Este fim de semana vai ser marcado por constrangimentos em vários serviços de urgência nos hospitais. Em causa está o avolumar do número de minutas de recusa a mais trabalho extra que os médicos têm entregado aos seus hospitais. Para já, os encerramentos devem afetar pelo menos nove hospitais das regiões norte e centro do país — a região de Lisboa tem vindo a escapar aos constrangimentos, mas essa situação pode mudar nas próximas semanas, quando as escusas começarem a ser preenchidas também aí.
Em todo o país, a situação deverá ficar cada vez mais complicada nas próximas semanas. O movimento Médicos em Luta garante ao Observador que a contestação não vai parar enquanto o Ministério da Saúde não chegar a um acordo com os dois sindicatos médicos. Este sábado, a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde vai reunir-se com as administrações dos hospitais do país, numa série de encontros que vão decorrer ao longo do dia para tentar encontrar uma solução para o caos que se vive nos serviços de urgências destas unidades e que poderá intensificar-se nas próximas semanas. A informação foi avançada por vários órgãos de comunicação social e confirmada pela Agência Lusa.
A “crise” das horas extraordinárias já está a fazer-se sentir na elaboração das escalas dos serviços de urgência, colocando em causa o funcionamento de vários desses serviços nas regiões Norte e Centro. Segundo as contas que a médica Helena Terleira, do movimento Médicos em Luta, partilhou com o Observador, cerca de 2.500 médicos já entregaram as minutas de escusa a mais trabalho suplementar.
De Viana a Santarém, várias urgências encerram
O Hospital de Viana do Castelo, um dos mais afetados e onde surgiu o movimento inorgânico que ameaça paralisar as urgências, tem a Urgência de Cirurgia encerrada desde as 20h desta sexta-feira e durante todo o fim de semana — até às 9h de segunda-feira — devido à falta de médicos nas escalas. Um cenário que se vai repetir durante todos os fins de semana do mês de outubro, adiantou, ao Observador, Helena Terleira. Também a Medicina Interna, que assegura a parte não-cirúrgica da urgência geral, está a trabalhar com equipas reduzidas: apenas três internistas durante o dia e dois à noite, abaixo das recomendações da Ordem dos Médicos.
Em Barcelos, a Urgência Geral vai estar encerrada durante todos os fins de semana de outubro já a partir deste sábado, dia 7, uma vez que a maior parte (75%) dos internistas do hospital se recusam a continuar a fazer horas extras. Aos fins de semana, também não haverá atendimento cirúrgico de emergência, uma vez que todos os cirurgiões apresentaram as minutas de escusa.
Na Guarda, os constrangimentos envolvem a Urgência geral e a Urgência de Obstetrícia e Ginecologia. No primeiro caso, o hospital adianta à Lusa que o serviço “vai estar aberto 24 horas”, mas haverá constrangimentos devido à falta de especialistas de Medicina Interna durante o fim de semana. Segundo o movimento Médicos em Luta, mais de 90% dos internistas e seis dos nove cirurgiões que asseguram a urgência recusam-se a fazer mais horas extra. Também a maternidade e a Urgência de Obstetrícia e Ginecologia vão encerrar entre as 9h deste sábado e as 9h de domingo, por falta de obstetras nas escalas.
No Hospital de Braga, também a Urgência de Obstetrícia e o bloco de partos estão encerrados desde as 8h desta sexta-feira e assim se deverão manter até às 8h de segunda-feira, dia 9. As grávidas devem deslocar aos hospitais de Guimarães, Vila Nova de Famalicão ou Viana do Castelo. Em causa está o grande número de obstetras a apresentar escusa a mais trabalho extra.
Em Matosinhos, o Hospital Pedro Hispano não vai ter em funcionamento a Urgência de Cirurgia aos fins de semana até final de outubro, com o encerramento a começar já esta sexta-feira. Segundo as contas do Médicos em Luta, mais de 90% dos cirurgiões mostraram-se indisponíveis para realizar mais trabalho extra.
Hospital de Matosinhos sem cirurgia nas urgências aos fins de semana em outubro
Na segunda maior urgência da região Norte, a do Hospital de Penafiel, o mês também está a ser marcado por muitos constrangimentos na elaboração das escalas de Cirurgia. Ao Observador, o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (que abarca o Hospital de Penafiel) confirma que, “atendendo ao facto de não ser possível garantir o número mínimo de médicos especialistas de cirurgia geral para o atendimento de urgência, foi necessário solicitar o desvio dos doentes provenientes de urgência externa”. Desde terça-feira que esta unidade não tem urgência de Cirurgia, uma vez que mais de 90% dos especialistas entregaram as minutas de escusa, e não se sabe quando poderá ser reposta a normalidade.
