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FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Um tango com Adam Driver e uma estrela em Berlim: para onde vai Joana Ribeiro?

Filmou com Terry Gilliam e é uma das atrizes no programa Shooting Star, palco privilegiado na Berlinale. Em entrevista, fala das novelas, da arquitetura que quase seguiu e de uma rara cena de dança.

Quando se chega ao secundário ninguém sabe o que quer ser. Mais depressa se respondia aos sete anos, quando queremos ser astronautas ou salvar animais seja de que maneira for. É muito possível que se vá ao engano, que se escolha algo que não bate certo. Joana Ribeiro, no décimo ano, foi para Artes. Adorava geometria descritiva e por isso acabou a frequentar a licenciatura de Arquitetura. Depressa percebeu que não era aquilo. E a história vira quando, por insistência dos pais, vai a um casting para a novela da SIC “Dancin’ Days”, onde se estreou.

Joana, que nem sequer cresceu com a referência das telenovelas, acabou por começar assim. Entretanto, o mercado internacional pisca-lhe o olho e lá vai ela. E vai com tudo, ao ponto de dançar flamenco com Adam Driver em “O Homem Que Matou Dom Quixote” – quem nunca quis dançar flamenco com Adam Driver? Pois é. Entretanto, tem várias estreias programadas para este ano, filmes de Carlos Conceição, Bruno Gascon e Antoine Fuqua (“Infinite”, onde trabalhou ao lado de estrelas como Mark Wahlberg e Chiwetel Ejiofor, com estreia agendada para agosto).

Ou seja, está imparável. E agora faz parte do coletivo Shooting Stars, grupo de novos valores que a European Film Promotion elege todos anos, desde 1998, atores em quem aquela entidade de promoção do cinema europeu aposta e que estão em destaque no Festival de Cinema de Berlim, que decorre até dia 1 de março. Foi por todas estas razões — e mais algumas — que aconteceu este pergunta-resposta.

Sente-se uma “Shooting Star”?
Não sei, tenho estado a pensar um bocado nessa definição de “shooting star”…

Curiosa, não é?
É, porque é estar a subir, mas depois também é estar a descer. E não sei, se essa definição de “shooting star” quiser dizer que neste momento estou no ponto mais alto da minha carreira e a partir daí é só descer não estou muito bem com isso. Se for uma questão de ainda estar a subir, pode ser que sim.

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Deduzo que seja algo importante para si, na medida em que por esta lista já passaram nomes como a Beatriz Batarda, o Nuno Lopes, a Rita Durão e, mais recentemente, em 2017, a Vitória Guerra.
É ótimo, claro. A Ana Moreira também foi “shooting star” há uns anos. Estar incluída num grupo de atores que admiro tanto, não só portugueses como internacionais, é um belo reconhecimento.

O que é que já sabe sobre este programa, isto é, em Berlim o que é que vai acontecer?
Confesso que, o pouco que sei, foi o meu agente internacional que me disse, até porque ele organiza uma coisa parecida, que é o Subtitle, só que aí não existe imprensa e basicamente é uma semana onde vemos filmes e conversamos com diretores de casting, que é um bocado o que se passa cá com o Passaporte. E o que ele me disse foi que o Shooting Stars ia ser um Subtitle, mas com jantares com produtores, sessões fotográficas, entrevistas. É engraçado, acho que ando a comparar isto a um baile debutante, sinto que vou ser apresentada ao meio, a esta profissão e com tudo aquilo que isso implica.

"Todos os filmes que fiz por cá foram muito low budget, de roubar planos na rua, e adorei essa experiência. Gosto muito do estarmos todos juntos e ajudarmos todos a levar os cabos"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

O que é que acha que tem para ser selecionada?
Do que eles escreveram acho que foram os olhos. Acho que tem que ver com o facto de nos últimos anos ter trabalhado com o Terry Gilliam, com o Antoine Fuqua, ter feito um piloto para a Amazon [“The Dark Tower”], acho que viram potencial para fazer coisas a nível internacional. Deve ter sido por aí, “esta rapariga já começou a fazer coisas fora de Portugal”

Com algum jeitinho…
… “pode ser um bom investimento”… não sei.

