Era hora de almoço e José (nome fictício) e a mulher estavam quase a chegar ao destino. Viajavam em direção ao Porto, mas, quando menos esperavam, foram abordados pela Polícia Judiciária, que descobriu um compartimento secreto no SUV do casal. De repente, em plena via pública, ficaram à vista de todos 12 quilos e 100 gramas de droga. A dupla, que a PJ vigiava há muito tempo, tinha sido contratada por um dos barões de droga no norte do país e com ligações a uma das mais importantes rede de tráfico. Acabaram ambos detidos.

Os bairros da Pasteleira e do Cerco são conhecidos como dois dos mais problemáticos da cidade do Porto e onde “o tráfico de droga tem mais mais visibilidade”, diz fonte da PJ ao Observador. As zonas são “controladas por traficantes que se abastecem junto de outros traficantes ainda maiores, envolvidos na rede que estávamos a identificar” já há dois anos, explica a mesma fonte.

“Desta rede fazem parte pessoas que são barões da droga no que ao nosso mercado diz respeito. E esses barões abastecem-se de várias formas, como o porto de Leixões ou o aeroporto, de acordo com o tipo de droga”. Por sua vez, estes barões “socorrem-se de empregados, de pessoas que executam ordens”. Dois desses empregados eram José e a sua mulher, um casal na casa dos 40 anos.

A PJ começou a vigiar o homem há algum tempo, percebendo rapidamente que “fazia viagens com regularidade ao sul, à zona de Lisboa”, em momentos diferentes do dia. As autoridades começaram então a “acompanhar estas viagens”, na tentativa de “entender o seu objetivo, ou seja, se a droga estaria a ser levada de sul para norte ou ao contrário”.

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Foram várias as deslocações que a PJ vigiou, concluindo que a mercadoria tinha sempre a região norte como destino. Finalmente, “na viagem de ontem [quarta-feira], decidiu-se abordar o homem e fazer uma busca apurada à viatura”, numa operação que contou com colaboração do Destacamento de Trânsito do Porto da Guarda Nacional Republicana (GNR).

A abordagem ao SUV que o casal conduzia foi feita em plena luz do dia “na zona de Vila Nova de Gaia, já quase no fim da viagem”, conta fonte da PJ. Quando abordaram José, as autoridades aperceberam-se de que, ao seu lado, viajava a mulher. Não era companhia habitual, mas já tinha ocupado o lugar do pendura em pelo menos uma outra ocasião.

A PJ tinha “uma forte convicção de que o produto existia” dentro do carro, mas chegar a ele não foi fácil. “Era um carro normal, mas que tinha sofrido modificações” para que fosse mais fácil esconder o produto. A tarefa foi quase por tentativa e erro e exigiu “grande insistência”, descreve fonte da PJ: “Numa primeira abordagem, não fazíamos ideia do tipo de construção [do compartimento] e, apesar de convencidos que de traziam a droga, não sabíamos em que sítio e tivemos de procurar”.

Algum tempo depois, os inspetores acabaram por desvendar o funcionamento deste “esconderijo feito de forma peculiar”. “Tinha de se carregar num telecomando que abria um compartimento específico. Os airbags tinham sido retirados e a droga vinha guardada na parte do tablier.”

A fonte da PJ reconhece que “quem fez aquele esconderijo foi um especialista”, acrescentando que, se tivesse sido feita uma verificação mais superficial do automóvel — como as que acontecem, por exemplo, numa operação stop — o compartimento “passava despercebido”.

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No local foram encontrados 11 quilos de cocaína, um quilo de MDMA e 100 gramas de haxixe, dose “suficiente para a produção de centenas de milhares de doses individuais, estando em condições de ser multiplicada através da adição de produtos de corte, face ao seu elevado grau de pureza”, lê-se no comunicado que a PJ enviou às redações.

Depois de encontrar a mercadoria que o casal transportava, e ainda no local onde o casal foi abordado, a PJ fez “um teste rápido a confirmar que era droga”, concretizando depois a detenção dos dois portugueses. Mais tarde, já longe do local onde o casal foi abordado, as autoridades apreenderam três automóveis, mais de 7 mil euros em dinheiro e outros elementos de prova. E voltaram, uma vez mais, a analisar o carro, para conseguir perceber em detalhe como funcionava o mecanismo utilizado para esconder a droga no tablier do carro.

Segundo a PJ, ainda é desconhecida a verdadeira porta de entrada do produto que o casal transportava até ao norte, mas salienta que “a cocaína normalmente vem da América Latina, sendo que a forma mais normal de entrada é pelos portos”.

Sequestros, ameaças e raptos. Que rede é esta?

Mas afinal, como é que a PJ chegou ao casal que deteve na quarta-feira e como é que tinha tanta certeza de que a droga estaria no interior do carro? Para responder a isso é preciso recuar a 2022, quando a Polícia Judiciária iniciou esta investigação a uma rede de tráfico organizada, “uma das mais importantes a operar no país e em concreto na zona norte”, conta fonte da Judiciária.

Este rede estava envolvida, entre outras, “em situações de introdução de estupefacientes da América Latina no país”. “No fundo, era quase como uma empresa que presta todo o tipo de serviços: as pessoas faziam as importações [de droga], cobranças e distribuição de substâncias desde que houvesse um cliente disposto a pagar”, explica.

Dois anos depois do início da investigação, em maio, foram detidas sete pessoas ligadas à rede que a PJ estava a acompanhar. E, mais tarde, outras duas. Ao contrário do casal que foi detido quarta-feira, estas nove pessoas são consideradas perigosas, assim como a rede que tem estado a ser investigada. “Eram pessoas com acesso a armas e que sabem lidar com elas, e que eram temidas entre a comunidade criminal por não terem medo de sequestrar, ameaçar e raptar pessoas”.

Os detidos entre maio e agosto “tinham ficha criminal”, mas José e a sua mulher são um “casal um bocadinho marginal em relação ao restante grupo, não havendo perigosidade associada”.

De acordo com a PJ, a investigação a esta rede ainda não terminou, estando por apurar a sua verdadeira extensão — o objetivo é chegar a mais elementos que colaboram na compra e venda de droga no país. A PJ diz estar a colaborar com as autoridades brasileiras, já que “uma das situações da rede teve ramificações no Brasil”.