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Nos dias 18 e 19 de junho, foi leiloado, em Lisboa, um importante conjunto de livros modernistas. O leilão, organizado pela José F. Vicente Leilões, que tem a sua sede na Livraria Olisipo, no Largo Trindade Coelho, decorreu no Palácio da Independência, pelas 21h. Ao todo, foram colocados à venda 763 livros. Os lotes incluíam obras de autores como José de Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro ou Judith Teixeira, mas também edições mais antigas (do século XIX e até anteriores) e mais recentes, livros e revistas (como os três números da SW Sudoeste, onde participaram alguns dos membros do Orpheu). Uma parte substancial foi composta por obras de e sobre Fernando Pessoa, nomeadamente três primeiras edições de Mensagem, a única obra que o poeta publicou em vida. A mais rara das três, mandada encadernar pelo próprio Pessoa para oferecer a um familiar, foi arrematada por 25 mil euros.
A joia do leilão foi, contudo, um conjunto de obras que faziam parte da biblioteca particular do poeta. Estas estavam em sua casa em Campo de Ourique quando morreu a 30 de novembro de 1935, aos 47 anos, tendo passado depois para a família, que agora as decidiu colocar à venda (a Casa Fernando Pessoa tem em sua posse um número substancial de exemplares, mas não a sua totalidade). O grupo é peculiar e mostra a diversidade de interesses que Pessoa cultivava, que iam desde literatura russa à inglesa, passando pelo estudo da fisionomia e, em particular, dos narizes. Os lotes incluíam também a cópia de Pessoa da Athena, com anotações e correções a lápis, que são fundamentais para o estudo da obra do do heterónimo Ricardo Reis, apresentado no primeiro número da revista.
Mas o mais surpreendente de tudo foi talvez o que passou mais despercebido. Entre as várias obras que, no catálogo do leilão, a José F. Vicente admitiu terem pertencido ao autor de “Autopsicografia”, estavam exemplares que os responsáveis pela catalogação da biblioteca pessoal do poeta, um empreendimento levado a cabo entre 2008 e 2010 no âmbito de uma colaboração entre a Casa Fernando Pessoa e a Universidade de Lisboa, nunca tiveram oportunidade de ver. Por essa razão, nunca foram registados e não se encontram referidos na obra Biblioteca Particular de Fernando Pessoa, que deveria reunir todos os volumes que Pessoa tinha em casa. Por outras palavras, é como se nunca tivessem existido. Porquê? Essa é uma pergunta para a qual ninguém parece ter resposta.
A biblioteca pessoal de Fernando Pessoa, um leitor muito peculiar
A biblioteca particular de Fernando Pessoa, como é geralmente apelidada, terá sido constituída, gradualmente, entre finais de 1898 e o outono de 1935, ano da morte do poeta. Apesar de Pessoa ser um autor português, que escrevia em português, a grande maioria dos títulos que lhe pertenceram eram em inglês. Isto explica-se pelo facto de o escritor ter passado a sua infância e primeira juventude em Durban, na África do Sul, onde estudou em escolas de língua inglesa. O inglês era, assim, uma língua que lhe saía tão naturalmente quanto o português, como mostram os papéis da famosa “arca”.
Pessoa, um leitor voraz, parecia preferir investir o seu dinheiro em livros em inglês, já que muitos dos títulos em português que fazem parte da sua biblioteca lhe foram oferecidos, como revelam as dedicatórias que neles constam. O poeta tinha por hábito comprar livros na Livraria Inglesa de Lisboa, que ficava na Rua do Arsenal, mas também os encomendava de Inglaterra com alguma assiduidade. São estes que constituem uma parte substancial da sua biblioteca privada, onde também é possível encontrar obras noutras seis línguas, como o espanhol, o francês e o até o grego. “Parece antes a biblioteca de um autor inglês que tivesse a necessidade de recorrer a traduções francesas e algum interesse especial pela literatura portuguesa”, como foi apontado na introdução do catálogo Biblioteca Particular de Fernando Pessoa, publicado em 2010.
