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Da esquerda para a direita, o relator António Ascensão Ramos (à esquerda), José Figueiredo Dias, Gonçalo Almeida Ribeiro e Mariana Canotilho são os quatro dos cinco juízes que aprovaram o acórdão n.º 370/2023. Falta na imagem a juíza Assunção Raimundo que não está disponível no site do TC
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Da esquerda para a direita, o relator António Ascensão Ramos (à esquerda), José Figueiredo Dias, Gonçalo Almeida Ribeiro e Mariana Canotilho são os quatro dos cinco juízes que aprovaram o acórdão n.º 370/2023. Falta na imagem a juíza Assunção Raimundo que não está disponível no site do TC

Da esquerda para a direita, o relator António Ascensão Ramos (à esquerda), José Figueiredo Dias, Gonçalo Almeida Ribeiro e Mariana Canotilho são os quatro dos cinco juízes que aprovaram o acórdão n.º 370/2023. Falta na imagem a juíza Assunção Raimundo que não está disponível no site do TC

Tribunal Constitucional reforça tese do MP sobre a não prescrição dos crimes de corrupção na Operação Marquês

Juízes do Constitucional declaram que a contagem da prescrição dos crimes de corrupção começa com o pagamento dos subornos. Tese que o MP está a defender nos autos do caso Sócrates ganha força.

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O tema jurídico é árido (a contagem do prazo de prescrição), mas as consequências da decisão unânime tomada a 7 de junho por cinco juízes do Tribunal Constitucional (TC) são claras: a contagem do prazo de prescrição num caso de corrupção inicia-se com o recebimento do último suborno e o recurso do Ministério Público (MP) para levar José Sócrates a julgamento pela alegada prática de três crimes de corrupção ganha assim força.

Mais: a tese jurídica acolhida pelo juiz Ivo Rosa, de que a contagem do prazo de prescrição começa com a data do acordo corruptivo (e não com o pagamento do último suborno), é explicitamente censurada pelo acórdão de 7 de junho subscrito por cinco juízes do Palácio Ratton.

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Isto é relevante porque o acórdão n.º 90/2019, subscrito pelo juiz Cláudio Monteiro e agora censurado pelo acórdão n.º 370/2023, foi a base constitucional invocada por Ivo Rosa para avançar para a prescrição de todos os crimes de corrupção imputados a Sócrates, Armando Vara, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e Ricardo Salgado, entre outros arguidos.

Enfatize-se que esta é a primeira vez que o Constitucional coloca em causa o acórdão de Cláudio Monteiro — uma decisão que quebrou uma unanimidade que existia até essa altura no Tribunal Constitucional sobre a matéria da contagem da prescrição. “Agora foi reposta a normalidade”, assegura fonte judicial.

O recurso dos procuradores Rosário Teixeira e Vítor Pinto sobre a decisão de não pronúncia de Ivo Rosa, e que está a ser apreciado pela Relação de Lisboa desde fevereiro de 2023, defende precisamente a tese agora acolhida pelo acórdão do Tribunal Constitucional.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a forma como este acórdão do TC poderá ter influência na Operação Marquês.

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O caso que deu origem ao novo acórdão do Constitucional

Este novo acórdão tem origem num recurso do empresário Fernando Rodrigues Gouveia, responsável da empresa construtora MRG que já foi acusado e condenado em vários processos relacionados com as Parcerias Público-Privadas (PPP) que propôs a várias autarquias.

A última acusação aconteceu em Lisboa (envolvendo autarcas como Isaltino Morais e Susana Amador) e o último julgamento verificou-se na Guarda, onde Rodrigues Gouveia foi condenado a uma pena única de prisão efetiva de seis anos e seis meses por vários crimes económico-financeiros, entre os quais corrupção ativa.

No mesmo caso, os ex-autarcas Álvaro Amaro e Luís Tadeu (de Gouveia) foram condenados a três anos e meio de prisão com pena suspensa, enquanto Júlio Sarmento (ex-presidente da Câmara de Trancoso) foi condenado a uma pena de prisão efetiva de sete anos, pelos crimes de prevaricação de titular de cargo político, corrupção e branqueamento de capitais.

Os ex-autarcas João Burrica e Rui Pingo foram acusados dos crimes de prevaricação, de corrupção passiva e branqueamento de capitais por terem alegado recebido cerca de 335 mil euros (divididos pelos dois) para beneficiar a empresa MRG na adjudicação da construção do complexo de piscinas em regime de PPP.

No caso que deu origem ao acórdão do Tribunal Constitucional, Fernando Rodrigues Gouveia foi condenado em 2021 pelo Tribunal Judicial de Portalegre a cinco anos de prisão efetiva pelos crimes de corrupção ativa de titular de cargo político, corrupção ativa e de branqueamento de capitais.

