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Bruno Caseiro é um dos três sócios e o chef por detrás do projeto
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Bruno Caseiro é um dos três sócios e o chef por detrás do projeto

Luis Ferraz

Bruno Caseiro é um dos três sócios e o chef por detrás do projeto

Luis Ferraz

Uma Cavalariça, duas Cavalariças, três Cavalariças. O chef Bruno Caseiro já chegou a Évora

A carta é distinta, mas mantém os princípios das irmãs mais velhas: pratos de partilha, produtos sazonais, fornecedores escolhidos a dedos e uma oferta que se adapta à região onde fica a Cavalariça.

História

Uma cavalariça, duas cavalariças, três cavalariças. Primeiro Comporta, depois Lisboa e, desde junho, Évora. Em todas, Bruno Caseiro. “Nós não procurámos Évora. Foi Évora que nos procurou”, conta ao Observador o chef e um dos três sócios por detrás dos projetos gastronómicos. Uma feliz “coincidência”, que se proporcionou graças ao irmão mais velho. “Temos clientes habituais no nosso espaço na Comporta e foi assim que soubemos que estavam à procura de um projeto para vir ocupar este espaço. Fomos nós a recomendação para o vir dinamizar.”

Já com remodelações no bom caminho (já vamos a pormenores), rumaram do litoral para o centro para visitar o espaço. Chegando a Évora, passaram junto ao mítico Templo de Diana e entraram no Palácio Duques de Cadaval, onde abriria mais tarde a nova Cavalariça: “Achámos incrível e aceitámos”.

Bruno Caseiro trabalhou dez anos na área dos Recursos Humanos, antes de se formar na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa

Luis Ferraz

A história desta Cavalariça não se dissocia das anteriores. É preciso recuar alguns anos para se perceber como é que de uma se passa para três, e como é que da Comporta se chega a Évora. A narrativa inclui um chef de cozinha, uma chef de pastelaria e duas histórias de amor.

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Como se costuma dizer, então foi assim: Bruno Caseiro conheceu Filipa Gonçalves enquanto estudantes da Escola de Hotelaria  e  Turismo de  Lisboa. Reencontraram-se depois em Londres: ele fazia um estágio no’O Viajante, projeto de Nuno Mendes na cidade inglesa, que chegou a ganhar uma estrela Michelin, e ela estava  no ME London, com a famosa chef de pastelaria Sarah Barber. A relação entre os dois portugueses no Reino Unido cresce e temos aqui a nossa primeira história de amor.

Lisboeta. Sem “copy paste”, Nuno Mendes celebra a capital portuguesa em Londres

Mais tarde, já com o nó bem dado, é de regresso a Portugal e no Sublime Comporta que chamam a atenção de Christopher Morrel, sócio gerente de restaurantes em Londres, cuja relação com Portugal contava já com décadas. É a nossa segunda história de amor. Tinha acabado de descobrir a antiga cavalariça da Herdade na Comporta, abandonada desde a década de 70 e, deparando-se com a dupla do Sublime Comporta, desafia-os para um novo projeto gastronómico, aquele que viria a ser o primeiro de três. Juntam-se e tornam-se sócios.

Caro leitor, vá pastar. No Cavalariça não é insulto, é recomendação

É assim que todos os pontos desta história se unem e que, com uma abertura em Lisboa pelo meio, chegamos até Évora. Como acontece com os irmãos, são três espaços com diferenças, mas que partilham da mesma matriz de princípios. As cartas são distintas, mas vê-se que foram educadas da mesma maneira: pratos de partilha, tónica na sazonalidade do produto, escolha criteriosa dos fornecedores e a homenagem às raízes do sítio em que está.

Espaço

Com um padrão formado por mosaicos verdes e brancos, é a beleza do chão que nos capta, em primeira instância, a atenção. Ficamos a saber, mais tarde, que foram pintados à mão. Olhamos para cima e vemos mais cor: agora, observamos as geometrias pretas e amarelas que preenchem parte do teto. Logo a seguir, os olhos fixam-se nas paredes, nos coloridos painéis da conceituada artista sul-africana Esther Mahlangu, a mesma que em 2018, pintou à mão as colunas, arco e parede do pátio onde fica a tranquila esplanada do Cavalariça. Foi, aliás, essa a fonte de inspiração de Jacques Grange, conceituado designer francês — com forte ligação a Portugal, incluindo à Cavalariça da Comporta — para este projeto de decoração, que surgiu a convite de Alexandra de Cadaval.

Alexandra de Cadaval escolheu Jacques Grange para o design de interiores. O exterior ficou a cargo de Louis Benech. Nos dois locais é possível observar as obras de Esther Mahlangu.

