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Hospital Santa Luzia, em Viana do Castelo, 29 de Julho de 2008. FERNANDO MARTINS/LUSA
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O Hospital de Viana do Castelo, onde nasceu o movimento Médicos em Luta, será bastante afetado

Fernando Martins/LUSA

O Hospital de Viana do Castelo, onde nasceu o movimento Médicos em Luta, será bastante afetado

Fernando Martins/LUSA

"Situação sem precedentes" com recusa de médicos em fazer mais horas extra. Que urgências poderão entrar em colapso?

Ordem dos Médicos teme "situação catastrófica". O movimento Médicos em Luta estima que 2500 médicos já tenham apresentado escusa a mais trabalho extra. Regiões Norte e Centro são as mais afetadas.

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São cada vez mais os médicos a entregar aos respetivos hospitais minutas de escusa ao trabalho extraordinário. Recusam, dessa forma, fazer mais do que as 150 horas extras anuais a que estão obrigados — muitos, aliás, já ultrapassaram, por esta altura do ano, esse limite. O protesto dos médicos, que começou no Hospital de Viana do Castelo, já se espalhou a todo o país, não pára de crescer e ameaça colocar em causa o funcionamento de dezenas de serviços de urgência de norte a sul do país já a partir de outubro. As especialidades mais afetadas são a Medicina Interna, a Cirurgia e a Pediatria, especialidades basilares das urgências: em alguns hospitais, mais de 90% dos médicos destes serviços já não farão mais horas extraordinárias este ano.

A esta altura, não é possível saber ao certo quantos médicos já entregaram as declarações de escusa de trabalho suplementar mas, ao Observador, o movimento Médicos em Luta — estrutura inorgânica, criada em agosto — garante que serão centenas, em 21 hospitais e centros hospitalares, principalmente nas regiões Norte e Centro, onde a situação é mais grave. Uma das fundadores do movimento, Helena Terleira, estima que 2500 médicos já tenham comunicado a entrega da declaração de escusa de trabalho suplementar.

Norte e Centro são regiões mais afetadas mas escusas alastram a Lisboa e Algarve

A norte, no Hospital de Vila Nova de Gaia, mais de 90% dos especialistas em Medicina Intensiva recusam a fazer mais horas extra, em Matosinhos o cenário é idêntico mas em relação aos especialistas em Cirurgia. Já nos hospitais de Vila Real, Bragança, Guarda e Viseu cerca de 90% dos especialistas em Medicina Interna apresentaram escusa. Também cerca de 90% dos cirurgiões do hospital de Penafiel entregaram minutas. Na zona Centro, a adesão tem sido grande no Hospital de Leiria (onde 75% dos cirurgiões e dos cardiologistas apresentaram escusa) e no Hospital de Aveiro, onde todos os pediatras e médicos internos se terão já mostrado indisponíveis para realizar mais horas extra.

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No entanto, e apesar da maior expressão a norte, o movimento está a estender-se, progressivamente, às regiões de Lisboa e do Algarve. No Hospital Garcia de Orta, em Almada, 14 especialistas em Medicina Interna e sete internos desta especialidade escreveram uma carta (a que o Observador teve acesso) ao conselho de Administração do Hospital onde se mostram indisponíveis para fazer mais horas extra este ano. Os médicos dizem que alcançaram o “limite da capacidade de resposta”. “Depois de vários meses de trabalho com turnos extraordinários realizados em condições adversas, é com frustração que verificamos que a segurança dos doentes e a qualidade dos cuidados prestados que exigem respostas eficazes, atempadas e cientificamente adequadas se encontram claramente comprometidas”, escrevem.

No hospital de Santa Maria, 100% dos internos já terão pedido escusa, assim como oito cirurgiões. Na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital de Portimão, toda a equipa recusa trabalhar mais horas para lá das obrigatórias.

Hospital Garcia de Orta

No Hospital Garcia de Orta, em Almada, os internistas dizem que chegaram ao "limite da capacidade de resposta"

MÁRIO CRUZ/LUSA

Movimento exige ao Ministério “propostas sérias”

O movimento Médicos em Luta acusa o Ministério da Saúde de ser o responsável pela crescente adesão à entrega de pedidos de escusa de horas extra e exige que sejam retomadas as negociações entre a tutela e os sindicatos. “As negociações foram interrompidas de forma unilateral pelo governo. Exigimos que sejam retomadas e que o Ministério apresente propostas sérias”, diz Carla Meira, do Médicos em Luta, criticando a inação do Ministério da Saúde perante a possibilidade de vários urgências encerrarem já a partir de outubro. “No momento em que o Ministério da Saúde apresentar aos sindicatos uma proposta que se aproxime das reivindicações”, a contestação cessa “na hora”, garante Helena Terleira, sublinhando que, “na generalidade, as propostas dos dois sindicatos são sobreponíveis”.

Da generalização das USF aos centros de responsabilidade na saúde mental e ao contrato com as Finanças: o que muda no SNS

Carla Meira avança vários exemplos de hospitais onde a taxa de adesão à recusa das horas extra se situa acima dos 90%, em especialidades basilares como Medicina Interna, Cirurgia e Pediatria. Ao Observador, o bastonário da Ordem dos Médicos sublinha que serão também afetadas áreas como a Obstetrícia, a Cardiologia e os Cuidados Intensivos e fala numa situação “sem precedentes” e “catastrófica”. “Na esmagadora maioria dos casos, 80% dos médicos de alguns destes serviços já entregaram escusa, há até casos em que o fizeram 100% dos médicos. Haverá ruturas dos serviços de urgência já em outubro, o impacto é muito grande. Se em outubro, será difícil formar equipas, imagine-se em novembro, dezembro e janeiro”, antecipa Carlos Cortes.