Os ex-autarcas envolvidos eram João Burrica (ex-presidente da Câmara de Campo Maior) e Rui Pingo (ex-presidente da Assembleia Municipal de Campo Maior) — que foram acusados pelo Ministério Público dos crimes de prevaricação, de corrupção passiva e branqueamento de capitais por terem alegadamente recebido cerca de 335 mil euros (divididos pelos dois) de Rodrigues Gouveia através de duas empresas de consultadoria. Tudo para alegadamente beneficar a empresa MRG na adjudicação da construção do complexo de piscinas em regime de PPP.

Todos os arguidos recorreram para o Tribunal da Relação de Évora das penas aplicadas pela primeira instância, mas houve um recurso interlocutório de Fernando Rodrigues Gouveia relacionado com a prescrição que veio a dar origem ao Acórdão n.º 370/2023 do Tribunal Constitucional. O sócio e responsável da construtora MRG alegava que o caso já tinha prescrito pelo facto de o alegado pacto corruptivo ser datado de 2006 e de o prazo de prescrição ser de apenas 10 anos.

Ou seja, e seguindo um raciocínio semelhante ao do juiz Ivo Rosa na decisão instrutória da Operação Marquês, o procedimento criminal já tinha prescrito antes de Fernando Rodrigues Gouveia ter sido constituído arguido a 24 de fevereiro de 2017.

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A Relação de Évora não deu razão à defesa do empresário da MRG, concordando a 27 de setembro de 2022 com o Ministério Público de que a data dos últimos pagamentos (que ocorreram em março e em junho de 2009) é que são determinantes para a contagem do prazo de prescrição — logo, os crimes de corrupção não tinham prescrito em fevereiro de 2017 e a referida contagem foi interrompida com a constituição de arguido.

Fernando Rodrigues Gouveia recorreu ao Tribunal Constitucional com o argumento de que a leitura jurídica de que a contagem do prazo de prescrição se inicia com o recebimento da última vantagem é inconstitucional. E invocou, como vários arguidos noutros processos têm feito, o acórdão n.º 90/2019 que tem Cláudio Monteiro como relator.

Unanimidade no Tribunal Constitucional contra o acórdão de Cláudio Monteiro

O relator António da Ascensão Ramos e os juízes conselheiros Gonçalo Almeida Ribeiro, Assunção Raimundo, José Eduardo Figueiredo Dias e Mariana Canotilho foram unânimes e rejeitaram de forma clara os argumentos da defesa do empresário condenado pelos crimes de corrupção ativa.

O relator Ascensão Ramos começa por considerar que a decisão tomada pela Relação de Évora (de considerar que o que interessa é o recebimento da última vantagem) entra em “flagrante colisão” com “o juízo firmado pelo Tribunal Constitucional no sobredito Acórdão n.º 90/2019”.

O relator Ascensão Ramos começa por considerar que a decisão tomada pela Relação de Évora (de considerar que o que interessa é o recebimento da última vantagem) entra em "flagrante colisão" com "o juízo firmado pelo Tribunal Constitucional no sobredito Acórdão n.º 90/2019"

Ora, o acórdão de Cláudio Monteiro foi aprovado com os votos a favor de José Teles Pereira e de João Pedro Caupers (ex-presidente do Tribunal Constitucional), mas teve o voto de vencida de Fátima Mata-Mouros. E defendeu que apenas era constitucionalmente possível defender que a consumação do crime acontecia com o acordo feito entre corruptor ativo e passivo.

De acordo com esta tese, “o crime tem de se entender nessa altura consumado, também para efeitos do início do curso do prazo prescricional, independentemente do que venha a suceder mais tarde no âmbito do pacto corruptivo firmado”. A consumação do crime por via do recebimento, a tal fase posterior ao acordo, viola o “princípio da legalidade penal”, daí a “inconstiticionalidade material” dessa leitura, lê-se no Acórdão n.º 90/2019.

O relator Ascensão Ramos e os quatro juízes que o acompanharam na apreciação da questão constitucional discordam dessa visão. Apesar de admitirem que a leitura de Cláudio Monteiro é possível, dizem claramente que está longe de ser a única ou sequer maioritária na comunidade jurídica.

Apesar de as normas que suportam os crimes de corrupção ativa e passiva do Código Penal e de leis especiais para os titulares de cargos políticos permitirem a leitura de que o crime se consuma com o acordo, também permitem o entendimento objetivo de que, “quando tem a entrega subsequente à promessa, opera uma atualização do momento de consumação do delito”, lê-se no Acórdão n.º 370/2023.

Operação Marquês vai prescrever? Talvez não

Daí que exista a “distinção, com grande tradição na doutrina e jurisprudência penais, entre consumação formal e consumação material”. Mais: “ainda que a infração se tenha por típica ou formalmente consumada com a prática do primeiro, a persistência na ação ofensiva do bem jurídico deslocará o ponto de consumação material para a realização do último facto lesivo”, conclui o relator Ascensão Ramos.