Estava a preparar esta entrevista e a pensar que a primeira vez que a vi no cinema foi em “A Uma Hora Incerta”. Depois comecei a fazer ligações com “The Dark Tower” ou “Um Fio de Baba Escarlate” e a pensar que os diretores de casting, produtores, realizadores, gostam de colocar a Joana nesta ideia de thriller, não é a primeira vez que faz coisas desse género.
Pois é, por acaso, é engraçado. Sempre gostei da estética noir e assim, e acho que até tem que ver, por causa dos olhos…

A sua tez branca contrasta com essa ideia do noir, do escuro.
Provavelmente. Lembro-me de um amigo que olhava para mim e dizia que tinha vontade de me estragar, de me fazer mal, não sei, se calhar é por aí. É engraçado, nunca tinha pensado nisso.

Diria que “O Homem Que Matou Dom Quixote” foi essencial para o abrir de portas deste mercado internacional que agora começa a olhar mais para si?
Acho que sim. Acho que foi o filme que começou tudo. Foi graças a esse filme que consegui um agente internacional, acho que o Terry Gilliam é muito bem considerado pelo meio… E depois, estar num filme com o Adam Driver e o Jonathan Pryce não faz propriamente mossa.

[o trailer de “O Homem que Matou Dom Quixote”:]

Como é que foi dançar com o Adam Driver?
Foi das cenas mais difíceis de fazer, porque tivemos imenso tempo de ensaios, nunca tinha dançado flamenco na vida e de repente há uma coreografia, tinha uma professora comigo todos os dias. No dia antes de gravarmos a cena, o Terry foi ao ensaio e disse: “Não é nada disto que eu quero, vais improvisar”. E eu, “ai, caraças, isto não me está a acontecer”. Só dizia “não sou bailarina, não sei fazer isto”.

Mas tem muito jeito para dançar, é isso?
Não sei. Tenho, se for na noite ou em minha casa. Flamenco é das coisas mais difíceis de dançar porque os pés vão a um tempo diferente do resto do corpo e depois também há a expressão facial. Mas nesse aspeto, o Adam foi espectacular porque ele é muito sensível aos tempos e foi em conjunto com ele que percebemos melhor o que fazia sentido, porque estávamos a dar muito ênfase aos estalos e acabámos por perceber que havia outras coisas importantes naquela linguagem. E isso foi muito graças ao Adam, a cena era para ser de uma maneira e acabou a ser de outra que me pareceu bem melhor.

Portanto, o Adam Driver conduziu.
Exatamente.

Pode-me falar um bocadinho mais sobre o filme do Antoine Fuqua, até porque não se sabe muito. Sabemos que tem Mark Wahlberg e Chiwetel Ejiofor. Como é que se deu essa possibilidade?
Acabei dois dias antes do Natal e surgiu pela mesma casting director que me escolheu para “The Dark Tower”. Foi muito interessante, foi assim a primeira vez que fiz um filme de ação, um filme com muito budget, que não tinha noção, sequer. E foi uma forma diferente de olhar para esta profissão, em Portugal fazemos muito dramas e filmes mais realistas, e nos dias em que lá estive a filmar estive os dias todos fechada num estúdio com um ecrã verde a imaginar que estava numa perseguição de carros ou que estava a cair de uma montanha. Foi uma aprendizagem enorme. Foi das coisas mais difíceis que tive de fazer.

Quando não há nada, certo?
Sim e tem que se imaginar. Às tantas podemos até estar num carro e o carro até abanar um bocadinho, mas não é a mesma coisa que estar numa perseguição a sério. Foi mesmo muito giro.

"Em Portugal, não há indústria. Atenção, acho que fazemos coisas incríveis, todos os anos temos filmes em festivais, temos atores espectaculares, somos muito bons, acho que às vezes nos falta a confiança de achar que podemos ir mais longe, contra mim falo."

Podemos dizer qual será a sua personagem?
O filme é baseado no livro Reincarnation Papers, que basicamente fala sobre um grupo de pessoas que reencarnam e quando reencarnam lembram-se de tudo o que viveram nas vidas passadas e de tudo o que apreenderam nas vidas passadas, portanto, se numa vida passa fiz tai chi na próxima vida vou saber. Eu sou uma dessas pessoas, que são uma espécie de super-heróis.