A Casa Fernando Pessoa tem supostamente na sua posse a maioria dos livros que pertenceram a Fernando Pessoa e que passaram para a sua família mais próxima depois da sua morte (tal como o conteúdo da famosa “arca”). Uma parte desta coleção foi adquirida em 1988 pela Câmara Municipal de Lisboa, que comprou nesse ano a Henriqueta Madalena Nogueira Dias, irmã do poeta, “um conjunto de objetos que incluía uma estante e os livros nela contidos e que vieram a estar à guarda da Casa Fernando Pessoa, inaugurada em 1993”. De acordo com as informações disponibilizadas ao Observador pelo espaço museológico, o poeta “tinha outros livros que não foram incluídos neste lote inicial, provavelmente por se encontrarem noutros lugares que não a referida estante”.
Entre 2008 e 2010, os livros que tinham pertencido ao escritor português que estavam na Casa Fernando Pessoa e com os sobrinhos e herdeiros, Manuela Nogueira e Luís Miguel Rosa, foram catalogados, digitalizados e disponibilizados online por uma equipa de investigadores internacionais coordenada por Jerónimo Pizarro, Patricio Ferrari e António Cardiello. Na altura, contaram-se 1.312 títulos, dos quais 1.060 estavam no edifício da Rua Coelho da Rocha (um número que é hoje superior), em Campo de Ourique, e os restantes com os sobrinhos de Pessoa. Havia ainda 99 que estavam, e estão, na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), que tem à sua guarda os papéis do poeta (Espólio 3). Tratam-se de “folhetos e recortes de imprensa, alguns números de jornais”, a maioria com apontamentos do escritor, explicou a diretora Maria Inês Cordeiro ao Observador. Estes também foram catalogados entre 2008 e 2010.
O trabalho, realizado no âmbito de uma colaboração protocolada entre a Casa Fernando Pessoa e o Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, foi publicado em livro, numa edição bilingue (português-inglês), pela editora Dom Quixote, em 2010. Esta obra foi utilizada pela José F. Vicente Leilões na elaboração do catálogo do leilão, onde surgem identificados todos os itens referidos por Pizarro, Ferrari e Cardiello em Biblioteca Particular de Fernando Pessoa. Alguns são em português e outros em inglês.
Deste último conjunto, foram a leilão obras como The Encyclopedia of Wit ou How to Read Character in Features, Forms, & Faces: a guide to the general outlines of physiognomy, de Henry Frith. O primeiro trata-se de um livro de anedotas, editado em Londres em 1804, que tem a particularidade de ter uma dedicatória para Álvaro de Campos do “seu amigo Alberto”, datada do final de 1923. Pertencia a Manuela Nogueira. O segundo, publicado também em Londres em 1891, e que estava igualmente na posse da sobrinha do poeta, é um dos vários volumes de Fernando Pessoa dedicados ao estudo da fisionomia. O poeta tinha particular interesse pelo estudo dos narizes e chegou até a idealizar uma obra sobre como interpretá-los. Em How to Read Character in Features, cujo capítulo VIII era dedicado apenas ao nariz, deixou varias notas, a tinta, sobre o tema. O preço estimado pela leiloeira para ambas as obras foi de 400 a 800 euros.
Dos exemplares em português, destaca-se uma edição de 1930 de Canções, de António Botto, numerada e assinada pelo autor, mas sobretudo os cinco números da Athena. Revista de Arte, que pertenceram ao poeta e que a leiloeira descreveu como o seu “exemplar de trabalho”. Dirigida por Fernando Pessoa e Roy Vaz e publicada entre outubro de 1924 e fevereiro de 1925, a Athena contou com a colaboração de autores como José de Almada Negreiros, Luís de Montalvor ou Mário Saa. O exemplar levado a leilão, por um valor estimado de 750 a 1.500 euros, é particularmente importante para o estudo da obra de Ricardo Reis, que fez a sua estreia no número 1 da revista com um conjunto de 20 odes (escritas entre 1923 e 1924). Pessoa alterou posteriormente algumas dessas odes nas páginas desta Athena, que tinha em sua casa.