É por isso que a data do recebimento da última vantagem ou suborno (o tal “último facto lesivo”) é o ponto essencial para o início da contagem do prazo de prescrição. O relator Ascensão Ramos enfatiza mesmo que é precisamente assim que é entendida a consumação do crime de corrupção na Alemanha (“onde a matéria não chega a ser sequer objeto de controvérsia”), em Itália, em França e no Brasil.

Daí que os cinco juízes conselheiros tenham entendido “não julgar inconstitucional” o disposto nos art. 119.º e art. 374.º do Código Penal “quando interpretados no sentido de que o prazo de prescrição do crime de corrupção ativa é contado a partir da data em que ocorra entrega de uma dada vantagem ao funcionário, e não a partir da data em que ocorra a promessa dessa vantagem”.

Tal como “não é inconstitucional a leitura de que o prazo prescricional do crime de corrupção ativa é contado a partir da data do pagamento dos subornos (leia-se, entrega da vantagem ao titular de cargo político) e não a partir da data em que se dá a oferta e aceitação da vantagem”.

É por isso que a data do recebimento da última vantagem ou suborno (o tal "último facto lesivo") é o ponto essencial para o início da contagem do prazo de prescrição. O relator Ascensção Ramos enfatiza mesmo que é precisamente assim que é entendida a consumação do crime de corrupção na "Alemanha (onde a matéria não chega a ser sequer objeto de controvérsia)", em "Itália", em "França" e no "Brasil".

Esta decisão unânime de cinco juízes do Tribunal Constitucional poderá ter importância na tramitação do recurso do Ministério Público sobre a decisão de não pronúncia do juiz Ivo Rosa de todos os alegados corruptores e corrompidos da Operação Marquês.

Isto porque o magistrado que liderou a fase de instrução criminal da Operação Marquês entendeu seguir a tese de Cláudio Monteiro, defendendo que o “início” da contagem “do prazo de prescrição nos crimes de corrupção” a partir do recebimento da última vantagem “conduz, sem fundamento dogmático e sem fundamento legal, à criação de uma nova categoria de crime — a do crime de consumação continuada — em manifesta violação do princípio da legalidade”, lê-se na decisão instrutória.

Enfatize-se, por outro lado, que o Tribunal da Relação de Lisboa tem tomado várias decisões nos últimos dois anos que acompanham exatamente a visão agora reforçada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 370/2023.

A declaração de voto que ataca o acórdão de Cláudio Monteiro

O acórdão publicado no site do Tribunal Constitucional tem ainda anexa uma declaração de voto do juiz conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro (atual vice-presidente do tribunal) que fez questão de reforçar os argumentos apresentados pelo relator, subscrevendo a decisão por entender que a fundamentação da mesma demonstra “cabalmente” que, ao contrário do que se entendeu no Acórdão n.º 90/2019″, o prazo de prescrição do crime de corrupção ativa “é contado a partir da data em que ocorra a entrega de uma dada vantagem ao funcionário, e não a partir da data em que ocorra a promessa dessa vantagem — nos casos, como é bom de ver, em que a promessa preceda a entrega”.

Tendo a questão da contragem do prazo de prescrição dos crimes de corrupção "entrado na jurisprudência constitucional pela porta (indevidamente) aberta no Acórdão n.º 90/2019, seria incompreensível que o Tribunal a viesse agora a fechar conferindo ao citado aresto, porventura de forma inadvertida, o estatuto de pronúncia singular e blindada sobre matéria tão melindrosa e consequencial", lê-se na declaração de voto de Almeida Ribeiro.

Almeida Ribeiro faz questão de dizer que o Constitucional fez bem em admitir este recurso de Fernando Rodrigues Gouveia precisamente para deixar claro um entendimento constitucional diverso daquele que é defendido no Acórdão n.º 90/2019 e que foi seguido pelo juiz Ivo Rosa.

Tendo a questão da contragem do prazo de prescrição dos crimes de corrupção “entrado na jurisprudência constitucional pela porta (indevidamente) aberta no Acórdão n.º 90/2019, seria incompreensível que o Tribunal a viesse agora a fechar conferindo ao citado aresto, porventura de forma inadvertida, o estatuto de pronúncia singular e blindada sobre matéria tão melindrosa e consequencial”, lê-se na declaração de voto de Almeida Ribeiro.

As duas fragilidades da decisão-bomba de Ivo Rosa. Os rendimentos ilícitos que não pagam imposto e a prescrição dos crimes de corrupção

“A presente decisão, em boa verdade, tem a virtude de, ao contrariar o juízo categórico firmado naquela, devolver aos tribunais comuns um problema de interpretação da lei penal que nunca deveria ter saído da sua esfera privativa”, afirma ainda o vice-presidente do Tribunal Constitucional, acrescentando que, “se tal se vier a justificar, poderá o Supremo Tribunal de Justiça, através do pleno das suas secções criminais proferir uma decisão uniformizadora.”

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