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O debate é antigo e a vontade não é recente, mas reforça-se em tempo de guerra. Esta segunda-feira, Volodymyr Zelensky deu um passo histórico e assinou o pedido de adesão formal à União Europeia, pedindo uma resposta sem demoras, sugerindo que fosse feito ao abrigo de um mecanismo especial (que teria de ser criado).
Zelensky assina pedido formal de adesão à União Europeia e pede rapidez. E agora?
No sábado, já tinha falado nesse sentido: depois de ter conversado com o presidente francês, Emmanuel Macron, com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente da Ucrânia recorreu ao Twitter para defender: “É um momento crucial para encerrar de uma vez por todas uma discussão de longa data e decidir sobre a adesão da Ucrânia à União Europeia (UE).”
It is a crucial moment to close the long-standing discussion once and for all and decide on Ukraine's membership in the #EU. Discussed with @eucopresident further effective assistance and the heroic struggle of Ukrainians for their free future.
— Volodymyr Zelenskyy / Володимир Зеленський (@ZelenskyyUa) February 26, 2022
Posteriormente, num vídeo publicado online na mesma manhã, Volodymyr Zelensky insistiria dizendo que os ucranianos “ganharam o direito” de pertencer à UE. Agora, passou das palavras à ação.
Ninguém sabe, para já, se desta vez e dadas as circunstâncias — depois de o país ter sido invadido pela Rússia — a Ucrânia terá finalmente os Estados-membros da União Europeia dispostos a acolher o país na sua casa comum. Seria uma mudança de posição de uma UE que tem, ao longo dos últimos anos, expressado múltiplas reticências à entrada da Ucrânia na União Europeia: não apenas, mas em grande parte pelos receios de retaliação do Presidente russo, Vladimir Putin.
A posição contundente (repetida em duas intervenções distintas) do presidente ucraniano relativamente à adesão à União Europeia surge dois dias depois de 116 personalidades terem pedido o mesmo numa carta aberta publicada no jornal francês Le Monde. O título do texto de opinião, aliás, era claro: “É altura de reconhecer oficialmente a Ucrânia como um Estado candidato à União Europeia.”
O que é necessário para um país entrar na UE?
De acordo com o tratado 49 da União Europeia, qualquer Estado europeu que “respeite os princípios nos quais a União Europeia se baseia” pode “candidatar-se a ser membro” da UE. Há, no entanto, exigências mais concretas. O país que se candidatar tem de ter “instituições que garantam a democracia, o primado da lei, os direitos humanos, a salvaguarda de proteção e respeito das minorias, uma economia de mercado funcional e capacidade para lidar com a pressão competitiva e as forças de mercado que existem na União Europeia”.
O processo é sempre longo e demorado: primeiro, os Estados-membros têm de considerar um candidato “elegível” para a adesão e só mais tarde pode ser tomada uma decisão, que tem de ser consensual para a UE vir a ganhar um novo membro.
Qual foi o último país a entrar na União Europeia?
O último país a aderir à União Europeia foi a Croácia, que foi aceite em 2013 — alargando assim o número de Estados-membros.
Desde quando está a Ucrânia a tentar aderir à UE?
Há muito que os responsáveis políticos ucranianos vão sinalizando a intenção de aderir à União Europeia — que tem sido refreada pela cautela e pelos receios dos restantes Estados-membros.
Essas tentativas intensificaram-se nos últimos anos, após o distanciamento político que emergiu na política interna ucraniana em relação à Rússia. Mais exatamente, depois da “Revolução Ucraniana” e da alteração de regime na sequência de protestos e confrontos violentos (causaram mais de 100 mortes) em 2014, que levaram também à fuga do país e ao exílio do então presidente, Viktor Yanukovych, na Rússia.
Um dos primeiros movimentos de aproximação mais clara da Ucrânia a uma tentativa de adesão à UE aconteceu quando a Ucrânia era ainda presidida pelo antecessor de Zelensky.
Com os responsáveis políticos do país a prometerem reformas estruturais para aproximar a Ucrânia de um país com um modelo de governação das democracias ocidentais, Petro Poroshenko chegou a prometer um referendo interno para confirmar a vontade do povo ucraniano em aderir à NATO e à União Europeia.
Esse referendo foi prometido em 2016 e 2017 “para breve”, de acordo com a Newsweek e a Radio Free Europe – Radio Liberty, mas, em simultâneo, apenas para quando as reformas estruturais no país tivessem já tornado a Ucrânia um país significativamente diferente do que era antes da insurreição de 2014.