Apesar de importantes, estas alterações só foram tidas em conta na edição de 2016 da Obra completa de Ricardo Reis, publicada pela Tinta-da-China, porque, como se explica na mesma, “o exemplar esteve na posse de Manuela Nogueira”, filha da irmã Henriqueta (a Teca), até 2008, quando foi leiloado juntamente com outros objetos pessoais do autor de Mensagem. Entre estes contavam-se o chamado “Dossier Crowley”, que inclui testemunhos da relação do poeta com o mago inglês Aleister Crowley, e a famosa arca de madeira onde o poeta mantinha os seus manuscritos. O Estado ficou com 14 dos lotes levados a leilão, por um custo total de 157 mil euros. Foi nessa altura que a Athena foi digitalizada, encontrando-se disponível online no site da Casa Fernando Pessoa.
O catálogo do leilão incluiu ainda dois livros com dedicatórias escritas pelo punho do próprio Fernando Pessoa que também estavam com a família. Um deles era Peeps at Many Lands. Portugal, de Agnes M. Goodall, assinado pelo escritor português para a irmã Teca a 27 de novembro de 1910; o outro era o mais valorizado de todo o leilão — uma versão personalizada da primeira edição de Mensagem, que Pessoa mandou encadernar na tipografia onde a obra foi composta e impressa para oferecer à família que lhe era mais próxima. Existirão três ou quatro destes exemplares, feitos nas oficinas da Editorial Império, na Rua do Salitre.
Esta Mensagem, dedicada à irmã Henriqueta, estava avaliada entre 8 mil a 15 mil euros, mas foi vendida por um valor muito superior, 25 mil euros. E até podia ter sido por mais, como revelou Bruno Vicente, da José F. Vicente Leilões, ao Observador — o comprador estava disposto a dar o que fosse preciso para ficar com o livro. De acordo com o leiloeiro, o valor é até pouco comum, uma vez que exemplares autografados da Mensagem costumam ser vendidos por menos de 10 mil euros. Houve um, que Bruno Vicente tinha em sua posse, foi vendido num outro leilão por 6 mil euros.
O mistério dos livros não catalogados que ninguém consegue explicar
O mais surpreende no leilão realizado a 18 e 19 de junho não foi tanto aquilo que se conhecia, mas antes aquilo que não se conhecia. O suplemento do catálogo dedicado à biblioteca particular do poeta e a outras obras raras, que pode ainda ser consultado no site da Livraria Olisipo, inclui, pelo menos, três exemplares (em português e inglês) que não foram identificados pelo grupo de trabalho coordenado por Pizarro, Ferrari e Cardiello entre 2008 e 2010, mas que se encontravam com a família. Os livros em português ter-lhe-ão sido oferecidos (uma deles tem uma dedicatória), enquanto os em inglês terão sido adquiridos pelo próprio poeta, fazendo eco do processo de aquisição de obras literárias que já descrevemos. Estas são:
- A segunda edição de Cantares, de António Botto (a primeira edição terá saído em 1919), assinada e numerada, com uma dedicatória para o “amigo Fernando”;
- Catálogo da exposição João Vaz na Sociedade Nacional de Belas-Artes, em janeiro de 1932;
- Bacon vs. Shakespeare, de Edwin A.M. Reed, com assinatura de Pessoa e várias passagens sublinhadas por ele.
Como é que isto se explica? Questionada pelo Observador, a Casa Fernando Pessoa declarou que, “relativamente à catalogação de 2008-2010”, só pode responder “sobre os livros então à guarda da Casa”. “A catalogação foi liderada por uma equipa de investigadores, com o apoio e em articulação com a Casa [Fernando Pessoa], e abrangeu os livros depositados na casa e na posse da família. Não estamos em condições de responder por livros que então não foram localizados”, disse ainda. Sobre o número total de títulos indicados na edição da Dom Quixote — 1.312 –, que não engloba os três colocados à venda no passado mês de junho, o organismo sediado na casa onde viveu Pessoa disse que este foi “o total indicado por Jerónimo Pizarro no livro do catálogo da Biblioteca Particular”.
