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Reportagem sobre a influência da Barragem do Alqueva na agricultura do Alentejo. Reportagem sobre um olival de produção intensiva perto da Beja. Alqueva, Beja, 10 de fevereiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Uma viagem num balão de ar quente, o apelo do piloto e "um ponto amarelo na água". O que se sabe sobre o acidente no Alqueva?

"José" respondeu ao apelo do piloto e atirou-se à água para ajudar a puxar o cesto para terra. Ninguém percebeu que tinha ficado em dificuldades. Três testemunhas contam ao Observador o que viram.

Nas primeiras horas após o acidente, as informações eram absolutamente contraditórias: uma pessoa tinha saltado de um balão de ar quente em pleno voo sobre o Alqueva; um homem tinha caído à água durante uma viagem de balão de ar quente sobre o Alqueva; um homem tinha pedido para abandonar uma viagem de balão de ar quente depois de se sentir mal a bordo.

Por volta das 12h30, o Observador entra em contacto com o Comando Sub-Regional de Emergência e Proteção Civil do Alentejo Central, que estava a comandar as operações de socorro depois de receber o alerta de que uma pessoa se encontrava na água no Alqueva.

Fonte oficial do organismo confirma a versão de que o passageiro de um balão de ar quente teria caído à água durante a viagem, sem adiantar pormenores sobre o que teria levado à queda. Também adianta que se tratava de um homem — vamos chamar-lhe “José” — e que o óbito tinha sido declarado no local pela equipa da Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) do INEM que respondeu à chamada.

Horas mais tarde, novas informações do Comando Territorial da Guarda Nacional Republicana de Évora — de quem o Observador nunca chegou a conseguir obter esclarecimentos — dão conta, em declarações ao Notícias ao Minuto, de que o homem “ia fazer um passeio de balão, mas quando o balão estava a subir, sentiu-se mal e pediu para descer”. Depois de ter largado “José” junto à água do Alqueva, o balão teria seguido viagem, sendo a vítima descoberta mais tarde pelo INEM já sem vida.

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Ainda mais tarde, já a meio da tarde deste domingo, o Observador recebe a indicação de que alguns passageiros a bordo do balão de ar quente tinham outra versão dos acontecimentos. Três testemunhas diretas — um casal e a namorada de “José” — dão o seu relato daquelas cerca de cinco horas, desde que chegaram ao ponto de encontro, junto à Ermida de São Sebastião, em Reguengos de Monsaraz, até saírem do posto da GNR de Mourão, depois de prestarem declarações à Polícia Judiciária sobre o que, de forma involuntária, tinham acabado de testemunhar. O que se sabe e o que falta saber sobre a morte de um homem de cerca de 55 anos no Alqueva?

Na viagem participava apenas um balão de ar quente?

O ponto de encontro do grupo foi na Ermida de São Sebastião, em Reguengos de Monsaraz, cerca das 6 horas da manhã. As viagens de, pelo menos, parte dos tripulantes tinham sido compradas num site de experiências e o objetivo seria levantar voo ainda a tempo de assistir ao nascer do sol.

Na verdade, além do balão envolvido no acidente, havia outro balão da WindPassenger — empresa que geria a atividade — a realizar uma viagem a partir daquele local. E durante a viagem o grupo cruzou-se com vários outros balões de ar quente na mesma região. Os passageiros da WindPassenger deveriam sair de Reguengos, naquele local com vista ainda sobre o castelo, e aterrar num ponto não totalmente definido depois de cerca de 1h15/1h30 de viagem (os ventos que a cada momento se fazem sentir influenciam diretamente o ponto final da viagem, como aconteceu neste caso).

Os balões partem já depois das 6h30 e começam a viagem. “Estava tudo a correr bem”, conta um dos passageiros que pediu para não ser identificado. Mas, a determinada altura, “houve necessidade de aterrar”.

Ponto de partida, às portas de Reguengos de Monsaraz, para a viagem que deveria demorar cerca de 1h30

Houve apenas uma tentativa de aterrar?

Os balões — que deveriam voar durante 1h30 — já estariam há mais de duas horas no ar quando começam a descer num local muito próximo das margens do Alqueva. “Quando os pilotos quiseram aterrar, sentiram dificuldades”, conta um dos passageiros ao Observador. “O vento não estava a permitir naquele sítio” e decorrem alguns minutos de incerteza sobre a real possibilidade de aterrar no local pretendido.

Os dois pilotos fazem “algumas” tentativas de chegar a terra e, finalmente, o balão que não acaba envolvido no acidente consegue aterrar. O mesmo não acontece com o balão em que “José” viajava. A certo ponto, “o nosso balão consegue encontrar uma aberta, mas o vento começa a empurrá-lo mais na direção da água”, continua a descrever um dos passageiros.

O equipamento continua a perder altitude e acaba por descer, mas não em terra. “Quando o piloto tenta elevar novamente, já não foi capaz e o cesto entra na água uns 20 centímetros”, acrescenta o tripulante. “Em vez de ter aterrado, o piloto amarou. Estávamos muito perto da costa,  a pouquíssimos metros de terra”, garante a namorada do passageiro. Quando o cesto toca na água, não estariam a mais de dois metros de terreno seco e a água não teria mais de “cinco centímetros de profundidade”. Mas o vento continuava a soprar.

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Como é que José entra na água?

