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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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Uma queda que pareceu uma "bomba", o relato do piloto do helicóptero e as buscas intermináveis. As 28 horas a seguir à tragédia no rio Douro

Helena ligou para o 112 mal ouviu o estrondo, foi tudo tão rápido que nem viu o helicóptero na água. O piloto, e único sobrevivente, diz ter perdido o controlo. As operações após o acidente no Douro.

A manhã de sexta-feira começou como qualquer outra para Maria Ribeiro. No terraço da sua moradia, no Peso da Régua, aguardava pacientemente a chegada do carro da padeira. Nas suas costas estendiam-se fileiras de vinhas, onde alguns moradores da região trabalhavam, à sua frente o Rio Douro, onde, como habitual, circulava um ou outro barco em viagens turísticas. Nesse dia o pão ficou por comprar. Pelas 12h30, Maria ficou em choque ao ver um helicóptero a descer descontrolado em direção ao rio, quase de lado, e a cair com um estrondo.

“Em dois segundos desapareceu logo todo o helicóptero. Nunca mais se viu”, contou a moradora, de 65 anos, ao Observador este sábado — no início do segundo dia de buscas no Douro após a queda do helicóptero de combate a incêndios onde seguiam seis pessoas: um piloto civil e cinco elementos da Unidade de Emergência Proteção e Socorro (UEPS, antigamente denominado GIPS), que integra o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais.

O acidente desta sexta-feira aconteceu quando o helicóptero regressava de um incêndio em Gestaçô, Baião. A equipa da UEPS não chegou a intervir porque o fogo já tinha sido dominado. Estavam a apenas alguns minutos de voo do Centro de Meios Aéreos de Armamar, de onde tinham partido e para onde regressavam, quando a situação se descontrolou.

No espaço de poucos minutos após a queda da aeronave, Maria viu a confusão instalar-se com a chegada de equipas dos bombeiros, da unidade de suporte imediato de vida, da Proteção Civil e da GNR. Para o local foram mobilizados num primeiro momento 83 operacionais, apoiados por 21 carros e três meios aéreos, numa operação que só terminou 28 horas depois.

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No primeiro dia as autoridades encontraram os corpos de quatro tripulantes — Pedro Santos, António Pinto, Fábio Pereira e Daniel Pereira. Só este sábado, no segundo dia de buscas, foi detetado por uma equipa de mergulhadores o corpo do militar que ainda estava desaparecido, Tiago Pereira. Terminavam, assim, as buscas. Apenas o piloto, Luís Rebelo, foi resgatado com vida. Sofreu vários ferimentos e está internado no hospital de Vila Real, tendo relatado que o acidente resultou de “uma falha no sistema hidráulico”, segundo contou ao Observador um amigo próximo que o visitou no hospital.

“Estava dentro de casa e senti um barulho muito grande. Até me arrepio agora”

Desde o momento em que o helicóptero — descrito como um veículo com “provas dadas de muito trabalho e de muita capacidade” — caiu ao rio, Maria Ribeiro não arredou pé do terraço. “Fiquei tão mal com o que se estava a passar que só à noite é que comi um pouco de sopa e me deitei”, conta.

O alerta para as autoridades, porém, não partiu de si, mas de uma moradora de uma rua mais abaixo. “Estava dentro de casa e senti um barulho muito grande. Até me arrepio agora”, diz Helena Magalhães ao Observador. Quase como uma “bomba”, descreveram ao Observador outros moradores. Helena não chegou a ver o helicóptero a afundar-se, apenas a agitação na água e um cheiro forte a gasolina. Aconselhada pelo marido, a moradora, de 59 anos, ligou de imediato para o 112 e explicou que tinha havido um desastre entre o Hotel Six Senses Douro Valley e a Quinta da Pacheca, locais onde as autoridades viriam a montar os centros de operação.

Enquanto as primeiras equipas acorriam ao local já o piloto do helicóptero, com mais de 15 anos de experiência, era resgatado por um homem que fazia a viagem entre Caldas de Moledo e a Régua num barco rabelo, uma embarcação turística. “Vimos, inesperadamente, a entrada de um helicóptero, que já vinha de lado… não vinha em boas condições. Apareceu inesperadamente de nariz, caiu à água, bateu com as hélices e desfez-se”, recordou à CNN Joaquim Pacheco, que retirou o piloto da água.

“Foi o único, não sabíamos se havia mais alguém no helicóptero”, sublinhou Joaquim Pacheco, acrescentando que o piloto, atordoado e com dores, referiu depois, e por várias vezes, que se encontravam mais pessoas dentro do aparelho. Luís Rebelo foi o único a conseguir chegar à superfície.