Jerónimo Pizarro explicou ao Observador que “esse número foi o resultado de diversos confrontos e pesquisas. Existiam listas anteriores e nós [a equipa de catalogação] queríamos preparar uma mais completa e atualizada. Esse é o maior número de títulos que foi possível identificar recorrendo a diversas fontes”, afirmou o pessoano, frisando que “talvez o adjetivo fulcral neste momento seja ‘identificados’”. Esta identificação foi feita apenas parcialmente no interior da Casa Fernando Pessoa, já que os restantes volumes se encontravam com Manuela Nogueira e Luís Miguel Rosa. A digitalização destes foi feita nas suas respetivas residências após um processo de seleção, como relatou Pizarro: “O que foi digitalizado entre 2008 e 2010 foi o material fornecido pelos sobrinhos; percorremos algumas estantes e sugerimos quais livros podiam ter pertencido a Pessoa, mas a última palavra foi dos herdeiros. Nós não tínhamos nem tínhamos que ter acesso aos espaços todos das casas da família de Fernando Pessoa. Sabíamos de livros previamente inventariados e o que fizemos foi perguntar pelo que investigadores anteriores já tinham consultado e por livros que Manuela Nogueira e Luís Rosa achassem terem pertencido a Pessoa”.
Quanto ao aparecimento de volumes desconhecidos no leilão, o professor na Universidad de los Andes, em Bogotá, Colômbia, admite não saber explicar como é que tal aconteceu. “São livros que poderão ter estado, por exemplo, fora das estantes que consultamos, ou provisoriamente na casa de um outro membro da família. Numa biblioteca — e ainda mais num conjunto de bibliotecas — existem sempre livros fora do lugar e livros parcialmente esquecidos. Imagino que os ‘novos’ livros são livros que apareceram depois de 2010. O certo é que nunca se fez um estudo das várias bibliotecas da família de Fernando Pessoa, apenas listas de livros identificados”, disse ainda. “De resto, o que é um mistério é como é que a Casa Fernando Pessoa, quando foi fundada, deixou de receber mais de uma centena de títulos, e se os títulos não recebidos foram identificados antes de 2010.”
Dando como exemplo a doação da gramática The Elements of the English Language, de Ernest Adams, por um privado em 2018, fonte oficial da Casa Fernando Pessoa considerou ser normal que vão surgindo volumes que pertenceram a Fernando Pessoa e que nunca foram identificados. Isso mostra que a biblioteca particular do poeta é “um organismo vivo”, que continua a crescer apesar de o escritor ter morrido há mais de oito décadas. A última grande atualização aconteceu em 2016, quando o espaço da Rua Coelho da Rocha recebeu alguns objetos, incluindo o papel com a famosa última frase de Pessoa, e 84 títulos que estavam na posse da família do escritor. Todos estes já tinham sido, no entanto, inventariados.
BNP não exerceu direito de preferência. Bens classificados ficaram para a Câmara Municipal
A 30 de julho de 2009, foi aprovado em Conselho de Ministros o decreto que procedeu à classificação do espólio de Fernando Pessoa como bem de interesse nacional, passando a ser designado, a partir de 14 de setembro, data da sua publicação em Diário da República, como “tesouro nacional”. Como ficou registado no Decreto n.º 21/2009, o objetivo era “evitar o risco de dispersão, deterioração ou perecimento” da obra de um poeta cujo “legado cultural” tem hoje um valor “incontroverso, expresso no reconhecimento de críticos e pensadores sobre o valor de civilização e cultura dos escritos que deixou”.
