A investigação está carregada de interrogações e segue por muitos caminhos — e a descoberta do corpo de Luís Grilo está longe de ditar o fim da história. Agora que o triatleta de 50 anos foi encontrado e que o cenário de homicídio é certo, a Polícia Judiciária tem uma longa lista de dúvidas para responder.
Há várias hipóteses, ainda que com graus diferentes de probabilidade. Luís Grilo não terá sido assassinado no local onde foi encontrado. E pode ter sido mais do que uma pessoa a matá-lo. Mas porquê? Em causa pode estar um homicídio passional. E o saco que tinha na cabeça pode ter sido utilizado para proteger o homicida da própria culpa — para não ter de olhar para a cara de quem estava a matar. Mas também pode ter sido uma forma de não sujar com sangue o meio utilizado para o transporte do corpo, ou até mesmo para asfixiar a vítima. Por outro lado, o triatleta foi visto a discutir com um homem e os amigos falam, agora, num incidente de trânsito. Mas a bicicleta ainda não foi encontrada e, por isso, a hipótese de um roubo que correu mal também continua em aberto.
O saco, o tapete encontrado na cena de crime e o facto de a vítima ter sido deixada sem roupa também podem ser símbolos com influência direta no rumo da investigação, explicados até pela psicologia forense. Mas também podem não significar nada, no caso de, afinal, serem elementos que foram propositadamente colocados no cenário do crime para desviar as atenções das autoridades. No fundo, uma encenação. Outra hipótese: podem indicar um homicida desleixado.
O caso é um quebra-cabeças, cheio de desafios que a Polícia Judiciária procura agora resolver. Reunimos aqui as várias pistas e as teses que cada uma delas pode sustentar.
O local onde foi encontrado
O corpo estava perto da casa dos sogros. Foi uma coincidência?
Mais de 130 quilómetros separam o local onde Luís Grilo foi visto pela última vez e o sítio onde o corpo viria a ser encontrado, mais de um mês depois: no dia 16 de julho, saiu para um treino de bicicleta, em Cachoeiras, onde residia, e nunca mais foi visto; no dia 24 de agosto, o cadáver foi encontrado em Alcórrego, no concelho de Avis. Ainda não se sabe se o triatleta percorreu este caminho morto ou vivo, à força ou de livre vontade, mas é um facto que Luís Grilo foi largado na berma de uma estrada de terra batida, onde poucas pessoas passam.
O local onde Luís Martins, um habitante de Alcórrego, encontrou o corpo do triatleta parece não ser uma coincidência ou um dado completamente desconectado dos restantes elementos do caso. É, pelo contrário, um elemento relevante e que está a ser tido em conta pela investigação, segundo explicou fonte da PJ ao Observador. É que Luís Grilo tinha uma ligação àquela zona. A família da mulher vive a cerca de 17 quilómetros do local, em Benavila — um destino para onde o triatleta costumava pedalar, a partir de Vila Franca de Xira, e onde, depois, pernoitava em casa de familiares. Muitas vezes, a mulher acompanhava-o de carro.
O tapete, o saco e os mistérios do assassinato de Luís Grilo, o homem sem inimigos
A pergunta que a PJ agora faz é: o local onde o corpo foi encontrado foi um acaso ou o homicida conhecia Luís Grilo tão bem ao ponto de saber que tinha uma ligação àquela zona? Colocar o corpo num sítio onde a própria vítima tinha família, ainda que por afinidade, pode ter sido uma tentativa de incriminar esses familiares ou, pelo menos, de desviar as atenções das autoridades para essa hipótese. Mais: ali, a probabilidade de o corpo ser encontrado por um familiar aumenta — o que pode ter sido um “requinte de malvadez”, considera Carlos Poiares, psicólogo e diretor da Escola de Psicologia e Ciências da Vida da Universidade Lusófona.
O que foi encontrado, o que falta encontrar
Destino dado aos pertences da vítima faz diferença?