Ainda com Petro Poroschenko como Presidente, mas a dois meses do final do seu mandato e de novas eleições, a 21 fevereiro de 2019, o Parlamento ucraniano aprovou uma revisão constitucional que deixava expressas no texto legal do país as aspirações a pertencer à União Europeia e à NATO.
A revisão foi aprovada com 35 votos contra e 334 a favor, sendo que precisava de 300 votos favoráveis para passar. Nessa sessão parlamentar, o Presidente do Parlamento ucraniano, Andriy Parubiy, elogiou “a irreversibilidade da nossa escolha europeia” e um futuro mais europeu: “A Ucrânia irá juntar-se à União Europeia e à NATO”.
A crença era de que a adesão a estas instituições poderia travar os ímpetos invasores e militares da Rússia de Vladimir Putin. A adenda à Constituição obrigava inclusivamente o Governo da Ucrânia e o seu parlamento a manterem-se fiéis a esse rumo político pró-europeu escolhido.
Entretanto Petro Poroshenko começava já a fazer projeções de calendários quanto a uma eventual adesão à UE: o antecessor de Zelensky acreditava que em 2024 — ou seja, daqui a dois anos — a Ucrânia poderia ser considerada “elegível” e candidatar-se a uma adesão à UE, projetando a confirmação dessa adesão para a década seguinte (na década de 2030). Essa previsão, que era muito mais um desejo, manteve-se quando o país passou a ser presidido por Zelensky.
O sucessor de Poroschenko manteve o tom e foi sinalizando sempre que era o Ocidente e a UE que queria ter como aliados — e não Vladimir Putin. Em outubro de 2020, depois de uma cimeira entre Ucrânia e UE em Bruxelas, Zelensky apontava: “Não esperamos compromissos de aço de integração na UE. O que queremos é um plano claro, concebido com os nossos parceiros europeus, que nos dê um guia passo a passo para fazer isto acontecer tão rápido quanto possível”.
No ano seguinte, em agosto de 2021, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmytro Kuleba, confrontava o impasse e as hesitações da União Europeia em dar resposta aos anseios ucranianos. Queixava-se: “O problema com a União Europeia é que se está a afundar nos seus medos e problemas internos”. E pedia: “A UE devia transmitir uma mensagem simples: Ucrânia, Moldávia e Geórgia, vocês são parte de nós; não vamos pôr um prazo mas vamos dizer-vos que vocês farão parte da UE. A UE é a primeira tentativa de construir um império liberal com os princípios do liberalismo e da liberdade como alicerces. É isso que torna este projeto tão único na história da humanidade”.
Já este mês, com a tensão com a Rússia a aumentar mas ainda a dois dias de começar a guerra e a invasão à Ucrânia, o Ministério dos Negócios Estrangeiros ucraniano voltava a insistir no pedido de adesão à UE: “Chegou a altura”, apontava Kuleba, dirigindo-se diretamente à União Europeia: “Estou a pedir à UE que coloque de lado as suas hesitações, reticências e ceticismo e que dê à Ucrânia a promessa de uma entrada futura na União Europeia”. Dois dias antes fora Zelensky a questionar: “A Ucrânia não o merece? Deem-me uma resposta honesta e direta”.
Quem tem apoiado a entrada da Ucrânia na União Europeia?
Até ao momento, foram poucos os países e chefes de Estado a defender claramente a entrada da Ucrânia na União Europeia. Até ao momento da invasão russa, não só subsistiam dúvidas sobre a estabilidade e rumo futuro do país como o Ocidente parecia retraído em fazer uma promessa que sabia poder vir acicatar ainda mais Vladimir Putin.
Apoiantes declarados da adesão da Ucrânia, no interior da União Europeia, só mesmo dois países que aderiram à união económica e monetária em 2004: a Polónia e a Lituânia.
Com estes dois países, a Ucrânia criou a 23 de julho de 2020 uma coligação de cooperação social, cultural, política e económica a que se chamou “Triângulo de Lublin”. Um outro objetivo declarado desta aliança passava pelo apoio e lobby à aceitação pela Europa e pelas potências mundiais da adesão da Ucrânia à NATO e à UE.
A presidente da Comissão Europeia é favorável à adesão. “Tantos assuntos em que trabalhamos juntos e, de facto, eles pertencem a nós. Eles são um de nós e nós queremos que eles entrem na UE”, afirmou Ursula von der Leyen numa entrevista à Euronews. No entanto, Von der Leyen já tinha avisado que os processos são complexos e que não existe nenhum procedimento especial para apressar uma adesão.
Quem tem resistido a esta vontade?
