Em 1897, na sequência da violenta invasão do Reino do Benim por tropas britânicas, os Bronzes do Benim, um conjunto de esculturas reais em bronze e outros materiais, foram roubados e transportados para Londres. As peças foram doadas a museus (o British Museum tem, ainda hoje, uma importante coleção), vendidas em leilão ou levadas por soldados para as suas casas, onde passaram a decorar as salas de estar. Pelo menos quatro artefactos, incluindo dois leopardos em marfim, foram oferecidos à rainha Vitória. Alguns dos objetos acabaram noutros países europeus, como a Alemanha, e nos Estados Unidos da América, resultando na dispersão da importante coleção de arte, composta por mais de três mil artefactos. A Cidade de Benin, hoje parte da República Federal da Nigéria, tem tentado recuperar o espólio roubado, mas sem grande sucesso. A maioria das peças permanece no estrangeiro, incluindo em Portugal, onde existem vários Bronzes do Benim.
Este mês de novembro, foi dado um importante passo no mapeamento e preservação dos bronzes, com o lançamento do Digital Benin, uma plataforma digital que quer reunir “objetos, fotografias histórias e rico material documental de coleções no mundo inteiro de modo a fornecer uma visão geral, há muito solicitada, dos artefactos reais do Reino do Benim roubados no final do século XIX”, destacando a sua importância enquanto expressão da arte, cultura e história do Benim. Uma vez que grande parte das peças não se encontra na Nigéria, o arquivo permite que investigadores nigerianos e outros interessados possam aceder ao espólio e documentação sem terem de se deslocar às diferentes instituições que os albergam
O projeto nasceu graças a um investimento inicial de 1,5 mil milhões de euros, fornecido pela Ernst von Siemens Art Foundation, organismo que se dedica à promoção das artes visuais, que prometeu entretanto um financiamento adicional para 2023. A equipa de 14 investigadores internacionais, apoiada por cinco conselheiros científicos na Nigéria, Quénia e Estados Unidos, é liderada por Barbara Plankensteiner, diretora do Museum am Rothenbaum – World Cultures and Arts (MARKK), em Hamburgo, que tem 179 Bronzes do Benim na sua coleção, e inclui, entre outros, Kokunre Agbontaen-Eghafona, da Universidade de Benim; Felicity Bodenstein, da Universidade Sorbonne; Jonathan Fine, diretor do Weltmuseum Wien, em Viena; e Anne Luther, de Filadélfia, especialista em humanidades digitais. O grupo foi responsável por contactar coleções internacionais e compilar e processar a informação que foi depois disponibilizada na plataforma.
O arquivo digital reúne atualmente dados referentes a 5.246 obras de arte, em 131 instituições em 20 países, 14 dos quais europeus. Poucas destas peças chegaram à Europa antes de 1897. O British Museum, em Londres, é a instituição que, por razões histórias, tem a maior coleção de Bronzes do Benim (944), seguido pelo Ethnologisches Museum, em Berlim (518). Foi identificada uma peça em Portugal, que faz parte do espólio do Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa. Existem outras que não foram classificada pelo Digital Benin, incluindo uma cabeça comemorativa do Oba que foi doada à Sociedade de Geografia de Lisboa pelo etnólogo alemão Max Shoeller, em 1899. Contactada pelo Observador, a Sociedade de Geografia de Lisboa, criada em 1875, afirmou não ter sido contactada pelo Digital Benin para integrar o acervo, não esclarecendo, porém, se tinha conhecimento do projeto ou se o tentou colaborar com a importante base de dados.
O Reino do Benim, as ligações a Portugal e o saque do Reino Unido
Os Bronzes do Benim são originários da Cidade do Benim, a histórica capital do Reino do Benim, na atual estado de Edo, no sudoeste da Nigéria. O termo é utilizado para descrever um conjunto alargado de obras artísticas, criadas pelo menos a partir do século XVI por artesãos especializados ao serviço do Oba, o rei do Benim. Fabricadas em bronze, mas também noutros materiais, como o marfim, o cabedal, o coral ou a madeira, as peças eram usadas para adornar os altares dedicados aos antigos Obas e Iyobas (Rainhas-Mãe) e em cerimónias em que os antepassados eram celebrados e se confirmava a subida ao trono do novo rei. Entre os artefactos mais famosos encontram-se as placas de bronze que decoravam o interior do palácio real na Cidade de Benim. Estas contêm informações sobre a história do reino, as suas práticas e costumes, e as relações com reinos, estados e sociedades vizinhos e com os povos europeus, constituindo um importante registo histórico do Benim.