A singularidade da obra deixada por Pessoa, maioritariamente por publicar e distribuída por diferentes suportes, atribui ao seu espólio documental “um valor cultural único”. “A relevância cultural desse espólio confunde-se, pois, com a obra, já que é essencialmente no espólio que esta se materializa. Não se tratando de materiais acabados ou definitivamente fixados pelo autor, o espólio constitui uma matriz aberta a diferentes leituras que nem o mais laborioso conjunto de investigações poderá fechar”, refere o Decreto n.º 21/2009. Por essa razão, o espólio de Pessoa, classificado como bem de interesse nacional, não inclui apenas as folhas de papel onde o escritor rabiscou os seus poemas. Como se explica no decreto:
É “compreendido como a universalidade de facto composta por todos os documentos produzidos ou reunidos por Fernando Pessoa, seja na forma de manuscritos autógrafos, isolados ou integrados em documentos de terceiros, assinados ou não, de datiloscritos ou tiposcritos, com ou sem intervenção autógrafa, assinados ou não, bem como todos os documentos biográficos de Fernando Pessoa ou que registem as suas técnicas e hábitos, assinados ou não, seja qual for o acabamento do texto ou textos neles contidos, e os documentos impressos que se reconheça terem pertencido à sua biblioteca e ostentem marcas autógrafas de utilização”.
Este manancial de material inclui, naturalmente, os livros que Fernando Pessoa tinha na sua biblioteca pessoal. Muitos deles, e incluindo alguns dos que foram levados a leilão na semana passada, constituem um testemunho único do seu processo criativo e método de trabalho e têm, por isso, igual valor cultural e patrimonial. Por essa razão, e de acordo com a Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, que estabelece as bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural, as obras que pertenceram ao escritor português não podem ser colocadas à venda sem que o “serviço competente” seja informado. Isto porque, segundo o Artigo 37.º da mesma lei, o Estado goza de direito de preferência “em caso de venda ou doação em pagamento de bens classificados ou em vias de classificação”. Caso as entidades competentes não sejam informadas, a Lei prevê a anulação do processo de compra e venda.
No caso do espólio de Fernando Pessoa, o “serviço competente” é a BNP que, além do papel que desempenha na preservação e divulgação da documentação “considerada de interesse para a língua portuguesa, a cultura e o conhecimento científico do País”, deve também exercer, “em representação do Estado, o direito de preferência em caso de alienação, designadamente, em hasta pública ou leilão, de espécies e coleções bibliográficas, fundos bibliográficos e espólios documentais”, como se encontra estabelecido no Decreto-Lei n.º 78/2012, de 27 de março, onde se aprovou a orgânica da BNP.
A BNP foi previamente informada da realização do leilão e teve assim oportunidade de ver as obras da biblioteca de Pessoa colocadas à venda. Não participou na venda pública porque, como explicou a diretora Maria Inês Cordeiro ao Observador, “tal não é necessário para se reservar/exercer o direito de preferência. Para o efeito, e conforme é habitual, a BNP notificou o leiloeiro dos lotes sobre os quais se reserva o direito de preferência” — todos aqueles abrangidos pelo Decreto n.º 21/2009, de 14 de setembro —, e “ainda mais alguns”. Contudo, a Biblioteca Nacional “acabou por decidir não exercer esse direito já que também a Câmara Municipal de Lisboa fez a notificação de interesse, podendo exercer a preferência” ao abrigo da mesma Lei n.º 107/2001.
Esse direito de preferência foi exercido no dia 28 de junho, “destinando-se os bens à Casa Fernando Pessoa”, que também teve oportunidade de ver as obras em causa. Ainda segundo a diretora da BNP, “apenas duas peças a leilão com marcas autógrafas” ficaram para outros compradores. Este dois livros, que ostentam dedicatórias de Fernando Pessoa, “não foram preferidos” pela Câmara de Lisboa e não ficaram para a Biblioteca Nacional “por não se justificar a sua aquisição”. “Enquanto entidade patrimonial competente, a BNP regista a sua existência e transmissão de posse, e irá notificar os compradores das medidas de proteção que sobre esses bens classificados impedem e das obrigações legais dos detentores”, explicou ainda Maria Inês Cordeiro, destacando entre essas medidas “a interdição de saída do território nacional de bens classificados como de interesse nacional”.