Até ao momento, quase todos. Em 2016, o então presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, foi mais claro do que qualquer outro responsável europeu em qualquer momento nos últimos anos. Disse num discurso na Haia, nos Países Baixos: “A Ucrânia não poderá tornar-se membro da União Europeia ou da NATO nos próximos 20 ou 25 anos”. E lembrou que no passado já tinham existido alargamentos na UE apressados e que Bruxelas não queria “cometer esse erro outra vez”.
A declaração ter sido proferida nos Países Baixos não foi coincidência, já que na Europa há poucos países que tenham manifestado tantas reservas sobre a relação entre a UE e a Ucrânia quanto os Países Baixos — que questionaram até a assinatura de acordos comerciais bipartidos.
Já em agosto do ano passado, foi o Presidente da Estónia, Kersti Kaljulaid, a refrear as expectativas de Zelensky e dos ucranianos. Numa entrevista ao portal ucraniano European Pravda, citada pela publicação The Baltic Times, o chefe de Estado da Estónia disse: “Há muitos critérios que têm de ser cumpridos para se entrar na União Europeia e, francamente, nenhum desses países [Ucrânia, Geórgia e Moldávia] cumpre para já os requisitos para ser membro da UE. Os três países têm insuficiências judiciais.”
Em declarações ao Politico Europe, em 2016, o analista Timothy Ash, do banco de investimento Nomura, notava as resistências da União Europeia à vontade da Ucrânia em entrar no clube dos atuais 27. Ao país nunca fora dada qualquer perspetiva real de pertença futura à UE e isso, defendia Ash, explicava “muitos dos problemas da Ucrânia no seu desenvolvimento político e económico nas últimas duas décadas”.
Mesmo anos depois, isso não mudou radicalmente. É verdade que há um ano, a 11 de fevereiro de 2021, o Parlamento Europeu publicava um relatório dando conta do sucesso da Ucrânia na implementação de um acordo feito com a União Europeia — posicionando o país como confiável na Europa. Porém, nunca a perspetiva de integração futura do país foi suficientemente clarificada e veiculada.
As resistências podem mudar? Pode a UE aceitar agora a Ucrânia?
Quando Zelensky pede uma decisão à UE sobre a possibilidade de integração da Ucrânia na União Europeia, o Presidente ucraniano sabe que esse será sempre um processo longo e demorado. Porém, há algo que Zelensky quer já e que a cúpula do regime ucraniano acredita poder conferir uma proteção acrescida do país face a Moscovo: declarações da UE que sinalizem que a possibilidade de integração futura é mesmo real.
As perspetivas podem ser pouco animadoras para o Chefe de Estado ucraniano. Atendendo às cautelas da União Europeia e da NATO em não hostilizar excessivamente Vladimir Putin mesmo em tempo de guerra, dar luz verde a uma integração (presente ou futura) da Ucrânia na NATO ou UE pareceria contraditório com a resposta com pinças que a Europa e as restantes potências estão a dar à invasão russa.
Ainda assim, há sinais de que a Europa e a União Europeia podem estar a ficar mais divididas quanto a isto, havendo já quem defenda esse processo de adesão. Como lembra este sábado o Politico, três antigos líderes políticos da Polónia, Estónia e Suécia defenderam já, num texto de opinião publicado no think thank norte-americano Atlantic Council, que a situação dramática que se vive exige que a UE “ofereça à Ucrânia a perspetiva de uma pertença”. Essa seria, defendem estes três antigos responsáveis políticos europeus, uma “mensagem corajosa, ousada e com muito significado”.
As três figuras em questão são o antigo Presidente polaco Aleksander Kwaśniewski, o antigo primeiro-ministro sueco Carl Bildt e o antigo Presidente estónio Kersti Kaljulaid — que mudou assim de opinião face ao que defendera em agosto de 2021, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia. Também o antigo secretário-geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen, subscreveu a mesma ideia, lembrando que a integração nunca aconteceria num curto prazo mas que sinalizar como real essa integração futura seria “um sinal para a Ucrânia e para o Kremlin”.
Há outros países a tentar entrar na União Europeia?
Sim. Além da Ucrânia, também a Moldávia e a Geórgia desejam ser aceites como elegíveis para desencadear o (longo) processo de adesão à União Europeia. Existem, porém, outros países mais adiantados no processo, que estão já em negociações com a União Europeia: são eles a Albânia, a Macedónia do Norte, Montenegro, Sérvia e Turquia (sendo que também neste último caso há grandes polemicas e divisões), nota este sábado o Politico.
Nota – Artigo atualizado a 28/02 com a informação de que o pedido de adesão formal foi entregue. Artigo atualizado às 19h13 do dia 27/02, com correção relativa ao ano de entrada da Croácia na UE: foi em 2013 e não em 2007, como (erradamente) constava previamente do texto.