O telemóvel
Ao terceiro dia de buscas, o telemóvel de Luís Grilo foi encontrado: desligado, fora da bolsa de plástico onde costumava ser transportado e numa berma de estrada em Casais da Marmeleira — a seis quilómetros da sua casa. “Pode significar que o telemóvel ficou naquele local quando a pessoa foi dali retirada ou que o vieram trazer àquele local para afastar as atenções do sítio onde efetivamente se encontrava o corpo. É um elemento importantíssimo”, considera a PJ. De tal forma que, quando o aparelho foi encontrado, passou a suspeitar-se de crime e não de acidente, por poder indicar que o desaparecimento escondia um cenário mais grave. Ainda que, durante mais de um mês — até à descoberta do corpo –, tivessem faltado elementos que, em conjugação com o telemóvel, apontassem para um homicídio.
As roupas
O corpo de Luís Grilo foi deixado despido e as roupas nunca foram encontradas: podem ter sido levadas ou queimadas pelo homicida para esconder qualquer rasto. Mas o facto de terem desaparecido pode fazer toda a diferença para a investigação: estarão diretamente ligadas ao móbil do crime ou, então, a sua ausência pode explicar as circunstâncias em que o ataque aconteceu.
Fonte da PJ admite que a nudez “pode ser uma circunstância perfeitamente fortuita”. É possível, por exemplo, que Luís Grilo se tenha sentido mal disposto e se tenha despido “para se sentir mais à vontade”, acabando por ser atacado “nessa circunstância”. “É óbvio que o atacante, depois de o atacar, não o vai vestir”, esclareceu fonte da PJ. Pode também ter sido uma forma de o humilhar, num cenário de crime passional. E isso poderá fazer sentido se a autópsia revelar que Luís Grilo não teve uma morte imediata. Por exemplo, se se evidenciar “algum tipo de lesões em determinadas zonas genitais, infligidas em vida, pode deduzir-se que a vítima foi humilhada”, explicou fonte da PJ.
A bicicleta
A bicicleta, uma Cannondale preta e vermelha, também não foi encontrada. O facto de não estar junto ao corpo dirige o olhar dos investigadores para vários caminhos. Luís Grilo poderá ter sido atacado noutro local, onde ainda poderá estar a bicicleta (tal como aconteceu com o telemóvel), eventualmente escondida numa zona de difícil acesso. Não pode, ainda assim, ser descartada uma outra hipótese: a de o homicida se ter livrado dela para afastar as suspeitas, ou até mesmo a de a ter guardado como troféu. Mais à frente, falaremos dos possíveis motivos para o crime e a bicicleta pode também ser a chave para um deles — um cenário de roubo que correu mal.
O local onde foi morto
Ao lado do corpo havia um tapete que pode ter sido usado para o transportar
As convicções da PJ quanto a este tema são mais robustas: “É muito provável que aquele [local onde o corpo foi encontrado] não tenha sido o local do crime. À partida, foi transportado para lá”. Mas o psicólogo Carlos Poiares alerta: “Transportar um morto não é muito fácil e não só é mais arriscado como potencia o risco de o assassino ser detetado”.
O facto de o telemóvel ter sido encontrado a 130 quilómetros do local onde foi descoberto o corpo parece reforçar esta teoria. A própria PJ admite, como já foi referido, que o telemóvel pode ter ficado naquele local “para afastar as perspetivas do sítio onde efetivamente se encontrava o corpo”.
No local do crime, foi encontrado um tapete preto, de grandes dimensões, que estava apoiado, ao alto e semidobrado, num dos arbustos ao lado do corpo. A questão que se coloca é: terá sido o tapete utilizado para transportar o corpo e o depositar na berma daquela estrada de terra batida? Mas, se assim foi, porquê deixá-lo ali? “Pode ser porque o homicida se assustou e teve de fugir o mais rapidamente possível, não se lembrando mais do tapete”, explicou o psicólogo Carlos Poiares ao Observador.
Claro que também há outra hipótese, que o trabalho do Laboratório de Polícia Científica pode facilmente descartar: o tapete pode ser um acaso e já estar ali, na berma da estrada de terra batida, quando o corpo lá foi deixado.