Portanto, tudo menos realismo. Gosta disso?
Acho que é interessante para um ator fazer coisas desse género, não é se calhar o que mais quero fazer, mas gostei muito da experiência de fazer um filme de ação, acho que tenho um respeito diferente agora. Gosto muito de filmes de super-heróis, não sou esquisita, quando são bons, são bons, independentemente do género. Sempre gostei de filmes de ação, mas nunca pensei fazer isso, nunca pensei ter um ar de heroína. E fala da importância do amor, até onde é que o amor nos leva. É importante que se fale disso agora numa época em que tanta coisa terrível está a acontecer no mundo.

Inquietam-na esses acontecimentos atuais? Ou seja, é muito de seguir as notícias ou prefere, como tanta gente, chutar para canto?
Acho que é um bocadinho impossível ignorar o que se passa. Sinto que tenho ficado cada vez mais interessada no que se está a passar e infelizmente estamos a viver uma altura muito conturbada onde parece que todos os dias acontecem mais coisas terríveis. Com a idade acho que me fui interessando cada vez mais.

Disse há pouco que ação não é propriamente o tipo de filme que mais quer fazer. Sabe o que quer fazer?
Sei lá. Para já, numa altura em que sinto que há tanto por fazer, gostava só de continuar a ter a oportunidade de trabalhar com pessoas que admiro e que me possam ensinar alguma coisa, ter oportunidade de fazer papéis que sejam diferentes de mim, que me transportem para uma vida diferente, não sei, por acaso é difícil responder, tive agora que fazer um vídeo sobre qual era a minha parte preferida em ser atriz e eu acho das coisas mais difíceis de responder. A maneira como encaro esta profissão é não pensar demais, deixo-me levar pela minha intuição.

Pensar demasiado pode ser prejudicial à construção de uma personagem?
Talvez. Depende dos casos. Já me aconteceu, em alguns projetos, trabalhar tanto até à exaustão para saber como vou dizer determinada fala que correu bem, há outros que nem tanto. Quando penso demais começo a pensar noutras coisas e a vaguear. No fim do dia gostava de continuar a trabalhar, com pessoas que me inspirem. Acho que é isso.

"Não gosto particularmente de não fazer nada. Só durante dois dias ou três"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Como é que tem sido lidar com a dimensão da indústria internacional? Quão diferente é da realidade portuguesa? Tem três maquilhadoras só para si?
Sim, tem essa parte. Em Portugal, não há indústria. Atenção, acho que fazemos coisas incríveis, todos os anos temos filmes em festivais, temos atores espectaculares, somos muito bons, acho que às vezes nos falta a confiança de achar que podemos ir mais longe, contra mim falo, isto tudo acabou por acontecer um bocado do nada, nunca tive o sonho de ir para fora.

Não tinha essa ambição de um dia chegar a um público internacional?
Não, acho que todos os atores têm a ambição de trabalhar mais, não tem tanto que ver com o internacional. Só que em Portugal, infelizmente, temos novelas, mas cinema, séries começamos a ter mais, mesmo teatro…

No fundo, é como se Portugal não chegasse, é isso?
Para a quantidade de atores que há, sinto que não. Trabalho há muito pouco tempo e já fiz imensa coisa em Portugal, portanto há muita coisa que quero fazer aqui que nunca pensei que pudesse acontecer depois de já ter feito vários projetos lá fora. Mas pronto, foi assim que aconteceu.

Perdemo-nos aqui um pouco, estava a perguntar-lhe sobre a quantidade de maquilhadoras que tem só para si numa produção internacional. Ter tanto cuidado e proteção prepara melhor um ator?
A diferença é que dá mais tempo. Permite ao ator fazer só aquilo para o qual é pago.