Durante a manhã deste sábado, foram vários os mergulhadores que estiveram na zona onde caiu o helicóptero.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

“Os comandos bloquearam e não conseguiu controlar a aeronave”. O relato do piloto

Ao longo da tarde, o número de operacionais foi aumentando junto ao rio Douro e pelas 15h já ultrapassava a centena. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, cancelou a agenda oficial e deslocou-se ao centro de comando onde estavam a ser coordenadas as operações. Também o primeiro-ministro, Luís Montenegro, foi até lá e acabou mesmo por ser transportado numa lancha até ao local onde o helicóptero se despenhou. “É um dia muito triste para Portugal”, diria mais tarde aos jornalistas, manifestando pesar pelo acidente e anunciando dia de luto nacional para sábado.

Foi pelas 16h que o Comandante Rui Silva Lampreia, chefe do departamento da Polícia Marítima Norte, confirmou a morte de dois dos tripulantes, cujos corpos foram localizados dentro da aeronave. Por essa altura, o perímetro das buscas centrava-se no local da queda do helicóptero, debaixo de água e nas margens do rio, com vários militares da GNR em buscas apeadas. As operações estavam a ser dificultadas pela “turvidez da água”. Mais de duas horas depois, as autoridades anunciaram que tinham sido localizados outros dois corpos, que se encontravam junto à cauda da aeronave.

Comandante da Zona Marítima do Norte, Silva Lampreia, numa das primeiras declarações à comunicação social no dia em que foi encontrado o último corpo.

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Com a queda, o helicóptero partiu-se em duas partes, explicou Silva Lampreia. “Tudo indica que a violência do embate foi bastante forte”, afirmou numa das conferências de imprensa desta sexta-feira, acrescentando que uma amaragem teria permitido que o embate tivesse sido mais suave. Não houve tempo para isso já que, devido a “uma falha nos hidráulicos”, o piloto perdeu o controlo da aeronave.

A versão do piloto é que “os comandos bloquearam e ele não conseguiu controlar mais a aeronave”, segundo contou ao Observador Albano Cunha, que já foi ao hospital visitar Luís Rebelo, de quem é amigo. O piloto do helicóptero ter-lhe-á dito mesmo serem falsas as notícias que deram conta de que o helicóptero teria tocado nos cabos de alta tensão junto ao Douro. “Ele tentou de tudo, mas não conseguiu. O helicóptero foi diretamente à água. Ele lembra-se de cair em direção à água, de se dar o embate e depois vir à tona”, acrescentou.

Segundo Albano Cunha, que além de amigo é advogado, Luís Rebelo é um profissional muito experiente, com mais de 15 anos de profissão, e conhecia os militares que seguiam no helicóptero de missões anteriores. “Já tinham viajado juntos várias vezes. Aliás, digo-lhe que falei com uma pessoa que trabalha diretamente com este tipo de helicópteros e que me dizia que muitos militares preferiam voar com ele, porque ele é de facto um piloto muito bom”, destaca.

"Ele teve a sorte de o banco se ter desprendido. Com os pés partidos, conseguiu chegar à tona com o banco agarrado a ele."
Albano Cunha, amigo do piloto Luís Rebelo

Para já as autoridades ainda não avançaram nenhuma explicação para a queda da aeronave, nem o porquê de apenas o piloto ter conseguido chegar à superfície. “Ele teve a sorte de o banco se ter desprendido”, refere Albano Cunha, explicando como conseguiu agarrar-se a uma boia. “Com os tornozelos partidos, conseguiu chegar à tona com o banco agarrado a ele”, indicou. Ao Observador, o advogado disse ainda que o piloto continua internado, tendo sido operado uma primeira vez esta sexta-feira. Para segunda-feira está marcada uma nova cirurgia.

Albano Cunha, amigo do piloto Luís Rebelo, fotografado na margem do rio Douro.

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Operações duraram 28 horas. Foram mobilizados 315 homens, 69 carros e 20 embarcações

As operações no Douro prolongaram-se na sexta-feira até que os últimos raios de luz desapareceram. Só foram interrompidas pelas 21h, mantendo-se a partir daí as buscas nas margens na esperança de que Tiago Pereira, o militar da GNR que continuava desaparecido, pudesse ter conseguido sair do helicóptero. Isso mesmo admitia aos jornalistas a porta-voz da GNR, a tenente-coronel Mafalda Almeida, afirmando que poderia ser “localizado nalgum sítio a precisar de ajuda”.

As equipas recomeçaram a trabalhar no sábado, cerca das 6h, e uma hora depois os mergulhadores já estavam na água. As operações já mobilizavam 94 operacionais, cinco embarcações e 32 viaturas. No posto de controlo, junto à Quinta da Pacheca, o silêncio era quase total, apesar das dezenas de operacionais que por ali iam circulando — apenas foi interrompido durante o balanço inicial do comandante Silva Lampreia, que indicou que a prioridade do dia era retirar a aeronave do rio e encontrar o militar desaparecido. “O camarada que está desaparecido pode estar preso na fuselagem da aeronave”, afiançou.

