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Turquia vai a votos no domingo e Erdoğan é o favorito à vitória. Num cenário de incerteza, reeleição vai trazer "mais do mesmo"

As previsões que anunciavam a queda de Erdoğan na 1.ª volta das eleições falharam e o líder turco segue à frente nas sondagens. Se reeleito, é esperado que pouco mude na governação de duas décadas.

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Há muito em jogo na segunda volta das eleições presidenciais turcas deste domingo, em que o atual Presidente, Recep Tayyip Erdoğan, espera prolongar o seu poder por um novo mandato de cinco anos. Se na primeira volta se tratava de uma “questão de vida ou de morte” para o líder turco, com várias sondagens a prever a sua derrota, na segunda volta as estimativas são mais favoráveis ao candidato incumbente.

Erdoğan, que governa a Turquia há vinte anos, parte agora numa posição de vantagem. A 14 de maio conseguiu obter 49,5% dos votos, enquanto o seu opositor, Kemal Kılıçdaroğlu, reuniu 44,9%. O líder turco espera agora superar esse resultado, um cenário que as sondagens e analistas apontam como o mais provável.

A dois dias da segunda volta, Henri Barkey, professor de Relações Internacionais na Universidade de Lehigh e especialista em assuntos turcos, diz ao Observador que é mesmo “impossível” que Erdoğan permita uma vitória da oposição. Amanda Paul, do think tank European Policy Center, também não vê muitas hipóteses para Kılıçdaroğlu ser o candidato mais votado no dia 28 de maio, apesar de não afastar completamente esse desfecho. Ainda assim, a analista prevê que a reeleição de Erdoğan e o prolongamento de uma governação traga “mais do mesmo” na governação dos destinos da Turquia.

Na segunda volta, todos os votos contam e os apoios dividem-se

Ultrapassada a primeira volta das eleições presidenciais turcas, importava saber de que forma se iria dividir o apoio dos candidatos que ficavam para trás na corrida. Todos os olhares se concentraram no nacionalista Sinan Oğan, que ficou em terceiro lugar, ao obter 5,2% dos votos — o que se traduz em cerca de 2,8 milhões de votos. No entanto, a declaração de apoio de figuras como o líder do Partido da Vitória, Umit Ozdag, também promete mexer nos resultados desde domingo.

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A escolha do “Kingmaker”

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Numa conferência de imprensa em Ancara, Sinan Oğan declarou o seu apoio a Erdoğan

Anadolu Agency via Getty Images

Da noite para o dia, Sinan Oğan, um nacionalista de linha dura e pouco conhecido entre o público geral antes das eleições, emergiu como um possível “Kingmaker” (em português, um “criador de reis”), como apontaram vários analistas. Antigo membro do Partido de Ação Nacionalista (MHP), Oğan é aliado do partido do atual Presidente turco. Expulso do MHP em 2017, concorreu pelas listas da Aliança Ancestral (ATA) à primeira volta das eleições presidenciais a 14 de maio. Ideologicamente, Oğan é conhecido por advogar o regresso dos migrantes e refugiados à Síria — a Turquia é um dos principais pontos de chegada dos sírios que fogem da guerra civil — e por defender que não devem existir concessões aos partidos pró-curdos, que associa a grupos terroristas.

Consciente de que tanto Erdoğan como Kılıçdaroğlu desejavam o apoio dos 2,8 milhões de eleitores que o escolheram na primeira volta das eleições, Oğan começou por assumir uma postura propositadamente vaga, mostrando-se aberto a negociações, na esperança de receber algo em troca pelo seu apoio declarado. De facto, ainda antes da primeira ida às urnas, o nacionalista, de 55 anos, já tinha deixado claro que o seu apoio teria um custo associado. “Vamos falar sobre as nossas exigências com os partidos com os quais nos sentamos à mesa. Obviamente, não vamos ser parceiros de graça. Temos exigências, como conseguir ministérios”, admitia. A extensão das suas ambições ficaria clara na entrevista que concedeu na sexta-feira passada ao New York Times, em que assumiu que ia lutar para alcançar o máximo durante os seus minutos na luz da ribalta. “Porque é que seria um ministro, quando posso ser um vice-presidente?”, questionou, sem contudo abrir o jogo sobre se tinha recebido ofertas nesse sentido.