Em Chaves, o hospital local tem a urgência de Pediatria encerrada desde segunda-feira, situação que se deve manter até à próxima segunda-feira, dia 9 de outubro.
Hospital de Leiria sem resposta na Cirurgia, Cardiologia e Obstetrícia neste fim de semana
Os problemas de elaboração de escalas estendem-se igualmente à zona Centro, com os hospitais de Leiria e de Santarém entre as unidades mais afetadas. Em Leiria, serão três os serviços de urgência encerrados este fim de semana. A Urgência de Cirurgia encerrou na quinta-feira às 20h e só deve reabrir às 8h da próxima segunda-feira. Já a Urgência de Cardiologia vai fechar este sábado às 8h e reabre apenas na segunda também às 8h, segundo adiantou à Lusa a médica Sandra Hilária, da FNAM. Estes constrangimentos devem repetir-se durante todos os fins de semana de outubro, uma vez que a maior parte dos cirurgiões e 75% dos cardiologistas preencheram as minutas de escusa a mais trabalho suplementar. Também durante este fim de semana, as grávidas que precisem de recorrer à urgência obstétrica terão de dirigir a Leiria, uma vez que o serviço estará encerrado por falta de obstetras nas escalas.
Urgência obstétrica e via verde coronária de Leiria encerradas no fim de semana
Em Santarém, as falhas estendem-se à Urgência de Ortopedia. Fonte oficial do Hospital Distrital de Santarém confirmou ao Observador que já esta sexta-feira encerraram as Urgência de Cirurgia e de Ortopedia, com praticamente todos os especialistas a entregarem as minutas de escusa. Ao que o Observador apurou, o fecho deve estender-se ao fim de semana, com os doentes a serem reencaminhados para os hospitais do Centro Hospitalar do Médio Tejo.
Em Gaia, mais de 100 médicos já se mostraram indisponíveis para realizar mais trabalho extraordinário, entre os quais 70% dos anestesistas, 90% dos intensivistas e 15 dos 24 cirurgiões. Ainda assim, ao Observador, fonte oficial do Centro Hospitalar de Gaia/Espinho, garante que, para já, as escusas “não estão a ter impacto na atividade e as escalas das urgência não têm apresentado problemas”. A situação, reforça a mesma fonte, está a ser acompanhada diariamente pelo Conselho de Administração.
Hospitais de Lisboa vão começar a sofrer efeitos das escusas nas próximas semanas
Embora os constrangimentos estejam a afetar com maior intensidade os hospitais das zonas norte e centro, a recusa em ultrapassar as 150 horas extra anuais a que os médicos estão legalmente obrigados está a alastrar à região de Lisboa e Vale do Tejo, onde os efeitos se começarão a fazer sentir nas próximas semanas, caso não haja acordo entre o Ministério da Saúde e os sindicatos, a condição imposta pelo movimento Médicos em Luta para travar a contestação.
No Hospital de Santa Maria, a escala da Urgência de Cirurgia só está garantida até meio de outubro: 10 dos 14 cirurgiões já entregaram as minutas de escusa a mais trabalho extra, a que se juntam todos os internos de Cirurgia. No Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, o mesmo cenário: pelo menos 10 cirurgiões estão indisponíveis para trabalharem para lá do horário normal, segundo fonte do Médicos em Luta. No Hospital Fernando da Fonseca (um dos maiores do país), o cenário tem vindo a agravar-se: um número indefinido de médicos internistas já entregaram as escusas, num movimento que começou em julho, dificultando a elaboração das escalas da urgência geral. Ao Observador, fonte do Amadora-Sintra alerta que muitas das minutas produzem efeitos a partir de novembro, o que vai dificultar a resposta. Já no Garcia de Orta, em Almada, “as minutas entregues produzem efeitos a partir de 20 de outubro, no Serviço de Urgência Geral, e do mês de novembro, no caso da Cirurgia Geral, da Pediatria e da Neurologia”. No Beatriz Ângelo, em Loures, todos os cirurgiões já avisaram que não farão mais horas extra a partir de 1 de novembro.