A convicção da PJ de que Luís Grilo foi deixado naquele local já morto, esbarra apenas num outro elemento. A vítima foi encontrada com um saco preto na cabeça. Se se vier a apurar que o saco foi usado para impedir que o triatleta visse o caminho até lá, a teoria cai por terra, porque significa que estaria vivo. Ao Observador, fonte da Judiciária explica que o saco pode ter tido uma função mais prática. Luís Grilo foi agredido com muita violência na cabeça. Se isso tiver acontecido antes de o corpo ter sido levado para ali, então o homicida pode ter procurado uma forma de impedir que ficassem vestígios de sangue no carro que usou para o transportar.
Os motivos para o matar
Homicídio passional, ajuste de contas ou roubo que correu mal?
De crime passional a um roubo que acabou em homicídio, as teorias são muitas. A investigação é complexa e, por isso, nenhuma é, por enquanto, excluída. Todos os elementos, por insignificantes que pareçam, são considerados e cruzados.
A hipótese de um assalto que acabou mal não foi excluída
Ao contrário do que chegou a ser avançado, as autoridades ainda consideram que um assalto pode ter levado a este desfecho, confirmou fonte da PJ ao Observador. O ataque pode ter saído fora do controlo dos assaltantes, que entraram em pânico e tentaram livrar-se do corpo.
O facto de a bicicleta não ter, ainda, aparecido, sustenta esta hipótese, por eventualmente ter um valor que justificasse o roubo, ainda que, ao Observador, um amigo da vítima tenha explicado que o valor da bicicleta era muito baixo e “não servia para coisa nenhuma”. A ser assim, o homicida poderia não saber. E sendo certo que o telemóvel foi encontrado — o que significa que não foi roubado — não se sabe se Luís Grilo costumava treinar com dinheiro, que possa ter sido levado.
Há ainda uma outra hipótese: “como engenheiro informático”, o triatleta poderia ter “um valor intrínseco que fosse obrigado a fazer determinado tipo de operação”, explicou fonte da PJ. É sempre assim, na investigação criminal: todas as hipóteses, até as mais improváveis, têm de ser consideradas.
Há uma “convicção, justa ou injusta, de haver uma situação de natureza relacional”
O facto de Luís Grilo ter sido deixado sem roupa pode ter vários significados. Um deles, como já vimos, pode sustentar a tese de um crime passional e, até, indicar o motivo específico que levou ao crime. “Quem o matou pode ter querido vingar-se e quis como que deixar um recado, não a ele mas a quem o possa entender, de que foi por ele andar despido que foi morto“, admite fonte da PJ ao Observador. O psicólogo Carlos Poiares também diz que, “em casos de crime passional, o indivíduo, masculino ou feminino, pode ser deixado ou completamente nu ou com a zona púbica destapada, justamente para uma espécie de castigo”.
Também o saco preto na cabeça e o tapete ao lado do corpo podem indicar que o homicida tinha uma relação amorosa ou familiar com Luís Grilo e usou esses elementos para esconder o rosto da vítima, numa tentativa de se proteger da própria culpa. No fundo, nesse cenário explicado pela psicologia forense, o homicida não quereria olhar para a cara de quem estava a matar, o que indica uma proximidade.
A teoria de ajuste de contas por causa de uma discussão de trânsito é a convicção dos amigos
Para alguém que é descrito como “um homem sem inimigos”, é difícil acreditar que tenha sido assassinado por vingança. Pouco depois de Luís Grilo ter desaparecido, uma mulher garantiu tê-lo visto a discutir com um homem, em Arruda dos Vinhos. O testemunho, que não parecia credível (a mulher dizia que, afinal, tinha visto um ciclista, mas não sabia se era Luís Grilo e em que dia ao certo tinha presenciado essa cena), pode agora fazer sentido. Os colegas de equipa do triatleta acreditam que Luís Grilo terá morrido na sequência de um acidente de trânsito. “Há muitos condutores que não têm respeito por nós e fazem-nos autênticas razias. E, numa dessas vezes, o habitualmente tranquilo Luís passou-se”, disse um colega ao jornal Expresso, acrescentando que o triatleta gritou com o condutor mostrando “muita raiva” e, admitem, “uma faceta desconhecida”. Uma eventual discussão poderá ter assumido proporções mais violentas — ao ponto de acabar em homicídio.
Homicídio premeditado ou de ocasião
Um cenário com significado, uma encenação para despistar as autoridades ou desleixo?