É certo que, depois de 14 de maio, Oğan já recebeu telefonemas de ambos os lados. Segundo relataram vários meios de comunicação turcos, teve oportunidade de falar diretamente com Kılıçdaroğlu e também com o ex-primeiro-ministro turco Binali Yıldırım, figura próxima do Presidente Erdoğan. Os aliados de Kılıçdaroğlu saíram otimistas das conversações, que descreveram como “positivas”. Conversas que, ainda que por pouco tempo, pareciam garantir que o apoio do nacionalista era uma hipótese real. O próprio Oğan admitiu, em entrevista à Reuters, que estaria disponível para conceder esse apoio, caso o candidato concordasse em não oferecer concessões aos partidos pró-curdos. Mas, no final, Sinan Oğan acabou por ver mais vantagens noutra parceria.

“Declaro o meu apoio a Recep Tayyip Erdoğan, candidato da Aliança do Povo, na segunda volta às eleições.”
Sinan Oğan, terceiro candidato mais votado na primeira volta das eleições

A cinco dias da segunda volta das eleições, marcadas para o dia 28 de maio, Oğan fez saber finalmente a sua posição durante uma conferência de imprensa em Ancara: “Declaro o meu apoio a RecepTayyipErdoğan, candidato da Aliança do Povo, na segunda volta às eleições”, clarificou. “Acreditamos que a nossa decisão é a escolha certa para o nosso país”, sublinhou na segunda-feira, destacando a maioria parlamentar obtida pelo líder atual a 14 de maio como um dos principais fatores a determinar a sua decisão. Mas esta não foi a única razão enumerada pelo político, que acrescentou que a coligação de seis partidos de Kılıçdaroğlu “não conseguiu mostrar sucesso frente à Aliança do Povo”, nem estabelecer uma perspetiva sobre o futuro que os convencesse. A decisão teve ainda por base o princípio de “luta ininterrupta [contra] o terrorismo”, numa referência aos curdos.

O anúncio surgiu depois de, na semana passada, Oğan se ter reunido durante uma hora com o Presidente turco, que já agradeceu a declaração de apoio. “O senhor Sinan conhece muito bem a nossa atitude sobre o combate ao terrorismo, as relações com o mundo turco e a sobrevivência do nosso país”, afirmou o chefe de Estado à agência estatal TRT.

Oğan deixou bem claras as condições para apoiar os candidatos: entre elas, e sem surpresa, uma posição mais dura contra o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e o estabelecimento de prazos para a expulsão de milhões de refugiados, incluindo os cerca de 3,3 milhões de sírios que residem na Turquia. Não é claro que Erdoğan tenha dado resposta às suas exigências. O líder turco chegou a garantir em declarações à CNN que não se iria curvar: “Não sou pessoa para negociar dessa maneira. O povo é que será o Kingmaker.”

Para Seda Demiralp, da Universidade de Isik (Istambul), este apoio já era esperado, uma vez que o ex-candidato já tinha sugerido que queria promover a “continuidade e estabilidade” na Turquia — palavras-chave durante toda a campanha de Erdoğan. “Já era relativamente esperado, porque é mais provável que Kılıçdaroğlu perca na segunda volta. Está a enfrentar uma corrida difícil”, afirmou a investigadora à Al Jazeera. Para já, Kılıçdaroğlu não se mostrou preocupado com a declaração de apoio de Oğan. “É óbvio quem está do lado deste lindo país e quem está do lado das pessoas que querem vender este lindo país”, respondeu através do Twitter.

Apesar do apoio declarado de Oğan ao Presidente turco, não deixa de ser difícil prever o modo como os seus eleitores vão votar. Após os resultados da primeira volta, começaram a surgir divisões na aliança (ATA) que o ajudou a conseguir o terceiro lugar.

Em declarações ao Observador, a analista Amanda Paul, especialista em assuntos de política externa e interna da Turquia, refere que muitos dos que tinham votado no candidato podem não transferir o seu voto para Erdoğan e, em vez disso, optar por Kılıçdaroğlu ou mesmo não ir às urnas no próximo domingo.