Portanto, dão-lhe mais condições.
Sim, mas ao mesmo tempo, gosto que as coisas sejam familiares, como acontece mais em Portugal, porque acabam por ser equipas mais pequenas, as pessoas acabam por se dar melhor. Ainda que, convém dizer, não tenha muita experiência nesse sentido. Mas nunca fiz um “A Herdade” ou “As Linhas de Torres”, com mais budget em Portugal. Todos os filmes que fiz por cá foram muito low budget, de roubar planos na rua, e adorei essa experiência. Gosto muito do estarmos todos juntos e ajudarmos todos a levar os cabos.

A precariedade, no fundo.
Sim, mas ensina-me a dar valor quando tenho outras coisas. Lembro-me de estar a falar com a rapariga do guarda-roupa que estava comigo no “Infinite”, a dizer-lhe que me fazia imensa confusão ter uma cabeleireira para mim, uma maquilhadora para mim, uma pessoa que me estava sempre a perguntar se queria café, ou água ou comer alguma coisa. Cá em Portugal não é assim e que para mim era estranho estarem sempre a perguntar-me coisas, às vezes apetece dizer “eu vou buscar, deixa-me andar dez metros até ao café”. E essa rapariga estava a dizer que essa é uma das razões pela qual os atores lá fora, por vezes, se estragam, viram vedetas.

Claro, depois já ninguém quer andar dez metros para ir buscar um café.
Sim. E eu gosto desse balanço, espero poder sempre trabalhar em Portugal e fora de Portugal.

"Acho que para a minha confiança seria importante ter o curso, e não nego a importância da formação, atenção, mas isso não tem que ser castrador, quantas pessoas é que a meio do curso percebem que não querem ser atores? Isso pode perfeitamente acontecer. Acho que um ator se pode fazer sem esse carimbo do canudo."

Mudando de assunto: li algures que chegou a frequentar o curso de Arquitetura. Do que é que gostava nessa área?
Adoro geometria descritiva. Estava em Artes, na Secundária do Restelo, e o meu professor de geometria descritiva era o Sousa Rita, autor de livros de geometria descritiva e um dos melhores professores que tive na vida. Gostava da ideia de visualizar o espaço e de um ponto com um ponto dar uma reta, duas retas dá um ângulo, cria-se um objeto, pode-se criar um objeto plano, tridimensional, tudo. Então, quando passei de geometria descritiva para axonometrias foi um mundo novo. Achei que bastava gostar muito de geometria para ir para arquitetura. O meu pai é engenheiro civil e cresci com ele a falar-me de construções e de prédios e de tudo e mais alguma coisa. Da pala do Siza Vieira.

A pala do Pavilhão de Portugal, certo?
Sim, sim, cresci com essas histórias.

Grande clássico.
Achava que fazia sentido, o meu pai é engenheiro civil, vou para arquitetura. O meu pai sempre me disse que eu podia ser o que quisesse, desde que acabasse o secundário com média para entrar nas melhores faculdades públicas do país. Entrei na Faculdade de Arquitetura de Lisboa e quando estava no curso, não sei… acho que é preciso ter uma paixão, tem que se estar a 100%.

É duro.
É muito duro. Noitadas e noitadas a fazer maquetes e projetos, escrever sobre. É que depois não é só desenhar, não é só o plano prático, é saber os tipos de rocha, saber geografia, que são coisas que a mim nunca me interessaram. Gosto da parte estética de chegar à casa de banho de um restaurante e “uau, adoro o que fizeram aqui”. Estive lá um semestre, não deu mais. E aprendi imenso, atenção, nunca estudei teatro, nem representação, mas sinto que me deu mais bases.

O facto de ter estudado arquitetura foi-lhe útil para a representação?
Sim, porque é um bocadinho como preparar uma personagem, começa-se do zero e vai-se construindo, fundações. São vários pontos, se os conectar dá uma figura.

Quase como se se construísse uma maquete para construir uma personagem.
Isso. Isso foi muito importante. Hoje em dia quando crio uma personagem gosto de fazer um diário, gosto de planificar, e a arquitetura ajudou-me nessa noção de plano, mais até se calhar a geometria descritiva.

Nada começa apenas começando, não é verdade? Então e depois, fez um semestre e a representação aparece logo?
Isso foram os meus pais. Eles é que me disseram que devia fazer um workshop de representação, não sei porquê, os meus pais, por alguma razão, sempre acharam que eu ia ser atriz e eu achava graça, mas não me passava pela cabeça.