Só a junção de todos os elementos reunidos pode ajudar a desenhar o cenário em que o crime aconteceu. O local, a violência das agressões, a ausência das roupas, o desaparecimento da bicicleta ou o tapete encontrado podem indicar que o crime foi metodicamente preparado e que algumas ações foram feitas com um simbolismo específico. Mas, ao mesmo tempo, esses dados podem não ter qualquer significado e o homicida ter querido, apenas, “dispersar as atenções”. “Um homicídio em que aparece um indivíduo sem roupa obviamente que causa mais impacto”, justifica o psicólogo Carlos Poiares — e pode confundir os investigadores. O mesmo argumento pode justificar o facto de a vítima ter um saco na cabeça e, a seu lado, estar um tapete. “Pode fazer parte da mesma estrutura que possa perturbar a investigação”, adianta a mesma fonte. No fundo, uma encenação com elementos colocados deliberadamente para deixar “uma margem de despiste para as autoridades”.
Podemos também estar perante um homicida desleixado. Quando o cadáver foi descoberto, os pés chegavam, praticamente, ao limite da estrada. Aliás, os arbustos não eram suficientemente altos para esconder o corpo. Estes elementos podem revelar que o homicida é uma pessoa desleixada, que não se preocupou em esconder o corpo. Ou, pelo contrário, é um criminoso que “já realizou vários crimes” e, por isso, ao sentir-se impune, “começa a ter uma tendência para o desleixo”, explica o psicólogo.
O treino “estranho”
Se o treino foi uma desculpa, a investigação pode mudar de rumo
No dia do seu desaparecimento, o triatleta saiu para fazer um treino de bicicleta — algo que, na altura, foi apresentado com “habitual”. Dias depois de o corpo ter sido encontrado, o treinador revelou ao Jornal de Notícias que, afinal, o treino feito naquele dia não só não era assim tão habitual com era até “estranho”. Luís Grilo não costumava treinar na estrada a seguir a uma competição. Estava, aliás, em período de recuperação, depois de uma prova que tinha feito na Alemanha.
Este facto pode ter algum peso na investigação e o treinador até já foi inquirido pela PJ. “Evidenciando que o treino não foi treino e foi uma desculpa para ir a outro sítio, isso ajudará a encaminhar as coisas num sentido ou noutro”, admite fonte da PJ. Nessa tese, Luís Grilo pode ter ido encontrar-se com alguém, a coberto daquele suposto treino. E esse “alguém” pode, afinal, ser o homicida. Ainda assim, a mesma fonte da PJ não deixa de considerar importante saber se o treinador “tinha conhecimento prévio de todos os treinos ou só acompanhava semanalmente ou mensalmente”, para verificar até que ponto estas considerações são importantes. “Admito que quem faça competição tenha as coisas mais ou menos planeadas e até admito que a informação do treinador venha a ter relevância. Mas os atletas às vezes descontraem-se com o exercício físico”, acrescentou ainda a mesma fonte.
A causa da morte
Asfixia ou traumatismo craniano? Um homicida ou vários?
A autópsia já foi concluída, mas aguardam-se ainda os resultados finais. As hipóteses mais prováveis são os traumatismos na cabeça ou asfixia, mas nenhuma outra foi excluída. As autoridades admitem que o saco na cabeça possa ter sido utilizado como forma de “asfixiar a vítima”, mas o triatleta tinha marcas de agressões, especialmente no crânio, que implicaram, obrigatoriamente, o uso de grande violência e que podem ter provocado a sua morte.
As marcas no crânio podem significar ainda que Luís “provavelmente também bateu no agressor”, que, sem alternativa para o imobilizar, atingiu a vítima na cabeça. É um facto: Luís Grilo tinha uma boa capacidade física, resultado da sua atividade de triatleta. Carlos Poiares deduz daí que “tenha sido alguém com uma robustez física equivalente à de Luís Grilo” a matá-lo. “Não é incompatível com a eventualidade de ter sido uma mulher, mas parece mais uma força masculina”, explicou o psicólogo ao Observador. Isso, claro, partindo do princípio de que foi apenas uma pessoa a cometer o crime. É esse, aliás, um dos dados que a PJ também procura apurar: se Luís Grilo morreu às mãos de um único homicida ou se foi morto por duas ou mais pessoas.