A divisão na Aliança Ancestral que pode trazer votos a Kılıçdaroğlu

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Umit Ozdag (à esquerda) declara o apoio a Kemal Kilicdaroglu (direita) durante uma conferência em Ancara

Anadolu Agency via Getty Images

Face à declaração de Sinan Oğan a favor do Presidente turco, Kemal Kılıçdaroğlu não perdeu tempo e seguiu na procura de apoiantes para recuperar terreno. Antes da segunda volta de domingo, conseguiu assegurar o apoio do Partido da Vitória, liderado por Umit Ozdag. “Nós decidimos apoiar Kılıçdaroğlu na segunda volta das eleições presidenciais”, anunciou Ozdag esta quarta-feira durante uma conferência de imprensa conjunta com o candidato da oposição.

A declaração é um claro sinal da divisão na Aliança Ancestral — composta pelo Partido da Vitória, o Partido da Justiça, o My Country Party e o Turkey Alliance Party –, que na primeira volta das eleições presidenciais escolheu apoiar Sinan Oğan. Mas depois do terceiro candidato mais votado se ter declarado a favor do atual presidente turco, Ozdag foi rápido a deixar claro que esse apoio não se estendia a todas as fações da coligação. “A declaração de Sinan Oğan é uma escolha política dele. Não representa a posição do Partido da Vitória e não o vincula”, chegou a afirmar, num primeiro sinal de divergência, ainda antes de formalizar a sua declaração de apoio.

Na conferência de imprensa desta quarta-feira Ozdag, que lidera um partido com uma posição anti-imigração, anunciou ao lado de Kılıçdaroğlu um protocolo que contempla o envio de milhares de pessoas de volta aos seus países dentro de um ano. Foi neste ponto, assumiu, que divergiram as conversações que chegou a ter com Erdoğan.

“O líder do Partido da Vitória da Turquia, Umit Ozdag, recebeu 2,2% de apoio nas eleições parlamentares de 14 de maio e apoiou Kemal Kilicdaroglu. Isso pode ter um impacto.“
Amanda Paul, do European Policy Center

Para garantir este apoio, o partido CHP de Kılıçdaroğlu e o Partido da Vitória assinaram um protocolo de sete pontos que estabelecia os princípios chave da cooperação. Um destes pontos centrava-se precisamente na questão da migração. Segundo Ozdag, os “refugiados e fugitivos”, especialmente os sírios, seriam enviados de volta para os seus países de origem no prazo de um ano. Garantia, no entanto, que este processo seria feito de acordo com as “leis internacionais e direitos humanos”. É de notar que a Turquia tem sido o maior país anfitrião de refugiados nos últimos nove anos, sendo que o Ministério da Administração Interna estima que existam cinco milhões de migrantes a viver no país, dos quais 3,3 milhões são sírios.

Um outro ponto significativo deste acordo é que, como parte da luta contra o terrorismo, os presidentes de câmara seriam substituídos por oficiais nomeados pelo Estado caso ficasse provado em tribunal que tinham ligações a terroristas. Este pode vir a tornar-se um ponto de tensão de Kılıçdaroğlu com o pró-curdo Partido Democrático Popular (HDP), que o apoiou na primeira volta. Isto, uma vez que a maior parte dos autarcas do HDP eleitos em 2019 foram substituídos por este tipo de oficiais — alguns foram detidos enquanto eram julgados sob acusações de terrorismo. Esta era inclusivamente uma prática à qual a aliança de seis partidos com que Kılıçdaroğlu concorreu prometeu pôr fim.

Alguns analistas esperam que o apoio de Ozdag, conseguido à custa do protocolo, possa ajudar a contrabalançar o anúncio de Sinan Oğan nos resultados do próximo domingo. Essa é a aposta de Amanda Paul, do European Policy Center, que lembra os votos obtidos pelo Partido da Vitória nas eleições parlamentares. “O líder do Partido da Vitória da Turquia, Umit Ozdag, recebeu 2,2% de apoio nas eleições parlamentares de 14 de maio e apoiou Kemal Kilicdaroglu. Isso pode ter um impacto“, diz ao Observador.

Além do Partido da Vitória, Kılıçdaroğlu também assegurou o apoio de um outro parceiro da coligação: o Partido da Justiça, num outro sinal das divisões na Aliança Ancestral. “A nossa primeira prioridade é a saída deste governo. Por isso, a nossa decisão foi apoiar Kemal Kılıçdaroğlu e já comunicámos esse apoio. Este é o nosso direito democrático e também estamos a dizer aos nossos eleitores que esta é nossa decisão”, sublinhou o seu líder, Vecdet Öz.