Com a aproximação do inverno, a região de Lisboa, que, numa situação normal, já enfrenta um problema crónico de falta de médicos nas urgências, pode vir a deparar-se com uma incapacidade sem precedentes de resposta aos doentes que procuram as urgências. Helena Terleira garante, no entanto, que está na mãos do Ministério da Saúde evitar a escalada da contestação e da crise nas urgências.
Contestação só pára com acordo entre a tutela e os dois sindicatos
“O movimento Médicos em Luta pára no momento em que haja acordo entre os sindicatos e o ministro da Saúde. É fundamental que a reunião seja marcada e que os dois sindicatos cheguem a acordo com o Ministério”, frisa a médica, em declarações ao Observador. “É preciso que o ministro vá com intenção de negociar e não com a postura com que tem ido até agora, com promessas que depois não se concretizam. Neste momento, já não acreditamos em promessas, só acreditamos em papéis assinados“, sublinha Helena Terleira.
O gabinete de Manuel Pizarro já contactou os dois sindicatos médicos com vista a retomar as negociações. No entanto, ainda não há data marcada para as reuniões. Ao Observador, o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, Jorge Roque da Cunha, adianta que o mais provável é que os sindicatos sejam recebidos na Avenida João Crisóstomo (em Lisboa) na terceira semana de outubro, depois da reunião do Fórum Médico, que se vai reunir a 12 de outubro em Coimbra.
A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) diz que só volta à mesa das negociações quando a tutela apresentar uma “proposta escrita com medidas que visem resolver a situação limite a que chegou o SNS”, diz ao Observador a vice-presidente da FNAM, Vitória Martins. A responsável justifica a exigência com o facto de, durante 16 meses — o tempo que durou a negociação entre o Ministério e os sindicatos, encerrada sem acordo –, a FNAM “ter apontado para um conjunto de soluções que depois não foram vertidas em nenhum documento escrito”. Vitória Martins realça que “não tomar medidas emergentes é confiar na sorte para evitar tragédias”.
Para chegar a um entendimento com o governo, a FNAM não abdica de um “aumento transversal para um salário que seja digno para todos os médicos”, de 30%, que, diz o sindicato, servirá para compensar a perda de poder de compra com que os médicos se foram deparando nos últimos anos e que está muito longe do aumento de 3,3% proposto pelo Governo. O aumento de 30% é uma exigência que o movimento Médicos em Luta considera que “não é irrealista”.”Acho que é possível uma aproximação, e uma negociação justa e clara, sem subterfúgios e agendas escondidas”, realça Helena Terleira.
A responsável avisa, no entanto, que “um acordo apenas com o Sindicato Independente dos Médicos não serve” para desmobilizar a contestação. “Este é um movimento transversal a colegas de ambos os sindicatos. Já temos 5.200 médicos inscritos na plataforma. Os dois sindicatos têm de se entender e apresentar ao ministro uma proposta comum: exigimos ao Ministério um acordo e exigimos aos sindicatos um acordo entre eles. Este é um momento da responsabilidade de todos”, defende.
Outra linha vermelha para a FNAM é aquilo a que Vitória Martins classifica como “perdas de direitos, consignados no acordo coletivo de trabalho”. Um dos pontos que motiva a contestação dos sindicatos é o aumento previsto de 150 para 250 horas extra de trabalho suplementar por ano. “Sabemos que o problema das horas extraordinárias não vai ser resolvido de um dia para o outro, mas temos de fixar os médicos no SNS”, refere a vice-presidente da FNAM. Outra reivindicação é o horário base de 35 horas para todos os médicos — neste ponto, e segundo informou o bastonário dos Médicos à saída da reunião com Manuel Pizarro, na última quarta-feira, há abertura da tutela para ir ao encontro das pretensões dos médicos.
“Acredito que será possível que o Ministério da Saúde perceba que a sua atitude terá de mudar”, realça Jorge Roque da Cunha, acrescentando que Manuel Pizarro “tem de encarar o problema de uma forma séria”. O líder do Sindicato Independente dos Médicos diz ainda que “o ministro das Finanças tem de perceber que investir agora é poupar no futuro”, mas mostra-se cético relativamente a uma eventual aproximação de posições que possa conduzir a um acordo. Para o SIM, é importante que a grelha salarial dos médicos seja revista, que o SNS seja reforçado com equipamentos mais avançados e que seja dada a possibilidade aos profissionais de trabalharem com horários flexíveis, que permitam conciliar a vida profissional com a familiar.