É um dos principais desafios na passagem para a semana de quatro dias: assegurar que, por serem menos as horas de trabalho, os funcionários não veem a intensidade ou o ritmo crescer. Para isso, é necessário saber reorganizar o trabalho e a distribuição de tarefas. Em junho, Joe O’Connor, um dos maiores ativistas da semana de quatro dias e então presidente executivo da 4-Day Week Global, uma consultora que ajuda empresas a adotarem o modelo, avisava em declarações ao Observador: “Introduzir a semana de quatro dias num local com deficiências significativas provavelmente vai falhar“.
No início deste ano, a organização pôs em marcha os primeiros projetos-piloto coordenados à escala mundial em empresas com trabalhadores fixados sobretudo nos EUA, na Irlanda e na Austrália, mas também alguns na Nova Zelândia, no Reino Unido e Canadá. O relatório final, feito por uma equipa de investigadores das universidades de Boston, Cambridge e Dublin para a 4-Day Week Global, agora conhecido, fala num “sucesso estrondoso em praticamente todas as dimensões”, com empresas “extremamente satisfeitas” no que toca ao desempenho ou à produtividade.
As receitas, calculam, subiram um ponto percentual em cada mês. Os trabalhadores também relatam melhorias: na produtividade, na redução do stress, com mais tempo para a família e para os seus hobbies. As mudanças estendem-se à saúde física: foram mais as horas que passaram por semana a praticar exercício físico.
Mas o relatório também revela que os resultados não foram homogéneos: embora dois terços das empresas (que responderam ao inquérito) queiram manter o modelo, um terço ainda tem dúvidas. Do lado dos trabalhadores, também há diferenças: um terço diz ter sentido que o ritmo e a intensidade do trabalho aumentaram durante a experiência e nem todos os inquiridos conseguiram implementar os quatro dias, em todas as semanas do teste.
As diferentes formas de reduzir o horário de trabalho
Foram 33 as empresas, que participaram no projeto-piloto, maioritariamente dos EUA e da Irlanda, com 903 trabalhadores (no início da experiência, porque no final já iam em 969). Um dos projetos começou em fevereiro, outro em abril, sempre ao longo de seis meses e apoiados pela 4-Day Week Global na adaptação. As empresas tinham de se comprometer a reduzir os horários de trabalho, mas da forma que entendessem (desde que não houvesse redução salarial). Ou seja, não foram obrigadas a cumprir as 32 horas semanais (o equivalente a oito horas por dia durante quatro dias por semana — o modelo ideal para a consultora).
Segundo o relatório divulgado, os horários diminuíram, em média, seis horas semanais, de 40,83 por semana para 34,83 horas. “Apesar de não ser uma redução total para as 32 horas, é uma redução média significativa”, notam os investigadores.
Os modelos implementados foram, portanto, muito heterogéneos. “Algumas empresas planearam uma redução inferior a 8 horas. Em quatro empresas, as horas trabalhadas estavam bem acima das 40 quando o teste começou, e o novo horário ficou acima das 32. Enquanto noutras, algumas pessoas continuaram a fazer algum trabalho no dia de folga“, descrevem. Ou seja, nem todos conseguiram implementar na plenitude a semana de quatro dias: o número de dias de trabalho desceu, em média, de 5 para 4,36.
Se a grande maioria dos funcionários (91%) dizem ter aderido ao regime, há quem indique que, ainda assim, isso nem sempre foi possível. Questionados sobre com que frequência conseguiram tirar o quinto dia de folga, 79% dos inquiridos disseram que o fizeram todas as semanas, enquanto 13,76% apontaram que puderam fazê-lo uma vez a cada duas semanas e os restantes 7% indicaram que cumpriram a semana de quatro dias uma vez por mês, menos do que isso ou nunca. A sexta-feira foi o dia preferido para a folga.
Como é que as empresas vão poder testar a semana de quatro dias em 18 respostas
Em média, a produtividade e o bem-estar dos inquiridos melhoraram, mas houve exceções aos resultados positivos: 16% dos inquiridos sentiram-se mais stressados e 20% reportaram maiores níveis de burnout face ao início da experiência. Ainda assim, na média, estes dois indicadores desceram durante o teste.
Um terço das empresas ainda não decidiu se vai continuar com os 4 dias
Tal como no modelo que será implementado em Portugal, os dois meses que antecederam a experiência foram de preparação e de desenho do teste. As empresas puderam assistir a workshops, tiveram acesso a mentoria, ouviram testemunhos de pessoas que implementaram a semana de quatro dias, sozinhas ou com ajuda de profissionais. A maior parte das participantes (12) são dos setores administrativos, de tecnologias de informação e das telecomunicações. Seguem-se os serviços de atividade intelectuais e científicas e, em menor representação, as ONG. As restantes empresas estão dispersas por outros setores.