Erdoğan mantém postura, Kılıçdaroğlu endurece o discurso

No período eleitoral que antecedeu a segunda volta das eleições presidenciais, dois temas em particular ganharam uma maior dimensão: a crise migratória e a questão dos curdos. Enquanto o atual líder turco se manteve coerente na postura, o opositor abriu o jogo e intensificou a retórica anti-imigração e forjou uma aliança com os nacionalistas, deixando de lado a imagem e alcunha de “avô” que lhe foi colada durante a primeira ida às urnas.

Conhecido como o candidato mais moderado — prometeu um “reset democrático” e o regresso ao parlamentarismo, se eleito –, Kılıçdaroğlu revelou nas últimas duas semanas as fichas sobre a questão da migração. Numa tentativa de captar o apoio dos eleitores nacionalistas, o líder do CHP apostou nas críticas às atuais políticas em vigor, numa altura em que a Turquia se vê a braços com uma crise migratória. “Erdoğan, você permitiu deliberadamente que 10 milhões de refugiados entrassem na Turquia. Até colocou à venda a nacionalidade turca para conseguir votos importados. Estou a anunciar aqui: vou enviar todos os refugiados de volta a casa assim que for eleito presidente“, prometeu num vídeo publicado na conta oficial de Twitter.

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Não foi o único vídeo desta natureza. Dias antes já tinha publicado um outro, em que atacava os migrantes indocumentados que chegavam ao país. “Quem ama este país deve ir às urnas antes que esses ilegais tornem a vida das nossas raparigas miseráveis”, escreveu na publicação, referindo-se a possíveis casos de assédio sexual envolvendo migrantes. Segundo a Al Jazeera, desde os resultados surgiram inclusivamente billboards de Kılıçdaroğlu com a frase: “Os sírios vão partir”. “Kılıçdaroğlu tem feito uma campanha baseada numa plataforma hostil aos refugiados. Desde que conseguiu o apoio do Partido da Vitória assumiu uma postura ainda mais radical”, resume Marie Walter-Franke, do programa de migrações do German Council on Foreign Relations. Apesar disso, lembra que “é preciso distinguir” entre uma retórica populista típica de uma campanha eleitoral de um verdadeiro projeto político.

Este tipo de declarações fizeram muitos migrantes temer pelo seu futuro. Entre eles está Ghaith Sameer, um migrante que fugiu da guerra na Síria para se fixar na Turquia e aguarda com preocupação os resultados das eleições. “Estas promessas da oposição assustam-me e deixam-me zangado porque fazem com que os cidadãos turcos nos odeiem”, assumiu em entrevista à Reuters.

Certo é que Erdoğan tem apresentado um tom mais acolhedor quanto aos migrantes, particularmente os sírios. “O Presidente tem jogado com a ambiguidade nesta questão e tem, de facto, liderado uma política de boas-vindas – que é o que os vizinhos de zonas de guerra costumam fazer”, aponta Walter-Franke. Mas a mesma atenção, sublinha, não se estende aos afegãos e iraquianos nas fronteiras lestes, para os quais as detenções e deportações “têm sido regra”.

“Estas promessas da oposição assustam-me e deixam-me zangado porque fazem com que os cidadãos turcos nos odeiem.”
Ghaith Sameer, migrante da Síria

Apesar disso, Erdoğan também já tomou algumas medidas para acelerar o regresso de milhares de migrantes sírios ao país de origem. A investigadora do German Council on Foreign Relations refere que a Turquia tem estado a trabalhar numa “zona segura” no norte da Síria e a encaminhar os migrantes para essas áreas. O líder turco alegou que 500.000 já regressaram — números que não foram verificados por fontes independentes — e já sinalizou que vai ampliar medidas neste sentido.

Além da migração, também esteve em destaque na segunda volta das eleições a questão dos curdos, um povo sem país e que vive um pouco por todo o Médio Oriente, uma importante minoria étnica a que pertence 1/5 da população turca. Esta tem sido precisamente uma das bases de apoio de Kılıçdaroğlu nestas eleições. No entanto, este tornou-se um ponto de tensão depois de Kılıçdaroğlu se ter aliado ao Partido da Vitória, acordo que resultou no aumento da pressão aos curdos e que o Partido Democrático Popular (HDP) já descreveu como sendo “contra os princípios democráticos universais”.