© Francisco Nogueira / www.francisconogueira.com

Formada em Indústrias Culturais pela City University of London, foi ela quem comandou todo o projeto de remodelação. Com Mahlangu já havia trabalhado no Évora África, a maior exposição de arte contemporânea africana em Portugal apresentada por si naquela cidade. Faltavam dois grandes nomes para que se formasse a tríade perfeita. A Grange juntou-se, desta forma, Louis Benech, nome incontornável do design paisagístico, amigo da família Cadaval, que assina os exteriores. Foi a influência mourisca que o guiou neste projeto, que considerou a nespreira e figueira ali presentes, a torre cónica ao fundo sobre um arco e as paredes brancas no desenvolvimento do pátio de inspiração andaluz onde fica a esplanada do Cavalariça.

Comida

Todas as Cavalariças têm cartas distintas, mas há princípios fundamentais que as unem. Fazem uso dos produtos locais e sazonais, homenageado a cultura gastronómica da região. Mais: os pratos contam histórias e não estão ali ao acaso. Évora não foi exceção. Aqui, com um pão alentejano e broa, ambos feitos à boa moda das cavalariças — isto é, com fermentação lenta e massa mãe —, a narrativa começa a ser contada no primeiro momento da refeição. “O nosso couvert começa logo a contar a história do sítio onde estamos. Não estamos na Comporta, não estamos em Lisboa. Estamos no centro do Alentejo.”

O couvert, que inclui pão alentejano de fermentação lenta feito com massa mãe

Luis Ferraz

Em linha com os outros espaços do grupo, também aqui o menu foi pensado para partilhar. “O nosso registo nos três restaurantes passa por esta lógica de que as pessoas possam navegar pelo menu e pedir várias coisas, com o objetivo de terem uma experiência mais completa, ao invés de se limitar cada um ao seu prato”, explica. “O nosso convite e proposta é sempre de que as pessoas provem mais coisas e dividam entre si.”

No espaço de Évora há um reforço desse conceito, que surge materializado na criação de um capítulo extra no menu (o dos petiscos), dedicado exclusivamente a esta ideia de existirem pratos para picar. “Nesta região, existe muito o conceito das entradinhas e dos petiscos, que são quase um complemento do couvert.”

A carta é, assim, composta por seis secções. A primeira pertence ao pão, queijo e charcutarias, onde encontra nove opções, desde o couvert (6), ao presunto de porco alentejano com 24 meses de cura (12,5€) ou ao queijo veludo de cabra serpentina (11,5€).

Tortilla do alentejo e coelho de escabeche com um flatbread de trigo

Luis Ferraz

No capítulo dos petiscos, o tal que vem respeitar os costumes gastronómicos alentejanos, há coelho de escabeche (suave e que se desfaz), com um flatbread de trigo (uma espécie de tortilha, muito gulosa, feita de massa mãe) ou ainda a tortilla do alentejo (7€, crocante por fora, cremosa por dentro). Nas entradas, há cachaço de porco alentejano com nabos e jus de pimentão (19€) ou gamba da costa curada, água de tomate, morango verde em pickle (13€). Esta vem do Algarve, porque, apesar da tónica estar na região do Alentejo, para uma carta “equilibrada” é preciso ir buscar produto a outras zonas do país, explica o chef. Existem apenas três pratos principais, que também são para partilhar, sugere o próprio menu. Além de uma seleção de acompanhamentos, encontra ainda a lista das sobremesas, em que destacamos a para a torta de citrinos, com gelado de camomila e mel (8,5€) e a tarte de feijão manteiga, com sorvete de chá verde (8€).

Bruno Caseiro vê na sua relação com a cozinha a mesma que os artesãos japoneses têm na arte de conseguir desenvolver a faca perfeita. Um trabalho de repetição e aperfeiçoamento, que aqui vai variando de acordo com as estações do ano. É que, excluindo o pão — que, por ser repetir diariamente, é a sua “faca” —, o menu é sazonal, ou seja, vai mudando de acordo com a estação do estação. O camarão do Algarve que nos chega à mesa volta a ser um exemplo disso: quando em março o menu foi idealizado, incluía uma marinada picante com sumo de casca de ervilha, levando agora um molho de água de tomate.

Terminada a época da ervilha, aposta-se no tomate. Quando acaba o produto, passa-se para o outro. “É quase uma questão ética. Se queremos levar esta profissão a sério, temos de assumir a nossa responsabilidade e servir o melhor que conhecemos e conseguimos. Isso passa por selecionarmos bom produto, boa matéria prima.”

São estes os princípios que partilha com a equipa com quem trabalha — aquela que carrega, em simultâneo,  visões distintas e complementares de cozinha, por via de geografias diferentes: Catalina Viveros, a sub-chefe chilena que desde 2020 estava aos comandos da cozinha da Comporta; a japonesa Tomoe Hayase; João Rodrigues, de Gouveia, na Beira Alta; Bárbara Barradas, a pasteleira alentejana de Castelo de Vide; e ainda Joaquim Godinho, cozinheiro natural de Évora.

