possamos garantir a paz contra pessoas que nos invadiriam ou tentariam afastar-nos, a carnificina pode ser o resultado.

Mas há nisso um problema fundamental. Acha que a figura de um imperador, de um regulador universal, potencializa o conflito?
Claro. Acho que o que é surpreendente neste período não é que haja uma eclosão de guerra civil, mas que não haja uma eclosão de guerra durante o resto. É claro, há violência, mas depois Trajano lança uma guerra muito, muito brutal de anexação através do Danúbio, conquistando a Dácia, e invade a Mesopotâmia com consequências desastrosas. Há incêndios florestais de rebelião em todo o império. A violência é sempre uma ameaça e a determinação dos romanos é que a violência deles seja mais aterrorizante e destrutiva do que qualquer violência que os rebeldes dentro do império poderiam tentar. O exemplo paradigmático disso é o tratamento que eles dão aos judeus em três guerras terríveis, uma das quais vê o templo destruído, outra vê populações em toda a África quase exterminadas, e a última, no reinado de Adriano, vê o próprio nome da Judeia apagado do mapa e substituído pela Palestina. Isto é um exemplo neste período da paz, o apogeu da Pax Romana, de espasmos de violência que têm consequências que fazem o seu caminho até aos dias de hoje.

O poder dos imperadores começou com a fraqueza do senado. Será isso um aviso para as democracias?
Uma das coisas fascinantes sobre o mundo romano, e que talvez por isso assombre mais a nossa imaginação do que, digamos, a Assíria, o Egito, a China ou qualquer outra coisa, é que no Ocidente olhamos para o passado romano em busca de lições, para encontrar lições políticas. E o país mais poderoso do mundo hoje, os Estados Unidos, foi muito autoconscientemente modelado na república romana. Assim como os romanos expulsaram um rei e estabeleceram uma república, assim fizeram os americanos. E é por isso que há um Senado em Washington e existe um Capitólio. Mas identificar-se com a república romana vem com duas ameaças.

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"Não creio que seja importante que os historiadores 'per se' tenham uma plataforma pública, mas penso que acrescenta à riqueza da vida conhecer o passado"

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Quais são?
A primeira é que a república pode cair e um césar pode chegar ao poder. E esta é uma ansiedade que obscureceu a república americana desde o início. Quero dizer, sempre esteve lá, e claro, está lá agora. Pessoas que se opõem a Trump preocupam-se com a ameaça à democracia americana. E acho que essa ansiedade é turbinada por uma sensação vaga e imprecisa de que as repúblicas chegam a um final, que considero um legado da história romana, mesmo que as pessoas não o reconheçam imediatamente. Quero dizer, está presente em Star Wars, por exemplo: a república cai, o império substitui-a. Portanto, mesmo que as pessoas não estejam cientes de que isso é algo que, em última análise, deriva de Roma, ainda faz parte do clima geral. E, claro, a outra coisa que vivemos à sombra de Roma é que Roma, em última análise, cai e o império cai também. E isso é um contraste, digamos, com a China.

Qual a diferença?
Na China, as dinastias caíram de facto, e a própria ideia de haver um imperador desapareceu. Mas o império chinês que existiu ao mesmo tempo que Roma e, em certo sentido, ainda continua, mas o império romano desapareceu completamente. E acho que isso dá às pessoas no Ocidente uma sensação de que todos os impérios sobem e descem, quase como se fosse uma lei da física.

Em Roma existia a ideia de Mores Maiorum [um código de normas a seguir] e todo um conceito de direito centrado na história. Mas que papel desempenhou esta história?
Estamos tão habituados à ideia de haver um império romano que não o contemplamos como os romanos o fizeram. Quão estranho foi? Quão estranho foi isso de uma única cidade emergir para se tornar dona desta vasta extensão de território? E quando pensamos sobre isso, de facto é muito estranho. É muito, muito estranho. Ora, eles pensavam que isso só podia ser explicado por referência aos deuses. E a explicação para o domínio do mundo por Roma era que eles eram os povos mais morais, que pagavam aos deuses as dívidas que mais agradavam aos deuses. E assim, portanto, os deuses concederam aos romanos este imperium extraordinário. O corolário dessa compreensão da história é, claro, uma ansiedade de que essa regra possa ser comprometida se as taxas que são devidas aos deuses não forem pagas. Acho que como vivemos numa sociedade que é materialista e não acredita nos deuses romanos, corremos o risco de ficar cegos para isso. Quero dizer, convivemos perfeitamente com a ideia de que na Idade Média cristã o modo como as pessoas entendem o relacionamento do divino com o mortal é um fator constante. Mas tendemos a pensar que isso é menos evidente no mundo romano. Mas não é. Está sempre lá. Acontece que a compreensão romana dos deuses é muito diferente do entendimento cristão, mas ainda está absolutamente lá. E a menos que percebamos isso, acho que não entendemos muitos dos padrões do mundo romano hoje em dia.

"Acho que as pessoas se interessam em parte porque as histórias são tão boas, em parte porque uma grande fatia da história parece uma terrível comédia de humor negro, e em parte porque o que a história faz em última análise é ensinar quantas maneiras há de ser Humano."

E qual é o papel da história hoje?
Muito contestado, como sempre foi, porque depende de a quem se pergunta. O papel da história para os políticos pode servir para aperfeiçoar quaisquer programas e visões que tenham. E isso pode estar à direita ou pode estar à esquerda. Mas os políticos tendem a não estar interessados ​​em muita complexidade, porque as mensagens políticas tendem a ter de ser bastante simples e, portanto, a compreensão do passado será adaptada a um programa político. Nas universidades, pelo menos no mundo anglófono, e pode ser diferente em Portugal, mas no mundo de língua inglesa acho que a História foi moralizada. Nas universidades, está-se a tornar costume ensinar lições de moral de uma forma que às vezes se torna um bocado problemática.

Pergunto-lhe por causa do seu famoso podcast e da popularidade que alcançou nos últimos anos: porque é que é importante popularizar a história, escrever para fora do mundo académico, para a sociedade?
Acho que a razão decisiva não é para ensinar as lições da história, ou porque se trate de um bem moral que as pessoas devam conhecer o passado. Acho que é só porque é muito interessante. Em última análise, essa é a razão – é porque é tão fascinante. E se você está fascinado por isso e quer compartilhar o seu fascínio, se descobre que outras pessoas estão interessadas em saber porque é que acha isso fascinante, então isto torna-se a maior alegria, a coisa mais maravilhosa. Acho que as pessoas se interessam em parte porque as histórias são tão boas, em parte porque uma grande fatia da história parece uma terrível comédia de humor negro, e em parte porque o que a história faz em última análise é ensinar quantas maneiras há de ser Humano, e que continuam a ser humanos em todos os períodos da história. Em todas as partes do mundo os humanos tiveram diferentes estratégias e suposições que trouxeram para o trabalho de viver e construir uma existência. E é essa variedade; a variedade é tão infinita que me parece infinitamente fascinante.

E é importante que tenhamos historiadores no espaço público, conhecê-los, conhecer os seus pontos de vista?
Não creio que seja importante que os historiadores per se tenham uma plataforma pública, mas penso que acrescenta à riqueza da vida conhecer o passado, porque, como disse, é muito interessante. E se houver pessoas com um interesse particular nele, sejam eles historiadores em universidades ou escritores ou podcasters ou qualquer outra coisa, que podem compartilhar a sensação de excitação e fascínio, então acho que aumenta a riqueza da riqueza humana.

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