"No dia antes de gravarmos a cena [com Adam Driver], o Terry [Gilliam] foi ao ensaio e disse: 'Não é nada disto que eu quero, vais improvisar'. E eu, 'ai, caraças, isto não me está a acontecer'"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Mas achavam porquê? Tem que existir uma razão? Há antecedentes familiares na área?
Não, nada. Só aquela coisa de miúda, quando os miúdos querem ser jogadores de futebol, eu devo ter dito que queria ser bailarina ou atriz. Mas depois também me lembro de querer ser astronauta, de querer ser muita coisa.

E quem quer ser muita coisa acaba a ser atriz, é isso?
É, no meu caso foi assim.

Mas é uma história engraçada: normalmente os pais não querem que os filhos sejam atores, os seus pais foram visionários. Começou logo em workshops, foi isso?
Sim, sentia-me perdida, os meus amigos estavam todos muito contentes com os cursos onde estavam e eu sentia-me estúpida, estou a odiar, estou infeliz, não sei o que se passa comigo. Então tive a sorte de ter o apoio dos meus pais e fui para Nova Iorque durante um mês fazer um workshop em “acting for film”, numa de experimentar, de ver se corria bem. E correu. E quando voltei para Portugal comecei à procura de cursos para ir estudar. Nunca vi novelas, não cresci a ver novelas e tinha uma atitude muito snob em relação às novelas, achava que em Portugal não havia mais nada, sabia que havia cinema, mas como nunca me foi fomentado ver filmes portugueses… Não as queria fazer, portanto, ia estudar.

Mas entretanto…
Sim, estava eu a preparar-me para tentar entrar em escolas quando surge o casting do “Dancin’ Days” e o meu pai é que insistiu para eu ir, disse logo que não ia ficar de certeza e que portanto tinha uma experiência, “já que queres fazer castings para escolas, ao mesmo tens a noção de como é que é”. E lá fui. Lembro-me de estar a pensar que era ridículo estar ali, estavam ali 2 mil pessoas. Fui passando as várias fases e pensei que às tantas ia dizer que não queria, porque podia haver quem queria muito aquilo e eu não queria. Até que houve uma altura em que fiz um casting com a Joana Santos, a Soraia Chaves e o Sisley Dias, os atores com quem ia contracenar, e depois tive uma conversa com a Laís Corrêa, que é a diretora de atores, e isso mudou a minha perceção das coisas e deu-me vontade de trabalhar com aquelas pessoas. E pronto, o resto é história.

Sente que perdeu por não ter feito o Conservatório ou um curso superior na área?
Não sei. Acho que há muito a ideia de que os atores têm que estudar, fazer a escola, e que só é ator quem estudou teatro.

Em todas as profissões isso acontece.
É verdade, mas esta é uma área específica, que parte muito da observação, de ter sensibilidade para compreender as atitudes do ser humano, sinto que aprendi de outra forma. A trabalhar, a observar, a ler, teoria, Stanislavski, por aí. Fui fazendo o meu caminho. Acho que para a minha confiança seria importante ter o curso, e não nego a importância da formação, atenção, mas isso não tem que ser castrador, quantas pessoas é que a meio do curso percebem que não querem ser atores? Isso pode perfeitamente acontecer. Acho que um ator se pode fazer sem esse carimbo do canudo.

Sente esse preconceito, no meio?
Já senti, sim. Agora não tanto. Mas mais por parte de colegas. Acho injusto julgar alguém por não ter estudado. O Gary Oldman nunca entrou numa escola de teatro.

Não cresceu a ver novelas, como disse. Cresceu a fazer o quê?
Cresci a fazer coisas radicais com o meu pai. Passar fins-de-semana a fazer rappel, escalada, ficar naquelas pousadas que têm essas atividades todas, via filmes. No verão, o meu pai nunca me deixou ter três meses de férias. Tinha duas semanas ou três e depois ia para um workshop ou assim, portanto, para mim, esse tempo chegava.