Antes e durante a experiência, foi-lhes pedido que fornecessem dados mensalmente relativos a métricas como as receitas, o absentismo, demissões, novas contratações, consumo de energia, entre outras, opcionais (nem todas entregaram toda a informação). A produtividade não foi incluída porque a forma como as várias empresas participantes a medem varia “consideravelmente”. Também tiveram de responder a um questionário final, mas, das 33 empresas, apenas 27 o fizeram, pelo que os resultados apenas se aplicam a essas.
Dois em cinco trabalhadores inquiridos moram nos EUA
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Houve uma preponderância das pequenas empresas no estudo: mais de metade (52%) tem 10 ou menos trabalhadores e uma mais de 400. Doze (36%) são 100% remotas e, por isso, não têm sequer uma sede.
Quase metade dos inquiridos têm menos de 35 anos, 30% têm entre 35 e 44 anos e cerca de 20% têm 45 anos ou mais. 51% são mulheres, 48% homens e os restantes não identificaram um género.
A maioria (72%) têm uma licenciatura, enquanto 14% têm posições executivas ou de gestão e 63% são trabalhadores das áreas intelectuais e científicas. São, sobretudo profissionais das tecnologias de informação e comunicação (36%). 29% têm, pelo menos, um filho.
Cerca de dois em cinco dos trabalhadores inquiridos vivem nos EUA, seguido-se a Austrália (21%), a Irlanda (18%), o Reino Unido (12%), a Nova Zelândia (5%) e o Canadá (2%).
Em termos gerais, o balanço da experiência é positivo: numa escala de 0 a 10, a avaliação que as empresas fazem é, em média, de 9. A nota desce quando as empresas são questionadas sobre os impactos na performance global da empresa — 7,6 (sendo 10 muito positivo) — e na produtividade — 7,7.
Das 27 empresas, dois terços (18) dizem que querem mesmo continuar com o regime. As restantes ainda têm dúvidas: sete “planeiam continuar, mas ainda não tomaram uma decisão”, uma está “inclinada” a manter e uma “ainda não tem a certeza”. Expressões diferentes para sinalizar indecisão. Mas “nenhuma tende a ser contra ou planeia não continuar”.
Estão abertas as candidaturas para o teste à semana de 4 dias
Entre as métricas avaliadas estão também as receitas, as horas trabalhadas ou os dias de ausência durante a experiência, antes e nos mesmos seis meses do ano anterior, para se fazerem comparações. Em relação às receitas, apenas 16 empresas cederam informação suficiente ao longo dos seis meses para as estatísticas: para essas, em média, o indicador subiu “mais de um ponto percentual por mês” durante o teste. E juntando as receitas de todas, o aumento (ponderado pelo tamanho das empresas) foi de 8,14%. Quando comparadas com os mesmos seis meses do ano anterior, o crescimento foi mais expressivo: 37,55%.
As empresas estiveram mais predispostas a contratar: o número de trabalhadores aumentou 12,16% em termos globais, nas 18 empresas que forneceram dados sobre o assunto. Este dado é salientado pelos investigadores uma vez que o teste decorreu durante a “Grande Demissão” (Great Resignation, em inglês, um período da pandemia em que muito trabalhadores se demitiram para procurar melhores empregos).
As empresas estiveram mais predispostas a contratar, mas os funcionários também não quiseram sair. “Não houve praticamente nenhuma alteração na probabilidade de um trabalhador se demitir entre o período de comparação [os mesmos meses de 2021] e o do teste”.
Maioria dos trabalhadores quer continuar, mas um terço viu ritmo de trabalho subir
Antes, durante e no final da experiência, os trabalhadores também foram convidados a preencher inquéritos. Dos mais de 900 participantes, só 495 cumpriram os passos essenciais à análise, pelo que as conclusões apenas se aplicam a este grupo, que faz uma avaliação positiva: deram 9,1 em 10 à experiência e praticamente todos (96,9%) dizem querer continuar (os restantes ainda não decidiram).
Esse otimismo é manifestado apesar de “pouco mais de um terço” dos trabalhadores ter sentido um aumento da intensidade e do ritmo de trabalho devido à redução dos horário, uma proporção que pode sinalizar que algumas empresas não foram capazes de adaptar o volume de trabalho, ou reorganizar os processos, em função da nova carga horária. Outro terço sentiu uma redução da intensidade e do ritmo e para os restantes não houve alteração.
“Em conjugação com os relatos das empresas, isto sugere que o processo de reorganização do trabalho e a diminuição do tempo não produtivo foram maioritariamente bem sucedidos”, indicam os investigadores. Apesar do terço de trabalhadores que indicou maior intensidade de trabalho, acrescentam que “a produtividade e a performance não foram atingidas através de uma aceleração [do ritmo de trabalho], que geralmente não é uma estratégia sustentável nem desejável”.