Segundo Tayip Temel, membro sénior HDP, a alteração de Kılıçdaroğlu para um discurso mais nacionalista pode custar-lhe o apoio de alguns setores pró-curdos. Nesse sentido, a diretora do Centro de Estudos Curdos (em Diyarbakir) acredita que muitos destes eleitores perderam a vontade de votar no domingo. “A desmotivação deve-se ao discurso político do CHP (partido de Kılıçdaroğlu), que passou da reconciliação para a política de segurança”, disse à Reuters.

Apesar de tudo, esta quinta-feira os partidos turcos pró-curdos reafirmaram o seu apoio a Kılıçdaroğlu, ainda que de forma indireta. O HDP e o YSP disseram que procuravam mudanças na segunda volta e que a sua posição era a mesma, mas não chegaram a mencionar o nome de Kılıçdaroğlu. Pervin Buldan, do HDP, disse apenas que iam votar para acabar com o “regime de um só homem” de Erdoğan.

Sondagens apontam vitória de Erdoğan. Analistas também

O Presidente turco desafiou as previsões que declaravam a sua queda política na primeira volta das eleições — apontadas como uma “questão de vida ou de morte” para a sua liderança — e conseguiu obter 49,5% dos votos. Ainda tem de enfrentar Kılıçdaroğlu na segunda volta de domingo, mas as expectativas na sua reeleição são muito mais otimistas desde que emergiu com uma liderança sólida a 14 de maio. A dois dias da ida às urnas, as sondagens e vários analistas antecipam a sua vitória e o início da sua terceira década no poder na Turquia.

"Todas as indicações apontam para uma vitória de  Erdoğan. Nesta fase, com uma disputa eleitoral terrivelmente injusta, é impossível que ele permita que a oposição vença."
Henri Barkey, especialista em assuntos turcos

De acordo com o último levantamento, realizado pela empresa de sondagens Konda e publicado na quinta-feira, o Presidente turco pode conseguir obter 52,7% dos votos este domingo. Já o seu opositor poderá reunir 47,3% dos votos dos eleitores. Estes resultados têm por base uma pesquisa desenvolvida entre os dias 20 e 21 de maio, período durante o qual foram entrevistadas 3607 pessoas de 154 bairros e vilas dos 108 distritos na Turquia. No estudo, cerca de 8,2% dos inquiridos disseram estar indecisos sobre em quem votar no dia 28 de maio, enquanto 2,6% disseram que não se vão dirigir às mesas de votos.

Os resultados são bem diferentes dos previstos pela empresa para a primeira volta das eleições. Nessa altura, apontava-se uma vitória da oposição com 49,3% dos votos, face aos 43,7% do chefe de Estado turco. Esse cenário não se chegou a concretizar e Erdoğan parte agora com uma vantagem face ao seu oponente. Vários analistas apontam que a sua reeleição é um cenário com pouca margem para dúvidas.

“Todas as indicações apontam para uma vitória de Erdoğan. Nesta fase, com uma disputa eleitoral terrivelmente injusta, é impossível que ele permita que a oposição vença“, defende, a dois dias da segunda volta, Henri Barkey, professor de Relações Internacionais na Universidade de Lehigh e especialista em assuntos turcos. O investigador do Council on Foreign Relations já tinha comentado ao Observador que em caso de uma nova disputa nas urnas o cenário se tornaria “mais complicado” para a oposição, com o líder turco a recorrer a “todo o tipo de manobras” para vencer.

Exemplo disso é o seu forte controlo sobre o aparelho público, assim como o facto de a maior parte da comunicação social estar controlada pelos seus aliados. Ainda está sexta-feira Kılıçdaroğlu pretendia anunciar, por mensagem aos jornalistas, que estaria em diretoà noite no canal de televisão privado Fox, mas alegou que estas foram bloqueadas pela Autoridade de Controlo de Tecnologia da Informação e Comunicação por ordem do Presidente.

Erdoğan enfrenta as eleições mais desafiantes da sua vida política e a oposição sonha com vitória. “Caos” no day after?

Por outro lado, Amanda Paul, do think tank European Policy Center, não vê muitas hipóteses de a oposição ser bem sucedida no domingo, mas não afasta completamente esse desfecho. “Nada nesta vida é certo, à exceção da morte e dos impostos. Por isso, há uma hipótese, ainda que pequena, de que Kemal Kılıçdaroğlu consiga uma vitória“, aponta.

