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Na luta para conseguir o maior pacote remuneratório alguma vez concedido a um líder de uma empresa cotada nos Estados Unidos, Elon Musk assegurou mais uma vitória. Ainda antes da divulgação dos resultados oficiais, conhecidos na quinta-feira, já o empresário dizia que os acionistas da Tesla tinham aprovado por “uma larga margem” o seu plano remuneratório de 56 mil milhões de dólares (cerca de 52 mil milhões de euros). A confirmação do ‘sim’ da maioria (com 77% dos votos) chegou horas depois, mas o processo ainda está longe do fim.
“Caramba, eu amo-vos” foi a reação de Musk à aprovação formal do bónus por parte dos acionistas, que também concordaram com a transferência do registo da Tesla do estado norte-americano de Delaware para o Texas. Para o multimilionário a votação não representa “o início de um novo capítulo” para a empresa, mas a “abertura de um novo livro”. E no começo dessa nova Era existiu ainda um outro sinal positivo para a liderança do empresário: dois dos seus principais aliados — Kimbal, o seu irmão, e James Murdoch, filho do magnata Rupert Murdoch e ex-CEO da 21st Century Fox — foram reeleitos para o conselho de administração.
A aprovação do bónus de Elon Musk contou, segundo o Financial Times, que cita uma fonte familiarizada com os resultados, com o parecer positivo da Vanguard, a maior acionista da Tesla (com uma participação de 7,3%), algo que não tinha acontecido em 2018, aquando de uma primeira votação. A segunda maior acionista, a BlackRock, também votou a favor. Em sentido contrário está o Fundo Soberano da Noruega, o oitavo maior acionista da empresa (com uma participação de 0,98%), que votou contra.
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— Elon Musk (@elonmusk) June 13, 2024
O facto de a maioria dos acionistas da Tesla ter votado a favor dos 56 mil milhões de dólares para Elon Musk não significa que o processo esteja fechado, uma vez que aqueles que estão contra o montante ainda podem recorrer na justiça. Além disso, há um outro processo judicial a decorrer que fará com que sejam os tribunais a ter a última palavra.
“Caramba, eu amo-vos”. Elon Musk satisfeito com aprovação formal do bónus de 56 mil milhões na Tesla
A primeira aprovação do plano, uma disputa judicial e a liderança de Musk
Tudo começou em 2018. Musk quis implementar um plano de crescimento para a Tesla, aceitando trabalhar sem salário mas recebendo uma recompensa financeira apenas depois de alcançar determinados objetivos, como, por exemplo, levar a empresa a atingir uma avaliação de 650 mil milhões de dólares. As metas foram alcançadas e o pacote, avaliado em 56 mil milhões de dólares e que previa a distribuição de ações ao longo de 10 anos, foi aprovado.
![epa11277684 CEO of Tesla Motors Elon Musk attends the tenth Breakthrough Prize Ceremony at the Academy Museum of Motion Pictures in Los Angeles, California, USA, 13 April 2024. The gala honors acclaimed science and mathematics luminaries with leading figures from the worlds of entertainment, technology, sports and business. EPA/CAROLINE BREHMAN](https://bordalo.observador.pt/v2/q:84/rs:fill:2000:1121/c:2000:1121:nowe:0:0/plain/https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2024/06/13113220/42681448.jpg)
▲ Musk não recebe um salário da Tesla
CAROLINE BREHMAN/EPA
Porém, um recurso apresentado por um acionista minoritário num tribunal de Delaware levou, no final do mês de janeiro, à anulação do bónus. A juíza Kathaleen McCormick considerou que o conselho de administração não era independente face a Musk e que os acionistas não tinham sido devidamente informados da forma como esse conflito de interesses pode ter afetado as negociações do pacote de remunerações.
De acordo com o site Quartz, especializado em economia, a Tesla quer recorrer da decisão judicial e utilizar a reaprovação do bónus por parte dos acionistas, que tiveram acesso à deliberação e aos argumentos da juíza, como uma prova de que estes acreditam que Musk deve receber o pagamento. A menos que a decisão do tribunal de Delaware seja revertida, o pacote salarial é ‘nulo’ ao abrigo da lei desse estado norte-americano.
Musk pré-anuncia aprovação “por larga maioria” dos acionistas do seu plano salarial multimilionário
No próximo dia 8 de julho existirá, de acordo com a Bloomberg, uma sessão no tribunal de Delaware para decidir se os advogados do acionista minoritário que moveu o processo contra o bónus de Musk devem receber seis mil milhões de dólares em ações da Tesla em honorários. Só após essa deliberação é que a Tesla pode, caso a decisão judicial quanto ao pagamento do empresário não seja entretanto revertida, recorrer ao Supremo Tribunal de Delaware. Nesse caso, o processo deverá arrastar-se durante vários meses.
Os analistas ouvidos pelo Observador acreditam que a aprovação do bónus tem uma ligação direta com a continuidade de Musk na liderança da Tesla. Na assembleia-geral da fabricante automóvel, que se realizou esta quinta-feira, o empresário assegurou aos acionistas de que continuaria na empresa e recordou-os de que não poder vender quaisquer ações do pacote remuneratório durante cinco anos. “Na realidade, não se trata de dinheiro e eu não posso pegar nele e fugir, nem gostaria de o fazer”, afirmou, citado pela Associated Press.