Algumas dessas peças representam os contactos diplomáticos e comerciais com Portugal, iniciados no século XV. É o caso de uma pequena estátua, que pertence ao British Museum, que se crê retratar um soldado português vestindo um típico uniforme do século XVI e segurando uma arma de fogo. O comércio com os portugueses, os primeiros a estabelecerem uma relação comercial com o Benim, terá encorajado a produção de peças em bronze. Os habitantes da África Ocidental sabiam trabalhar o cobre, latão e bronze pelo menos desde o século X, mas o Reino do Benim não era capaz de produzir metal suficiente para cobrir as necessidades da sua indústria de fundição.
O bronze era comercializado pelos portugueses em lingotes, geralmente moldados em manilhas, braceletes abertas em forma de U. As manilhas, de cobre ou de bronze, eram feitas nos Países Baixas e trocadas pelos portugueses por pimenta, tecidos, marfim e escravos. Eram depois derretidas pelos fundidores do Benim e transformadas em peças decorativas, como as placas que se encontravam no palácio real. Segundo refere o British Museum, o número de manilhas em circulação aumentou exponencialmente a partir do século XVI, quando se tornaram a principal moeda de troca naquela zona do continente africano. Foram fabricadas milhares, juntamente com vasos e panelas de cobre, também exportados para África. O comércio de cobre e bronze era tão importante que foram implementadas medidas pelo rei do Benim, responsável pelo tráfico de escravos, marfim e outros materiais comerciais, para controlar o número de mercadores que entravam na capital. Foram ainda levadas a cabo operações militares com o objetivo de controlar os reinos vizinhos e o comércio de bens que chegavam à costa africana.
O marfim era uma das principais exportações do Benim e uma das razões pelas quais os portugueses procuraram estabelecer desde logo relações com o reino, que acumulou riqueza graças ao cobre e coral que eram levados pelos mercadores portugueses. Segundo a informação compilada pelo Digital Benin, o interesse de Portugal nesta matéria prima levou ao início da produção de objetos esculpidos por artistas do reino africano, que se iniciou logo após o aparecimento dos portugueses na costa ocidental africana, na segunda metade do século XV. Por essa razão, os marfins do Benim são das poucas peças que chegaram à Europa antes da pilhagem britânica de finais do século XIX. É possível encontrar no arquivo digital, na categoria “Benin-Portuguese Ivores” (“Marfins Benino-Portugueses”), um conjunto de objetos esculpidos segundo modelos europeus, colheres e saleiros e pimenteiros, que foram encomendados pelos portugueses para serem comercializados na Europa. Estes artigos de luxo eram minuciosamente decorados com motivos portugueses — um saleiro produzido no início do século XVI, que integra a coleção do Museum aan de Stroom, em Antuérpia, na Bélgica, é decorado com soldados europeus em pé e a cavalo. Um dos cavaleiros segura uma arma de fogo utilizada na Europa entre 1520 e 1530. O saleiro é um dos poucos em três partes preservado na sua totalidade.
O marfim também era importante para o povo do Benim. Enquanto material, representava a possibilidade de ser transformado em riqueza, e, enquanto símbolo, significava a pureza. Estava ainda associado ao deus do mar, Olokun, fonte de riqueza e fertilidade. Estes conceitos surgem representados no famoso pingente em marfim que representa a máscara de Idia, Iyoba e conselheira do Oba Esigie, um dos grandes monarcas do Benim. No pingente, o rosto de Idia surge emoldurado por uma tiara e um colar minuciosamente trabalhados, que representam duas fontes do poder e riqueza do Benim, segundo explica o The Metropolitan Museum of Art: os mercadores portugueses, que foram responsáveis pela grande prosperidade do reino, e os grandes peixes que vivem em pântanos e pequenos cursos de água na África Central, “cuja vida em dois elementos distintos, água e lama, é uma metáfora da identidade semidivina dos reis do Benim”. Produzido no século XVI, o pingente, atualmente em Nova Iorque, foi um das obras de arte roubadas do palácio real do Benim pelos britânicos. A peça permaneceu no Reino Unido até ao final dos anos 80, quando foi emprestado e posteriormente adquirida pelo antigo Museum of Primitive Art de Nova Iorque.