Casa Fernando Pessoa aumenta a sua coleção com nove livros que pertenceram ao poeta
A Casa Fernando Pessoa adiantou que a autarquia lisboeta “tomou a iniciativa de exercer o direito de preferência, em cumprimento do previsto na legislação aplicável, sobre lotes de bens culturais classificados, o que já foi formalmente comunicado ao leiloeiro”, não especificando, contudo, quais os livros em causa. Foram também licitados durante o leilão “outros dois lotes, não classificados do mesmo espólio”, isto é, que não apresentam marcas autógrafas de utilização, pela EGEAC, a empresa de gestão de equipamentos e animação cultural da Câmara de Lisboa que tem sob a sua tutela o espaço museológico dedicado ao poeta desde 2012. Estes são:
- Eduardo Malta, de Ricardo Espírito Santo Silva, com dedicatória do autor “ao grande poeta Fernando Pessoa”;
- Orpheu. Afina a Lira, um panfleto lançado com o intuito de criticar a revista com o mesmo nome. É referido por Mário de Sá-Carneiro numa carta para Pessoa de 23 de agosto de 1915.
Além dos dois exemplares não classificados, a Casa Fernando Pessoa vai receber outros sete títulos considerados de interesse nacional, adquiridos pela Câmara Municipal de Lisboa. Entre estes contam-se um dos livros que não foi identificado pela equipa de trabalho entre 2008 e 2010 — Bacon vs. Shakespeare, de A.M. Edwin. Este será o 19.º título sobre questões relacionadas com a autoria e identidade do dramaturgo inglês, um tema pelo qual Pessoa tinha particular interesse, a integrar o espólio do organismo sediado em Campo de Ourique. A importante cópia da Athena. Revista de Arte passará também a integrar a coleção, juntamente com:
- How to Read Character in Features, Forms, & Faces: a guide to the general outlines of physiognomy, de Henry Frith, com duas assinaturas de Fernando Pessoa (“F. Pessôa” e F.A.N. Pessôa”), notas e sublinhados;
- Scientific Phrenology. Being a practical mental science and guide to human character, de Bernard Hollander, com assinatura de Pessoa na folha de guarda (datada de 13 de junho de 1905, data do seu 17.º aniversário), sublinhados e traços verticais;
- A Morte de D. João, de Guerra Junqueiro, com dedicatória para a mãe do poeta (“Oferece à Mamã, o Fernando”), datada de 30 de dezembro de 1909;
- Plays by…, de Anton Tchekoff, com assinatura de Pessoa, sublinhados e traços verticais;
- An Introduction to the Study of the Kabalah, de William Wynn Westcott, com passagens sublinhadas e anotações.
“A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa, o conjunto dos livros que leu e onde deixou notas, é sem dúvida um caminho para o melhor conhecimento do leitor e do escritor que Pessoa foi”, afirmou o espaço museológico dedicado ao poeta de Mensagem. As novas aquisições, “são livros que vão enriquecer a coleção da Casa Fernando Pessoa no momento em que se prepara uma nova museografia que mostrará de forma mais comunicativa a público este importante acervo A sede na Rua Coelho da Rocha encontra-se atualmente encerrada para obras, que irão permitir ter a biblioteca privada de Pessoa, o acervo mais importante, em exposição. Espera-se que reabra ainda este ano.
O Observador tentou contactar diretamente a autarquia no sentido de saber o valor envolvido na compra dos novos exemplares da biblioteca pessoal de Fernando Pessoa mas, até ao momento, não foi possível obter uma resposta. Estas aquisições serão formalmente comunicadas esta quinta-feira à tarde.