A embarcação para remover os destroços acabaria por chegar perto do local da queda do helicóptero pelas 10h15, numa operação acompanhada atentamente por dezenas de pessoas, do Peso da Régua e de terras próximas, que se espalhavam ao longo da rua de Maria e Helena. Sob os movimentos de um drone que sobrevoava o local, uns iam gravando com os telemóveis, outros seguindo com binóculos.

Durante a recuperação de parte do helicóptero havia várias pessoas a assistir ao processo numa das margens do rio Douro.

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“É uma tristeza muito grande a gente saber uma notícia destas”, lamentava Maria, que desde cedo acompanhava o novo dia de buscas a partir do terraço. “É lamentável que a nossa zona fique conhecida assim”, acrescentava outra moradora, que lembrava como há pouco tempo um outro acidente na região ia provocando a morte de uma bombeira.

Em cerca de 45 minutos, foi possível retirar, com auxílio de uma grua, a parte de trás da aeronave e a porta, tendo as autoridades revelado que tinham sido recolhidos “alguns pertences que se encontravam no fundo [do rio], mas não [tinha sido] detetado o corpo do militar”. Os mergulhadores trabalharam ainda largas horas até ser encontrado, pelas 16h, e retirado da água até ao Cais do Hotel Six Senses Douro Valley, como confirmou uma fonte da GNR no local, que pediu para não ser identificada.

Em declarações ao Observador o comandante Silva Lampreia indicou que o corpo foi encontrado dentro da chamada área crítica, onde estavam a maior parte dos destroços e onde já tinham sido encontrados os outros tripulantes. “A área de grande probabilidade era essa. Quando chegámos ao limite mais a jusante encontrámos o militar que estava desaparecido”, disse, acrescentando que estava a cerca de 100 metros dos destroços e a seis metros de profundidade.

Nas operações de busca, nestes dois dias, estiveram empenhados cerca de 315 operacionais, 69 viaturas e 20 embarcações. Para este domingo prevê-se que as operações no Douro continuem até que se encontrem duas peças do helicóptero que são cruciais para a análise do gabinete de prevenção e investigação de acidentes com aeronaves: o computador que apoia os sistemas de navegação do helicóptero, que está inserido no painel do cockpit; e o rotor da cauda.

Momentos antes de ser encontrado o último corpo, os militares recolhiam algumas peças do helicóptero.

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O sentido de missão e a alegria. As homenagens aos cinco militares da GNR

As cerimónias fúnebres dos militares da GNR de Lamego realizam-se este domingo à tarde, segundo anunciou a autarquia, que suspendeu as festas que por estes dias decorriam na cidade. Pelas redes sociais, são muitos os que vão prestando homenagem aos cinco homens, descritos como heróis.

“Estamos sem palavras”, pode ler-se numa publicação nas redes sociais do Cracks Clube de Lamego, onde Pedro Santos, mais conhecido por Roncha, trabalhava. “Não precisamos de muitas palavras para o descrever porque todos que privaram com ele sabem a sorte que têm”, escrevia o Fitness Factory Lamego, ao revelar que Daniel Pereira, que era um dos instrutores do centro, era uma das vítimas do acidente.

“Era um excelente rapaz, bom profissional, bom amigo, bom pai, bom marido”, disse também ao Observador Fernando Oliveira Santos, morador de Lamego que tinha aulas com Daniel Pereira. “Tenho a certeza que por onde passou deixou muitos amigos, na corporação, no mundo fitness, nos amigos motards e no heavy metal, nos amigos benfiquistas”, disse, acrescentando que tinha sempre “um sorriso na cara e boas palavras para todos”.

Os militares, que já tinham feito algumas missões juntos, gostavam muito do que faziam, descrevem ao Observador alguns amigos e conhecidos. “Estava nestas missões para ajudar as pessoas, tal e qual como fazia em todos os casos”, sublinhou Rúben Oliveira a propósito do amigo Tiago Pereira.

As famílias das vítimas estão já a receber apoio psicológico, assim como o piloto. “Agora, o mais difícil é lidar com a verdade”, diz ainda Albano Cunha, que não esconde o desejo de que o piloto consiga superar os acontecimentos e voltar às missões. “Espero que ele volte a voar, já tive a oportunidade de lhe dizer isso”, contou. “É uma pessoa muito resiliente, muito forte. E o meu medo é que o nosso país perca um grande piloto. Esse é o meu grande medo.”

Centro de Meios Aéreos de Armamar, local de onde o helicóptero com os cinco militares partiu.

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