O equilíbrio de poder entre os reinos africanos e europeus sofreu uma drástica alteração no século XIX, quando a presença europeia se tornou mais dominante no continente africano. África tornou-se particularmente apetecível devido à necessidade de matérias-primas e novos mercados que o recente crescimento económico exigia. O desenvolvimento científico gerou também um maior interesse e curiosidade pela região, praticamente inexplorada. A partir de meados do século XIX, foram realizadas várias viagens exploratórias, como a que foi feita pelos portugueses Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, que visitaram Angola e Moçambique entre 1877 e 1880. A viagem culminou na publicação em Portugal de um mapa (que depois deu origem ao Mapa Cor-de-Rosa) em que parte da África Central aparecia dominada pelos portugueses e na abertura de uma subscrição pública pela Sociedade de Geografia de Lisboa para o estabelecimento de “estações civilizadoras” ao longo do território entre Angola e Moçambique e para auxiliar na exploração, científica e agrícola local, numa altura em que as nações industrializas se tinham lançado numa verdadeira “corrida a África”, procurando exercer, através da força, um maior poder na região.
O movimento de conquista era feito de maneira desordenada e sobretudo mediante a ocupação da linha de costa e do envio das chamadas “missões civilizadoras”. A situação levou à convocação de uma cimeira, sugerida pelo Reino Unido e Portugal, para a elaboração de um plano de partilha por meio da diplomacia e do consenso entre as várias potências. A Conferência de Berlim, realizada entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885, foi um momento decisivo no processo de expansão europeu em África, impulsionando de forma desenfreada os projetos coloniais com efeitos profundos e duradouros, que ainda hoje se fazem sentir.
O acordo final da Conferência de Berlim salvaguardou o chamado “princípio da posse efetiva”, significando que uma potência só poderia reclamar uma determinada região se tivesse posse efetiva no terreno. Os direitos históricos que Portugal reclamava deixaram de ser válidos. As ambições portuguesas, que passavam por unir as fronteiras entre Angola e Moçambique, foram definitivamente deitadas por terra após a imposição de um ultimato em 1890 pelo Reino Unido, que exigia a retirada de Portugal desses territórios, aceites internacionalmente. D. Carlos, recentemente coroado, foi obrigado a sujeitar-se às exigências britânicas para evitar uma intervenção militar, dando origem a uma onda de indignação no país. A decisão ampliou o descrédito da instituição monárquica e abriu portas ao crescimento do Partido Republicano português, que aproveitou o incidente para intensificar a sua propaganda.
Entretanto, em África, os anseios expansionistas do Reino Unido começaram a chocar com os interesses do Reino do Benim. Segundo o British Museum, o contínuo avanço dos britânicos e a sua relutância em aceitar as condições comerciais imposta pelo Benim criaram uma atmosfera de desconfiança e animosidade na região. Em janeiro de 1897, uma missão comercial britânica, provocadora mas alegadamente pacífica, foi atacada a caminho da Cidade de Benim. Sete delegados britânicos, incluindo o líder da missão, James Philips, e 230 transportadores africanos morreram. O incidente levou a uma retaliação britânica de larga escala (foram enviados 1.200 soldados) e à ocupação do Reino do Benim, em fevereiro seguinte. No dia 23 desse mês, o jornal norte-americano The New York Times noticiou o “sucesso” da “expedição formada para punir Drunami, o rei do Benim, pelo assassinato dos membros de uma expedição britânica pacífica”, informando que o Oba tinha conseguido fugir para norte e que um grupo de soldados tinha sido enviado para o capturar.
A conquista do Reino do Benim foi um processo violento e sangrento. Não se sabe ao certo quantas pessoas morreram, mas o número de baixas entre a população terá sido elevado. Depois de capturado, Drunami foi forçado a exilar-se. Vários chefes foram executados, os monumentos e palácios foram incendiados e os santuários pilhados. Centenas de objetos de caráter cerimonial e ritualista, incluindo objetos de sepulturas reais e cabeças cerimoniais de antigos Obas com as suas presas de marfim, foram levados para o Reino Unido como despojos de guerra ou distribuídos entre os oficiais de acordo com a patente. “Justificado como uma ação militar legítima contra um reino ‘bárbaro’, este episódio colonial brutal e violento marcou efetivamente o fim da independência do Reino do Benim”, refere o British Museum.