Segundo a descrição que todas as testemunhas diretas fazem ao Observador daqueles instantes, depois de o cesto tocar na água e afundar alguns centímetros, é o próprio piloto que pede a “dois ou três homens” que se lancem à água “para arrastar o cesto para terra, com ajuda das cordas” que estavam a bordo do balão.

“Ele não caiu, não se atirou, não teve um ataque de pânico. Saiu do balão por sugestão do piloto”, sublinha várias vezes a namorada. “Nessa altura, para tentar arrastar balão para terra, [o piloto] pediu que três homens saltassem para a água e puxassem a corda para terra”, valida outra das testemunhas.

“José” é o primeiro a voluntariar-se para ajudar e salta para a água. As descrições ouvidas pelo Observador, em particular sobre a distância a que o cesto estaria de terra nesse momento, não são exatamente iguais: 50 metros? 25, talvez 30? Estariam a 20 metros da margem? Não é possível precisar.

O que todos garantem é que “José” não se sentiu mal, que não pediu para sair do balão, que também não caiu do cesto e que foi o piloto quem pediu/sugeriu que alguns passageiros se lançassem à água e ajudassem a puxar o equipamento para terra.

Informação que é transmitida à organização do evento e que indicaria o local onde José saltou para a água

O piloto deixou “José” na água e seguiu viagem?

Esse momento tem contornos relevantes e que não constam das informações que foram sendo conhecidas durante a tarde deste domingo.

“José” seria um homem “corpulento”, com um peso a rondar os 90/100kg, segundo uma das testemunhas. No momento em que salta para a água, a perda de peso a bordo faz com que o balão — que continua a ser bombeado com ar quente — se eleve alguns metros. O cesto sobe atrás e acaba por sair de dentro de água. E continua a subir. “José” está na água. Terá dito para quem estava a bordo que “continuassem a viagem”, que ele “nadaria até à margem”.

“O ‘José’ tentou ir para terra, todos o vimos muito perto de terra e fomo-nos afastando e fomos deixando de ter contacto”, conta a namorada. “O ‘José’ ficou a nadar. Estava a uns 10 metros de terra”, conta outro dos passageiros. “O balão continuou a subir, estava vento e o balão foi-se afastando do José.”

Nesse momento, segundo o casal, o piloto terá entrado em contacto com membros da organização do evento e relata o que tinha acabado de acontecer: “Entrei na água, ficou lá um tripulante”, descreve a testemunha ao Observador, repetindo as palavras que o piloto terá dito ao telefone. Depois, o piloto identificou o local onde “José” tinha sido deixado, a nadar em direção à margem. “Fez uns três pedidos para o irem buscar”, conta a mesma passageira.

“José” vestia uma camisola amarela clara. Um dos elementos do casal conta ao Observador que ainda ficou alguns minutos a vê-lo na água, a nadar em direção à margem. Depois, parou. “O fulano deve estar a descansar, ou a boiar, não sei”, pensou na altura. “Teria morrido?”: essa ideia, conta, passou-lhe por instantes pela cabeça. Afastou-a de imediato. O balão continua a ganhar altitude e a afastar-se da posição onde “José” se tinha lançado à água. O pequeno ponto amarelo na água já não se distinguia àquela distância.

Momento em que o cesto do balão de ar quente sai da água, instantes depois de José ter saltado para o Alqueva

Houve logo a perceção de que alguma coisa tinha corrido mal?

A bordo, o ambiente era de total descontração. Cerca de 20 minutos depois daquele episódio, o balão de ar consegue finalmente aterrar no meio de um olival. A tripulação sai e, como é habitual nestas viagens, é feito um brinde para celebrar a experiência que tinham acabado de ter.

O grupo está descontraído. De garrafa na mão — um rosé, aparentemente —, o piloto diz algumas palavras de circunstância. “O principal é haver saúde para todos. Temos de trabalhar, portanto, tentamos trabalhar pouco, ganhar muito e aproveitar o máximo porque estamos aqui de passagem, não vamos levar nada. É aproveitar cada dia e tentar fazer dele o melhor momento possível. À nossa.” A rolha salta. Seriam cerca das 9h30.

Pouco depois, o minibus da organização recolhe o grupo. E é já no interior da carrinha que o piloto recebe a informação de que “José” tinha sido encontrado sem vida, dentro das águas do Alqueva. É ele mesmo quem transmite a informação à namorada de “José”.

Piloto tinha alguma experiência neste tipo de voos?

Ao grupo, o piloto terá dito que somava já cerca de 30 anos de experiência em voos com balão de ar quente. Já tinha feito alguns voos no estrangeiro — referiu a Turquia —, ainda na última quarta-feira tinha feito um voo em Coruche.

No site da WindPassenger, promovem-se vários tipos de voos, entre os quais o “gift card Monsaraz”, descrito como um “voo de balão Monsaraz Alentejo com vista sobre o grande lago Alqueva”. Tem um custo de 194,90 euros. Grupo mínimo de 10 pessoas. Ao Observador, as testemunhas daquele voo dizem que estariam entre 12 a 14 pessoas a bordo.

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Já na presença das autoridades, este domingo, o piloto foi submetido ao “teste do balão”, para medir o nível de alcoolemia no sangue. “Não acusou nada”, refere uma das testemunhas. A bordo, notaram depois de toda a experiência, não avistaram qualquer colete salva-vidas ou equipamentos de proteção, para uma situação de emergência. “Sendo um evento em terra e na água, é incrível que não haja equipamento, não havia coletes… e não houve cuidado da organização de, caso houvesse algum problema, terem essa segurança.”

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