Tarte de feijão manteiga, com sorvete de chá verde e torta de citrinos, com gelado de camomila e mel

Luis Ferraz

Responde-nos a quase tudo sem precisar de pensar muito. Mas no momento em que lhe pedimos para definir o tipo de cozinha que faz, Bruno Caseiro retrai-se. Não gosta da pergunta. “Detesto rótulos. São muito limitativos. Tornam-se quase em crachás, em que depois temos de usar sempre o mesmo”, começa por dizer. “O que é que é a minha cozinha?”, pergunta a si próprio. Aos poucos, com o cuidado de não se fechar numa caixa, vai conseguindo responder. “Para já, uma cozinha que me tem de divertir. Uma cozinha em que aquilo que eu sirvo tem, necessariamente, de ser algo que eu comeria. É uma cozinha que viaja pelas diferentes partes do mundo por onde já passei e por outras onde não estive, mas que me inspiram de alguma maneira — seja pela estética ou pelo conceito.” Além disso, é uma cozinha que “usa técnicas modernas e antigas”, mas sempre “em função do sabor e do resultado final”, que tem de ser “algo saboroso, equilibrado e, às vezes arrojado, não necessariamente novo, mas sempre surpreendente.”

Serviu quase de exercício de reflexão: “A minha cozinha e instintiva. É dinâmica. Vou descobrindo o caminho à medida que vou fazendo.”

O chef

Estudou na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, passou por Londres, pelo Sublime Comporta. É, em conjunto com Filipa e Morrel, sócio de três Cavalariças. A sua cozinha é instintiva. Rejeita rótulos.

Nesta fase, já sabemos algumas coisas sobre Bruno Caseiro. Mas há que recuar ainda mais para se perceber quem é, de facto, o chef que temos sentado à nossa frente.  Já tínhamos este dado connosco: antes de se aventurar para o mundo da gastronomia, Bruno Caseiro dedicou dez anos da sua vida à Psicologia.

Vê-se, pela conversa que temos, que mantém grande apreço pela disciplina. O problema foi outro: “A razão pela qual abandonei a Psicologia foi porque me deixou de fazer sentido na última empresa em que trabalhei, uma multinacional grande, sediada em Portugal”, conta. Nesta altura, tinha deixado a área da consultoria em recursos humanos para, dentro de uma organização, passar a trabalhar exclusivamente neste departamento. “Quando era consultor, gostava do que fazia. Tinha uma componente mais autónoma e também mais consequente. Aqui, um projeto era planeado, tinha principio meio e fim. No cliente, a realidade é oposta. Tem muita burocracia e muitos obstáculos. Deixei de acreditar que um gabinete de recursos humanos fazia a diferença. Senti que o meu trabalho não era importante. Desencantou-me. Saltei fora e fui à procura de algo que me preenchesse.”

O chef Bruno Caseiro com Catalina Viveros, sub-chefe do Cavalariça Évora

Luis Ferraz

Esse sítio acabou por ser a cozinha. “Havia muito gosto por cozinhar, muito gosto por comer e muita vontade de ter esta liberdade.” É que, apesar de “dura”, “exigente” e “intensa”, a cozinha é, considera, um “sítio de liberdade”. “Podemos criar, fazer diferente. Podemos ir para um projeto mais formal, mais na linha do fine dining e, de repente, trabalhar num negócio de take away. O mesmo profissional pode ter 50 chapéus diferentes e sentir-se realizado com todos”, diz. “Podermos explorar todas as nossas vertentes dentro desta grande categoria que é sermos cozinheiros. Isso é liberdade.”

Mas, para Bruno Caseiro, o sentimento de concretização profissional não lhe chega em pleno com três projetos gastronómicos de sucesso. “Deixa-me satisfeito saber que as pessoas gostam do que fazemos, que regressam, que se tornam clientes regulares e que fazem muitos quilómetros para nos visitar. Deixa-me satisfeito que o trabalho seja reconhecido e que nos surjam novas oportunidades de projetos, como foi o caso de Évora. Mas vamos imaginar que as cavalariças fechavam amanhã e que o grupo deixava de existir: a sociedade, o mundo, a minha comunidade, tinha ficado exatamente igual”,diz. Para o chef, importa deixar uma marca, um “legado”, como lhe chama: “Acho que todos devíamos deixar um legado, seja ele qual for, mais pequeno ou maior. E, pelo menos, sei que me sentirei mais realizado e preenchido se souber que alguma coisa ficou diferente.”

O somar do seu passado e do presente podem vir a cumprir este requisito: “Gostava de ter um projeto que me orgulhe de formação de profissionais desta área.” Uma ideia que vem a ser “cozinhada” e pretende trabalhar outras competências que vão além da técnica dos cozinheiros — os chamados ’soft skills’. Mas essa é outra história e, quem sabe, ficará para depois.

O Cavalariça de Évora, dica no Palácio dos Duques de Cadaval, na Rua Augusto Filipe Simões. Funciona de quinta-feira a domingo, das 13 horas às 14h30, e das 19 horas às 22 horas

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