Os despojos da conquista do Benim foram expostos pela primeira vez no British Museum no outono de 1897. As peças foram comparadas pelos curados ao melhor da escultura grega e romana. Essa primeira exposição foi composta por 304 peças em bronze, emprestadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico. Dessas, o museu conseguiu manter 203. As restantes foram vendidas a outras instituições, no Reino Unido e na Alemanha, e a compradores privados. A coleção de Bronzes do Benim do British Museum foi crescendo nas décadas seguintes graças à aquisição de coleções privadas, como a do antropólogo Harry Beasley, a do colecionador William Oldman e a do empresário Henry Wellcome. Apesar da pressão exercida pelo governo nigeriano, apenas um pequeno número de peças no museu britânico foi desde então devolvido — entre 1950 e 1951, 26 placas de bronze foram vendidas, trocadas ou doadas à Nigéria, que ainda integrava o Reino Unido, para serem incluídos no espólio de um novo museu em Lagos, a maior cidade da Nigéria e antiga capital do país. Mais recentemente, duas pequenas peças foram devolvidas graças aos esforços de dois polícias britânicos, Steve Dunstone e Timothy Awoyemi, que, depois de uma viagem à Nigéria em 2004, decidiram fazer campanha para que os bronzes roubados voltassem ao país de origem.
Os Bronzes do Benim em Portugal
Apesar dos laços comerciais que, durante anos, uniram os reinos do Benim e de Portugal, são relativamente poucas as peças em solo português. O Digital Benim tem registo de apenas uma, um sabre cerimonial em bronze (Ada) que foi adquirido por Victor Bandeira, um negociante de arte e um dos principais fornecedores do Museu Nacional de Etnologia, em cerca de 1960, num leilão em Londres. O objeto integrou a coleção do escultor americano-britânico Jacob Epstein, que tinha morrido em 1959, e foi doado por Bandeira ao museu português em 1966, um ano após a sua fundação, em Lisboa. Além dessa peça, o Museu de Etnologia tem outras seis, cinco em bronze e uma em madeira, mas que, de acordo com o Digital Benin, foram produzidas após 1930, não tendo por isso sido integradas no arquivo digital.
O Museu Nacional de Etnologia foi contactado pela equipa do Digital Benin a 30 de setembro de 2021. “Nos dias seguintes, o museu enviou toda a informação de inventário disponível sobre todas as sete peças. A análise das peças e a seleção da peça que [se] entendeu publicar foi efetuada pelo arquivo Digital Benin exclusivamente com recurso à informação de texto e imagens fornecidas pelo museu, sem ter procedido a qualquer análise presencial”, esclareceu o diretor do museu, Paulo Ferreira Costa. Em resposta às perguntas colocadas pelo Observador, o responsável adiantou ainda que, “ao longo do processo de comunicação entre o museu e o arquivo Digital Benin não foi fornecida informação específica quanto aos critérios a orientar a escolha das peças a selecionar para o integrar, além da baliza cronológica da ‘expedição punitiva de 1897”.
Questionado pelo Observador sobre os critérios que orientam o projeto, o Digital Benin remeteu para a página sobre revisão e pesquisa de objetos, na qual se explica que o arquivo tem por objetivo reunir informação e documentação de várias coleções internacionais e fornecer “uma visão geral, há muito requerida, dos objetos roubados pelas forças britânicas da Cidade de Benim em fevereiro de 1897”. Esse é o seu “foco”, os objetos roubados, geralmente descritos na literatura de especialidade como “arte real” ou “arte de corte”. “Reconhecendo que esse corpus não está claramente definido, os parâmetros foram expandidos de modo a considerar quaisquer objetos relacionados com o reino que foram criados e/ou circularam entre o continente africano e a Europa ou América do Norte de 1897 até aos anos 30.” O Digital Benin está igualmente interessado em “objetos que contam histórias relevantes ou que oferecem perceções acerca do ‘núcleo’ da base de dados” e em informação arquivista e histórica do mesmo período, como notas de campo, fotografias, postais, correspondência e outros materiais.
Segundo explicou Paulo Ferreira Costa, os objetos do Museu de Etnologia que não foram incluídos no Digital Benin são datáveis das décadas de 1930 a 1950 e foram produzidos exclusivamente para venda no mercado. Questionado acerca da proveniência do sabre e a forma como chegou à Europa, Paulo Ferreira Costa declarou que, “até à data”, o museu não dispõe de “qualquer informação que permita identificar o sabre como resultante da ‘expedição punitiva’ de 1897”. Por essa razão, a equipa portuguesa espera vir a “desenvolver um diálogo com este arquivo no sentido de obter informações concretas que conduziram os seus responsáveis a incluir a peça”, inicialmente classificada como “cópia”, conforme foi comunicado em 2021, “nesse catálogo online”.