Outros indicadores podem indiciar dificuldades na adaptação ao modelo: cerca de 42% dos trabalhadores inquiridos dizem que a complexidade do trabalho aumentou, enquanto 41% referem que diminuiu, e os restantes não sentiram alterações. Mais: 16% sentiram-se mais stressados e 20% reportaram maiores níveis de burnout face ao início da experiência. Porém, na média, estes dois indicadores desceram.
Noutros estudos que têm sido feitos, um dos desafios foi garantir que a carga de trabalho diária não aumenta por diminuírem as horas trabalhadas. Como o Observador já escreveu, um estudo feito em empresas de média dimensão no setor dos serviços financeiros na Nova Zelândia, com 45 trabalhadores, concluiu que a semana de quatro dias trouxe benefícios para os funcionários, mas identificou “práticas enraizadas” de medição do desempenho, monitorização e “pressões de produtividade” que “foram intensificadas”.
Um outro estudo realizado entre 2015 e 2017 no setor público da Islândia, com a passagem das 40 para as 35 horas, mostrou os esforços para que a carga de trabalho não aumentasse. Foi preciso encontrar formas de reorganizar o trabalho e repensar tarefas: a duração das reuniões foi reduzida, tarefas “desnecessárias” eliminadas, turnos adaptados, removidas “pausas longas para café”.
Mais tempo para hobbies, família e exercício físico
Stress, burnout, cansaço, conflitos no equilíbrio entre vida familiar e profissional foram alguns dos indicadores analisados e “todos diminuíram”. Por outro lado, melhorou a saúde física e mental. Isso refletiu-se na performance dos trabalhadores: na autoavaliação, referem que a sua prestação no emprego passou de uma nota de 7,17 para 7,83. “As pessoas sentiram que foram mais produtivas e fizeram um melhor trabalho com a mudança para a semana de 4 dias. Em segundo lugar, os trabalhadores conseguiram aumentar o nível de controlo sobre os seus horários”, concluem os investigadores. Da mesma forma, também caíram as horas extraordinárias.
Um dos pontos avaliados — e que também será estudado no projeto-piloto em Portugal — é o que os trabalhadores fazem no dia extra de folga. No teste nos EUA e na Irlanda, a resposta foi: hobbies, trabalho doméstico e tempo para cuidarem de si próprios. “Uma conclusão muito bem-vinda é que as pessoas não usaram o dia extra para um segundo emprego”, afirmam os investigadores.
Em média, o stress diminuiu, de uma classificação de 3,15 para 2,95, enquanto dois em três trabalhadores (67%) reportaram menores níveis de burnout. A avaliação que fazem da sua saúde mental também melhorou, de 3,03 para 3,33. Assim como no que toca à saúde física. Parte do dia extra foi usada para exercício físico: os trabalhadores passaram, em média, mais 23,7 minutos por semana a praticar atividade física. “Isto sugere fortemente que uma semana de quatro dias tem o potencial de reduzir os custos associados com a saúde“, apontam os investigadores. Os hábitos de sono também melhoraram.
Uma das consequências destes benefícios pode ter sido a redução das faltas ao trabalho (o equivalente a meio dia face ao mesmo período do ano anterior), mas devido aos baixos números na amostra “não se pode concluir se estas tendências são estatisticamente significativas”.
Além disso, os investigadores não encontraram evidências fidedignas de que a semana de quatro dias possa diminuir a desigualdade entre homens e mulheres no trabalho doméstico, mas vão continuar a monitorizar este indicador para conclusões futuras. Ainda assim, há uma “evidência marginal” de que os homens passaram a contribuir mais para os cuidados das crianças.
Mas todas as melhorias identificadas foram resultado da semana de quatro dias? Pelo baixo número de empresas participantes, e porque as organizações que tendem a participar são aquelas que já estão, à partida, mais disponíveis para aceitar uma semana de 4 dias, não é certa a relação de causa-efeito. Ainda assim, os dados juntam-se a outros, de outros estudos, que têm sido feitos nos últimos anos, e que apontam para um aumento da produtividade e do bem-estar.
Para a equipa de investigadores do projeto-piloto nas 33 empresas dos EUA à Irlanda, que dizem ser independentes da 4-Day Week Global, as conclusões do estudo agora apresentado são sinais que devem “servir como um forte sinal para os empregadores de que é tempo de reformar a convenção quase centenária dos cinco dias, 40 horas por semana, e abraçar a semana de 4 dias e 32 horas”.
Outros países continuam a testar (o Reino Unido, por exemplo, tem um projeto-piloto com mais de 3.000 trabalhadores). Em Portugal, esse estudo vai começar em junho do próximo ano. Até janeiro, as empresas podem inscrever-se para sessões de informação e, em fevereiro, decidir se efetivamente querem participar. Se o fizerem, comprometem-se a reduzir o horário de trabalho, para 32, 34 ou 36 horas semanais, sem cortes salariais. Em dezembro será feita a avaliação e só aí se perceberá se se juntam aos dois terços de empresas que, neste mais recente estudo, já decidiram manter os quatro dias de trabalho.