O analista Dan Ives defende que os acionistas da Tesla sabiam que se dissessem “não” ao bónus corriam o risco de enfrentar “uma eventual saída de Musk do cargo de CEO” e esse “risco seria muito maior do que a recompensa de votar contra a proposta”. “Se não fosse aprovada, muitas coisas más poderiam ter acontecido, incluindo Musk começar a caminhar para deixar de ser CEO da Tesla. Em vez disso, existem rosas e arco-íris em Austin”, onde está localizada a sede da empresa, devido à aprovação. “A Tesla é Musk e o Musk é a Tesla”, acrescenta.
Por sua vez, Henrique Tomé, analista da XTB, diz que a “aprovação de uma quantia tão avultada reflete a confiança dos acionistas em Musk e na sua capacidade de continuar a impulsionar o crescimento exponencial da Tesla”. Ainda assim, alerta que o bónus também “levanta questões legais e éticas”, nomeadamente porque existe um processo judicial que, alega, “é excessivo e que não houve supervisão adequada por parte do conselho de administração”. “A aprovação deste prémio pode influenciar significativamente o decurso” desse e de outros eventuais processos, defende.
Se for demonstrado que o prémio foi aprovado com a devida diligência e que está alinhado com os interesses dos acionistas, isso pode enfraquecer as reivindicações dos opositores. Por outro lado, se surgir evidência de que a aprovação foi feita sem a devida transparência ou que os objetivos de desempenho são inalcançáveis ou insuficientemente rigorosos, isso poderá fortalecer os argumentos legais contra a Tesla”, afirma o analista da XTB.
Duarte Pitta Ferraz, sócio da Ivens Governance Advisors e professor de governance e banca na Nova SBE, também considera que o tema é “polémico”, desde logo devido ao montante do bónus (um valor que “nunca se viu no mundo” dos negócios), mas foca-se nas críticas que têm surgido por a empresa, nomeadamente o conselho de administração, ainda não ter tratado do “processo de sucessão” de Musk. “Temos que pensar que, nestes cargos [de liderança], tem de haver um processo de sucessão montado, porque o impacto, quando não há esse processo e acontecem surpresas, na valorização das empresas pode ser violento. Por isso, os acionistas têm de ter uma preocupação relativamente ao tema”, defende, em conversa telefónica com o Observador.
"Era curioso saber quem votou contra"
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Duarte Pitta Ferraz afirma que seria “curioso” saber quem foram os acionistas que votaram contra o pacote remuneratório e quais as suas nacionalidades. Se “são acionistas detentores de posições fora dos EUA ou mesmo de Inglaterra, fora dos mercados anglo-saxónicos, entende-se melhor o voto contra, apesar do acordo que havia”, uma vez que tendem a ser mais “conservadores”, defende o professor, dando o exemplo do Fundo Soberano da Noruega.
Embora reconheça que o que ‘choca’ é o “montante”, tanto aos europeus como aos norte-americanos, o especialista aponta que “o que os acionistas fizeram foi cumprir com o que tinha sido acordado” há cerca de seis anos.
Já Nuno Fernandes, managing partner da Odgers Berndtson Board Solutions e professor catedrático de Finanças no IESE Business School em Espanha, acredita que a reaprovação do bónus “alterou, sem dúvidas, as probabilidades do desfecho final” do processo judicial, mas lembra que “não está acabado, nem é certo que este plano de remunerações venha a concretizar-se”. Quanto à possibilidade de a liderança de Musk estar em risco caso os acionistas votassem contra, afirma que “parece que sim” (até devido às “ameaças feitas pelo próprio” inicialmente). E lembra que é “importante não esquecer que Musk tem mais de 80% da sua riqueza na Tesla”, pelo que “como sair sem causar uma imensa destruição de valor para o próprio não seria óbvio”.
A transferência do registo da Tesla para o Texas
Além do plano remuneratório, os acionistas aprovaram a transferência do registo da Tesla para o Texas, estado norte-americano onde a empresa tem o seu edifício. De acordo com a agência Reuters, apesar de essa região estar fora do alcance dos tribunais de Delaware, a empresa disse que não pretende utilizar a mudança para ‘ignorar’ a decisão da justiça. A juíza aceitou essas garantias. Esta também não é a primeira vez que Musk transfere uma das suas empresas: em fevereiro, a SpaceX já tinha trocado o Delaware pelo Texas.
Nessa altura, o multimilionário assinalou a mudança ao deixar um conselho a outros empresários: “Se a tua empresa ainda está registada no Delaware, recomendo que a mudes para outro estado o mais rapidamente possível”. Segundo a Bloomberg, a expectativa de Musk e de outros administradores da Tesla será de que exista menos regulação e de que a legislação no Texas seja mais tolerante para com determinadas decisões empresariais, incluindo a aprovação de pacotes de remuneração.
Questionado pelo Observador sobre se a mudança do registo da empresa poderá ter por base essas alegadas diferenças na legislação entre os dois estados, Duarte Pitta Ferraz admite que essa é uma possibilidade e considera que as regiões são “diferentes”, uma vez que “o Delaware às vezes toma umas decisões baralhadas”.
O também professor Nuno Fernandes começa por lembrar que o Texas já é “o home state da Tesla” — até porque a “principal fábrica” da empresa está localizada nesse estado, em Austin. Por outro lado, defendeu, por seu lado, que “as leis dos estados não são tão diferentes no caso Texas/Delaware”. “Há estados como o Nevada, com legislações claramente benéficas para gestores, administradores e acionistas maioritários; não é o caso do Texas”, argumenta, acrescentando que as possíveis implicações da mudança só serão conhecidas “no futuro”.