Um outro objeto, não identificado pelo arquivo digital, pertence à Sociedade de Geografia de Lisboa. A cabeça decorativa em latão, criada para ser colocada sobre o altar real dedicado aos antepassados do Benim, representa um antigo Oba, com a coroa e o grande colar de coral. No cimo da cabeça, existe um pequeno orifício, que servia para colocar uma presa de elefante esculpida em baixo relevo com temáticas reais. Segundo a informação disponibilizada pela sociedade, a peça foi uma oferta do etnólogo alemão Max Shoeller, em 1899. A escultura está datada do século XIX, o que significa que segue os critérios exigidos pelo Digital Benin para a integração no acervo digital. O Observador questionou a Sociedade de Geografia sobre a origem da peça e se esta foi pilhada pelas forças britânicas no Benim, mas não obteve resposta. O Observador soube que, além da cabeça decorativa, referida no site do organismo, a Sociedade de Geografia de Lisboa terá outras com a mesma proveniência. A sociedade não esclareceu igualmente essa questão.
A par destas peças, o Digital Benin tem outras que, embora não estejam em Portugal, contêm referências aos portugueses. É o caso de uma placa em revelo no Ethnologisches Museum, em Berlim, que mostra o rei do Benim a cavalo na companhia de seis ajudantes. Os cavalos chegaram ao Reino do Benim através dos portugueses, que os costumavam enviar ao Oba como presente. O cavaleiro representado na placa será Esigie, que manteve uma estreita relação com Portugal na primeira metade do século XVI. Uma outra peça, um canhão em bronze, que pertence ao mesmo museu, ostenta as armas reais portuguesas e a esfera armilar. Foram também os portugueses os responsáveis por levarem esse tipo de armamento para o Benim. De acordo com a informação recolhida pelo Digital Benin, existe um canhão que foi produzido no Benim a partir de um modelo exportado pelos portugueses.
Restituir o que foi pilhado
Com a maior coleção de Bronzes de Benim do mundo, o British Museum é o principal alvo da pressão de ativistas e do governo nigeriano, que tem repetidamente pedido que os artefactos, que fazem parte do património cultural da Nigéria, sejam devolvidos. Em outubro de 2021, o museu britânico recebeu um pedido formal do Ministério Federal de Informação e Cultura da Nigéria para a devolução das “antiguidades nigerianas”. A posição oficial da instituição britânica é a de que os Bronzes do Benim servem como “embaixadores” da cultura do Benim quando expostos internacionalmente. Destacando as boas relações que mantém com as instituições nigerianas, o British Museum diz estar plenamente comprometido na busca e no apoio a novas iniciativas realizadas em colaboração com os parceiros e colegas nigerianos em relação aos Bronzes de Benim, mostrando-se disponível para facilitar o empréstimo de peças da sua coleção. No seu site, afirma ainda ser um parceiro ativo do Digital Benin, “focado no desenvolvimento de uma ferramenta online e base de dados digital que reúne o maior número possível de objetos históricos, documentos e fotografias que iluminam o Reino do Benim”.
De acordo com o Digital Benim, existem outras 27 instituições britânicas que têm nos seus espólios Bronzes do Benim. Depois do British Museum, é o Museum of Archaelogy and Anthropology da Cambridge University que tem o maior número de peças (350), seguindo do Pitt Rivers Museum, em Oxford (148). A Alemanha tem 1.308 artefactos, menos 500 do que o Reino Unido. A maioria está nos museus etnológicos de Berlim e Dresden, que têm 518 e 283 bronzes, respetivamente. A política alemã em relação aos bronzes é, no entanto, muito diferente da dos britânicos: recentemente, diferentes museus tomaram a iniciativa de transferir a propriedade dos bronzes em sua posse para a Nigéria, devolvendo uma parte e mantendo a restante a título de empréstimo. Foi isso que fez o Ethnologisches Museum, em Berlim, que anunciou em agosto a transferência, no decorrer do próximo ano, de 512 peças que foram retiradas do Reino do Benim no contexto da invasão britânica. Um terço da coleção ficará em exposição na capital alemã por um período inicial de dez anos. O mesmo foi decidido pelo Rautenstrauch Joest, em Colónia. O museu etnológico vai restituir 92 bronzes, três dos quais este mês de dezembro. Dos 92, 52 serão devolvidos a partir de 2023 e 37 permanecerão no Rautenstrauch Joest a título de empréstimo, igualmente durante um período de dez anos.
