Uma turma de alunos do sétimo ano da Escola Secundária Rainha D. Amélia, na cidade de Lisboa, está desde o início do ano com pelo menos oito professores em falta — mais de metade do total de professores necessários para assegurar todas as disciplinas que fazem parte do currículo dos alunos daquele ano de escolaridade. Além de estarem em falta algumas das disciplinas fundamentais, como português, matemática ou história, a falta de um número tão considerável de professores tem levado a que, em alguns dias, os alunos não tenham qualquer aula no seu horário.
A situação foi denunciada ao Observador por Filipa Galvão, mãe de um dos alunos da terceira turma do sétimo ano daquela escola secundária da capital portuguesa.
“Ele tem um horário cheio de buracos”, disse Filipa Galvão ao Observador, explicando que a turma do seu filho tem sido especialmente afetada. Na terceira turma do sétimo ano daquela escola secundária faltam professores de português, inglês, matemática, história, ciências naturais, arte digital e cidadania. Além disso, também não está a haver aulas de geografia, apesar de, formalmente, haver um professor colocado no lugar. Até agora, a turma do filho de Filipa Galvão tem tido apenas aulas de educação física, educação visual, francês e físico-química — o que tem originado longos períodos de tempo sem aulas e até dias inteiros sem qualquer atividade letiva.
Explicando que naquela escola “foram admitidos muitos alunos”, Filipa Galvão diz reconhecer que há “muita burocracia” envolvida na contratação dos professores, que há “concursos a decorrer” e que os problemas de falta de professores têm sido transversais ao sistema de ensino — e não exclusivos daquela escola lisboeta. Ainda assim, diz a mãe, “ou há resposta ou não há”.
“O diretor de turma, provisório, é o professor de Educação Física. Isto também é uma situação complicada para ele”, admite Filipa Galvão. “Vão dizendo que não há uma previsão, mas também uma coisa que, para crianças de 12 anos, é complicada: ‘Se o seu filho não vier, é à sua responsabilidade.’ Ontem, durante o dia inteiro, não teve aulas, nem foi à escola. Eu tenho de organizar a minha vida, tenho três filhos, tenho trabalho”, acrescentou, sublinhando que o filho acabou por ficar durante todo o dia com a avó.
“Eu não estou contra a escola. Sei que isto é um problema que é superior à direção, que obedece a estas regras. No entanto, como é que estamos no fim do mês e faltam estes professores?”, questiona-se Filipa Galvão, dizendo ainda que preferia ter sabido da falta de professores com maior antecedência, de modo a procurar outra solução para o filho.
Escola reconhece dificuldades na colocação de professores
O Observador endereçou um conjunto de perguntas à Escola Secundária Rainha D. Amélia, que neste momento é liderada por uma Comissão Administrativa Provisória — e não por uma direção em plenitude de funções —, mas não obteve respostas até à publicação deste artigo.
Contudo, na sua página na internet, esta escola tem vindo a publicar várias informações sobre a falta de professores.
Na tarde de quinta-feira, foi publicada naquela página uma mensagem justamente sobre a “colocação de professores ainda em falta”. Nessa mensagem, lê-se que, “neste início de ano letivo, a Escola Secundária Rainha D. Amélia ainda tem por colocar alguns professores de várias disciplinas, estando a decorrer os procedimentos legais para a sua colocação”.
A escola explica que estão a decorrer “dois tipos de concurso”. Por um lado, a contratação a partir da reserva de recrutamento, “cujos resultados só são divulgados às sextas-feiras”; e, por outro lado, os processos de contratação de escola, “que só podem ocorrer de segunda a quarta-feira e obedecem a várias fases”.
“Sendo assim, apelamos à máxima compreensão para os constrangimentos que possam decorrer da falta de professores, estando a CAP [Comissão Administrativa Provisória] a desenvolver todos os procedimentos para que esta situação se resolva o mais breve possível”, diz a escola.
Por outras palavras, está a verificar-se na Escola Secundária Rainha D. Amélia um exemplo extremo daquilo que o próprio ministro da Educação, João Costa, classificou recentemente como um problema “estrutural” — a crónica falta de professores em Portugal. O próprio ministro foi, aliás, confrontado esta sexta-feira com o caso da escola Rainha D. Amélia no Parlamento, durante um debate de atualidade sobre o início do ano letivom requerido pelo PCP.
Numa das interpelações ao ministro João Costa, o deputado comunista Alfredo Maia disse que, “em Lisboa, na Escola Rainha D. Amélia, por exemplo, pelo menos uma turma de 7.º ano não tinha sete professores e no Colégio Maria Pia, faltam 16 docentes”.
Nunca faltaram tantos professores de português e matemática no início de um ano letivo
Pouco antes do arranque deste ano letivo, o ministro da Educação já tinha expressado a ideia de que há causas complexas para a falta de professores em Portugal, incluindo a falta de “atratividade da carreira”, bem como a falta de “motivação para se ser professor”.
Como o Observador explicava recentemente, apesar de este já se ter tornado um problema rotineiro, o número de professores em falta no arranque do ano letivo tem sido cada vez maior. Este ano, as falhas nos grupos de português e matemática — precisamente duas das disciplinas sem professores colocados na turma do filho de Filipa Galvão — eram as maiores alguma vez vistas: na semana de arranque do ano letivo, estavam em falta 129 professores de português e 115 professores de matemática.
O ano letivo começou na semana passada para 1,3 milhões de alunos do ensino básico do ensino secundário — mas largas dezenas de milhares de estudantes em Portugal iniciaram o ano letivo com um ou mais professores em falta.
O problema tem-se verificado com especial gravidade na região de Lisboa, onde são muitas as escolas onde faltam professores — e situações semelhantes à do filho de Filipa Galvão têm sido, nos últimos dias, relatadas pela imprensa. No início desta semana, uma reportagem do jornal Público dava conta de como em várias escolas da capital portuguesa havia diferentes casos de turmas a quem faltavam cinco ou seis professores.
A enorme escassez de professores, que se verifica especialmente na região de Lisboa (onde o custo de vida e da habitação é um dos fatores fundamentais para afastar os docentes), deixa as escolas e agrupamentos escolares com um problema em mãos para resolver. Se as escolas forem incapazes de suprir as suas necessidades através da reserva de recrutamento (listas de professores disponíveis para trabalhar que são divulgadas às sextas-feiras), então podem recorrer à contratação direta — um procedimento demorado, já que obedece às regras da contratação na função pública, como pode ler detalhadamente neste especial do Observador.
No caso concreto da escola onde estuda o filho da mulher que relatou este caso ao Observador, a Escola Secundária Rainha D. Amélia tinha esta semana abertos concursos para contratação de escola em oito disciplinas: português (seis professores), inglês (1), espanhol (1), história (1), geografia (2), matemática (2), físico-química (1), biologia e geologia (2) e religião e moral (1).