Se reeleito, o que se pode esperar de mais cinco anos de Erdoğan no comando?

“Uma nação, uma bandeira, uma pátria, um Estado”. Num comício em Istambul, perante a frase proferida pelo Presidente Erdoğan, uma multidão de pessoas levantava os braços em saudações. Mas nem todos no país estão otimistas quanto à reeleição do líder turco e alguns temem por aquilo que o novo mandato de cinco anos possa trazer ao país. Os especialistas ouvidos pelo Observador esperam poucas mudanças e um futuro complicado num país que enfrenta uma inflação galopante, uma crise migratória e que, há poucos meses, sofreu um sismo que provocou a morte de mais de 50 mil pessoas.

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Liberdades sociais condicionadas e maior repressão

As expectativas não são otimistas quanto ao alívio nas liberdades e respeito pelos direitos após uma possível reeleição de Erdoğan. “A repressão vai aumentar. Podemos esperar mais demissões nas instituições estatais de pessoas que não são consideradas favoráveis à sua visão”, defende Henri Barkey, antecipando o afastamento de professores e jornalistas.

No mesmo sentido, Amanda Paul considera que pouco ou nada vai mudar na postura do atual líder turco. “Podemos esperar mais do mesmo de Erdoğan, ou seja, um estilo de liderança ancorado no nacionalismo em que um só homem decide tudo”, reconhece. A analista considera que, se eleito, o atual Presidente pode continuar a “corroer” os direitos e liberdades civis, bem como os direitos das mulheres e da comunidade LGBTQ+. Este é um receio presente ao olhar para a composição do novo parlamento, descrito como o mais nacionalista e conservador de sempre. A integração na coligação do Presidente do New Welfare Party, que quer limitar os direitos das mulheres, é um dos receios, aponta a analista do European Policy Center.

Esta é uma preocupação que já se sente, principalmente entre as camadas mais jovens da população. “O próprio Erdoğan, em cada discurso, em cada evento, começou a pintar-nos como um alvo”, disse à BBC News Mert, uma estudante de psicologia da universidade de Bogazici, onde já viu fechar o clube de orgulho LGBTQ+. “Dia após dia, o Estado está a tornar-nos no inimigo”, lamentou a jovem.

Durante a campanha eleitoral do Presidente turco não faltaram sinais nesse sentido. “Ninguém pode sair LGBT de uma nação como esta”, chegou a afirmar Erdoğan num comício na cidade de Izmir. “Somos contra os LGBT. A família é algo sagrado para nós. Uma família forte significa uma nação forte”, disse ainda num outro evento perto do Mar Negro.

Política externa e economia interligadas

No ano que passou, marcado pela invasão russa da Ucrânia, a Turquia ganhou especial destaque no panorama internacional. Ofereceu-se para moderar as negociações entre Kiev e Moscovo e contribuiu para a assinatura do acordo de exportação de cereais no Mar Negro — pacto que este mês voltou a ser prolongado, apesar de desta vez por período mais curto.

Na opinião de Amanda Paul, as ligações da Turquia ao Ocidente, seja com a União Europeia, os Estados Unidos ou a NATO, vão permanecer difíceis, enquanto Erdoğan vai continuar a implementar uma política externa “independente, militarista e assertiva” e manter uma “relação especial” com o Presidente russo. “Vai continuar a balançar entre a Ucrânia e a Rússia e a assumir um papel importante na mediação entre Putin e Zelensky. Sempre lado a lado com os aliados da NATO quando se trata da invasão russa da Ucrânia e da sua integridade territorial”, sintetiza.

Numa visão totalmente diferente, Henri Barkey espera uma “inversão de marcha” na política externa porque, preconiza, Erdoğan vai precisar da ajuda económica do Ocidente. O professor de Relações Internacionais na Universidade de Lehigh aponta que o colapso da economia pode chegar não neste verão, mas no outono e que as únicas fontes de apoio possíveis são a UE e os EUA. “Tem de fazer mudanças na política externa, de outro modo nada chegará”, sublinhou, estimando que se a inflação no país ficar pior será necessário um plano do Fundo Monetário Internacional (FMI) antes do final do ano. O primeiro teste à mudança? A Suécia, aponta. A Turquia pode vir a sentir-se mais motivada para ratificar a adesão do país nórdico à aliança transatlântica na esperança de receber algum tipo de ajuda em troca.

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