Uma nova devolução foi noticiada esta semana, desta vez pelo Horniman Museum and Gardens, em Londres. O museu tem no seu espólio 72 Bronzes do Benim, que serão restituídos após o conselho de curadores ter decidido em julho que era a atitude mais “apropriada” a tomar. As primeiras seis peças foram devolvidas no final do mês de novembro, numa cerimónia realizada em Londres que contou com a presença das autoridades nigerianas. Estas incluíam duas placas de bronze representando o Oba Orhogbua e Agban, o vice-comandante do exército do Benim, um ornamento para a anca, dois objetos em marfim e uma caixa decorada em madeira. Estes três últimos foram comprados pelo fundador do museu, Frederick Horniman, em março de 1897, apenas um mês após a expedição britânica, a um membro da Marinha Real que acompanhou a incursão e que esteve envolvido na pilhagem da capital real. As restantes obras de arte foram adquiridas pelo principal curador do museu, Richard Quick, em 1899, a James Tingley, um negociante de arte que tinha em sua posse uma série de outros objetos da Cidade do Benim, incluindo uma chave da casa do rei. Segundo a Museums Association, não é claro como é que Tingley adquiriu as peças.
A aparente boa vontade de determinadas instituições não é, porém, suficiente para aqueles que defendem que os Bronzes do Benim devem regressar à Nigéria. Os protestos têm-se intensificado nos últimos anos, sobretudo entre a comunidade académica. Em 2016, alunos do Jesus College da Cambridge University, em Inglaterra, pediram que uma escultura de um galo, conhecido como Okukur, fosse retirada e devolvida. Em 2018, um grupo de estudantes da Brown University e da Rhode Island School of Design (RISD), apoiados por membros da comunidade local, fez o mesmo pedido, mas em relação a uma cabeça cerimonial do Oba que estava exposta no museu da RISF.
Questionado pelo Observador sobre qual a posição do Museu Nacional de Etnologia sobre a restituição dos Bronzes do Benim, Paulo Ferreira da Costa respondeu “a posição do museu relativamente a esta questão decorrerá sempre do definido pelos normativos, nacionais e internacionais, que regulam as matérias da restituição de bens culturais e a atuação das instituições museologias, e aos quais o Estado português se vincula, assim como das orientações sobre esta matéria emanadas da sua tutela”.
Apesar da pressão internacional, há, no entanto, quem acredite que os Bronzes do Benim não devem ser devolvidos, porque fazem parte do património cultural dos afrodescendentes. É essa opinião de um grupo de afroamericanos que avançou recentemente com um processo para impedir a transferência dos bronzes do Smithsonian Museum, em Washington D.C. O Smithsonian’s National Museum of African Art anunciou em outubro a transferência de posse de 29 Bronzes do Benim, que, após investigações, se percebeu que tinham sido roubados durante o ataque britânico de 1897. “O Conselho de Regentes do Smithsonian votou a remoção oficial dos bronzes em junho [de 2022] de modo a acompanhar a nova política de devolução”, informou o organismo em outubro, destacando a importância de as instituições culturais fazerem escolhas “éticas”.
Deadria Farmer-Paellmann, responsável pela iniciativa que pretende impedir a deslocação dos bronzes do Smithsonian para a Nigéria, acredita que os afrodescendentes devem ter o direito de ver os Bronzes de Benim na região onde vivem. Na base da sua argumentação está o facto de o material utilizado para criar as peças, as manilhas, era usado para comprar escravos. “Os descendentes das pessoas que faziam trocas com essas manilhas têm o direito de ver os bronzes onde vivem”, disse, citada pela BBC. Como fez notar Victor Ehkikhamenor, artista nigeriano e descendente do primeiro-ministro do Oba do início do século XIX, ao mesmo canal de televisão, nem todas as manilhas eram usadas para comprar escravos e muitas delas foram transformadas em obras de arte, hoje celebradas no mundo inteiro. Para o nigeriano Chika Okeke-Agulu, historiador de arte e professor na Princeton University, nos Estados Unidos, os argumentos de Farmer-Paellmann são semelhantes aos usados pelos “brancos que não querem devolver os artefactos que têm em sua posse”. Em declarações à BBC, Okeke-Agulu disse que tudo se resume ao facto de a “terra de onde estas coisas foram tiradas nunca ter mudado”. O Benim continua a ser o Benim e as peças devem regressar.