"Coloco-me no lugar do realizador e do quão difícil deve ser, é a nossa visão e essa visão tem que convencer os outros. Sinto-me muito confortável na posição de atriz, “o que é que querem que eu faça?”... posso dar opiniões, discordar de coisas, chegar a um consenso, mas não tenho que ser eu, não é a minha visão... mas um dia, talvez."

Se a Joana me permite, acho que isso não é bom, mas a Joana é que sabe. Em podendo, escolhe-se ter menos férias?
Pois, mas sempre fui habituada a fazer muitas coisas nas férias e três meses é muito tempo. Em vez de estar na praia durante três meses, estava duas semanas e ia fazer um curso de francês ou de inglês, ou coisas do género.

Porque é que o seu pai quis que fosse dessa maneira? Já lhe perguntou o motivo de não a deixar gozar as férias todas?
O meu pai sempre trabalhou e estudou muito. E acho que quis incutir isso a mim e ao meu irmão, aquela coisa de nos fazermos à vida, de lutarmos pelo que queremos. Foi ótimo.

Isso é curioso, porque espreitei o seu currículo e uma das coisas que encontrei foi que fazia ski e snowboard, algo que, confesso, não esperava. Isso relaciona-se com a ideia do rappel e dessas atividades radicais.
Sim, faço melhor ski que snowboard, por acaso, sempre gostei muito de fazer desporto. A ideia de passar duas semanas numa praia paradisíaca de papo para o ar assusta-me, acho que fritava, gosto mais da ideia de passar duas semanas numa montanha a descer pistas. Não gosto particularmente de não fazer nada. Só durante dois dias ou três.

Vi que já teve uma experiência em teatro, com a Palco 13, e logo com “O Autor”, do Tim Crouch. Porque é que não se repetiu?
Olha, não sei, foi, de facto, a minha primeira e única experiência. Muito honestamente, não voltou a acontecer porque não me convidaram para fazer um espectáculo e das vezes que me convidaram para fazer audições, ou já tinha projetos para a altura em que o espectáculo depois iria acontecer e achei por bem não fazer a audição sabendo que não iria depois poder fazer o espectáculo, ou estava a trabalhar. Mas gostei muito da experiência. É completamente diferente. E confesso que em teatro já senti mais falta de não ter estudado, enquanto que em cinema e em televisão não sinto tanto isso, porque é uma linguagem diferente, no teatro senti sobretudo na questão da voz e do corpo, que é o que acho que depois quem não estuda tem que compensar de alguma forma.

Mas é para repetir?
Sim, gostei muito e gostava de voltar a fazer. Aliás, o teatro que fiz é muito contemporâneo, na versão in-your-face, mas gostava de um dia experimentar Tennesse Williams, Shakespeare, uma coisa mais clássica. Não sei se isso vai acontecer e é um facto que as coisas têm andado para um sítio diferente.

E realizar, já lhe ocorreu?
Sim, acho que sim.

"Este ano vai estrear-se o 'Fátima', do Marco Pontecorvo, onde interpreto a Virgem Maria. E quando fui ao casting estava tudo a dizer que o papel não era para mim..."

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Seria um thriller?
Não sei, não faço ideia do que iria realizar… sempre que penso nisso coloco-me no lugar do realizador e do quão difícil deve ser, é a nossa visão e essa visão tem que convencer os outros. Sinto-me muito confortável na posição de atriz, “o que é que querem que eu faça?”… posso dar opiniões, discordar de coisas, chegar a um consenso, mas não tenho que ser eu, não é a minha visão… mas um dia, talvez. Acho que ainda não chegou o tempo para isso.

O que se segue nos próximos tempos, podemos saber?
Este ano vai estrear-se o “Fátima”, do Marco Pontecorvo, onde interpreto a Virgem Maria. E quando fui ao casting estava tudo a dizer que o papel não era para mim, que eu não era a Virgem Maria…

Eles sabem lá.
E eu fui a pensar que ia provar a toda a gente que podia ser a Virgem Maria. Mas pronto, acho que a estreia acontecerá por volta de maio. Mais “Um Fio de Baba Escarlate”, do Carlos Conceição, o “Infinite” e ainda talvez este ano o “Sombra”, do Bruno Gascon.

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