"Haverá ruturas dos serviços de urgência já em outubro", avisa o bastonário dos Médicos, Carlos Cortes

LUSA

“Haverá ruturas dos serviços de urgência”, avisa bastonário dos médicos

O bastonário dos Médicos mostra-se muito preocupado com as consequências deste movimento, que se está a alastrar também aos hospitais do sul do país e também responsabiliza o governo pela situação que se avizinha. “A Ordem apela ao governo que faça aquilo que já devia ter feito, ou seja, implementar as reformas que são necessárias e obrigatórias. Em vez de se estarem a gastar milhões em reestruturação dos serviços de urgência e em vez de iniciarmos já a disseminação das Unidades Locais de Saúde, é importante, em primeiro lugar resolver o principal problema do SNS: os recursos humanos. A primeira prioridade deve ser criar condições para fixar médicos no SNS e ter um SNS mais atrativo“, realça Carlos Cortes, sublinhando que “o que os médicos [deste movimento] estão a pedir é que haja uma melhoria das suas condições de trabalho, uma valorização da carreira e condições para darem uma formação adequada”. “Tudo isto tem falhado, tanto é que muitos médicos saem do SNS para o privado e até para o estrangeiro”.

O movimento Médicos em Luta surgiu em agosto, depois de um grupo de médicos do Hospital de Viana do Castelo ter começado a recolher assinaturas de médicos descontentes, de modo a enviar uma carta ao ministro da Saúde, Manuel Pizarro. Na carta, enviada a 1 de setembro e até hoje sem resposta, mais de 1200 médicos de todo o país e de várias especialidades pediam que o Ministério apresentasse propostas negociais sérias. Caso contrário, mostravam-se indisponíveis para continuar a fazer mais horas extraordinárias para além das 150 estipuladas por lei. Hoje, o movimento vai recebendo todos os dias, através da um grupo na rede social Telegram (onde estão 4500 médicos), novas informações sobre a entrega de novas escusas de horas extra, diz Carla Meira, numa “onda que está a crescer”.

Se todas as escusas se concretizarem, isso criará um desafio enorme na elaboração das escalas, com consequências muito danosas para os nossos doentes. Teríamos de encontrar médicos prestadores de serviço disponíveis e não é certo que eles existem. Para além disso, a qualidade da prestação de cuidados não é a mesma”, alerta o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, em declarações à Rádio Observador. Para Xavier Barreto, “é inaceitável” uma situação em que os serviços de urgência entrem em situação de rutura. Por isso, faz um apelo ao bom senso dos médicos.

Administradores hospitalares apelam “ao bom senso” dos médicos

“O que desejamos é que seja possível chegar a um acordo, evitando a rutura dos serviços. Fazemos um apelo ao bom senso. Este é um movimento inorgânico, que torna o diálogo um pouco mais difícil mas esperemos que as pessoas percebam que está em causa o direito à saúde e uma relação de confiança entre os profissionais de saúde e os utentes e que essa é uma relação que não se pode perder”, defende o responsável.

Regime das horas extras dos médicos nas urgências prolongado até final de setembro

Carla Meira adianta que é nos hospitais mais periféricos das regiões Norte e Centro que mais médicos têm entregado escusas de trabalho suplementar adicional. Em Viana do Castelo, 100% dos médicos de Medicina Interna e 90% dos clínicos de Cirurgia Geral estão indisponíveis para realizar mais horas extra este ano. Ao Observador, o cirurgião Paulo Passos, deste hospital, alerta para a possibilidade de a urgência de Cirurgia encerrar em outubro “durante a noite e durante os fins de semana”. “É uma situação inédita“, garante o especialista, ressalvando que alguns doentes poderão ter de ser transferidos para outros hospitais.

Para evitar os encerramentos de serviços de urgências, Carla Meira diz que muitas escalas de outubro estão a ser elaboradas com menos elementos do que o mínimo permitido pela Ordem dos Médicos, colocando em causa a segurança da assistência aos doentes. Há até algumas administrações hospitalares a cancelarem férias de médicas, garante Helena Terleira.

Já alguns conselhos de administração de unidades hospitalares, como o da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (a que pertence o hospital de Viana do Castelo), estarão, diz, a alocar às urgências horas que estavam dedicadas à atividade programada.

Já alguns conselhos de administração de unidades hospitalares, como o da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (a que pertence o hospital de Viana do Castelo), estarão, diz, a alocar às urgências horas que estavam dedicadas à atividade programada, ou seja, a consultas, cirurgias e internamento — de modo a evitar o encerramento de urgências. “São artimanhas ilegais que estão a ser usadas por alguns conselhos de administração”, denuncia Carla Meira, referindo os casos do Hospital de Viana do Castelo (onde trabalha), e dos hospitais de Vila Real, Vila Nova de Gaia e Leiria, onde a indicação já terá sido transmitida.

Ordem e médicos rejeitam adiar consultas e cirurgias para garantir urgências

Reafetar o horário à urgência é ilegal e tem consequências absolutamente devastadoras. No bloco operatório, 80% da atividade do Hospital de Viana do Castelo são doentes oncológicos. Adiar estas operações é nefasto para a saúde das pessoas. A reafetação também iria adiar a realização de dezenas e dezenas de consultas”, alerta Paulo Passos.

Também o bastonário dos Médicos discorda da opção de desviar os médicos para as urgências, prejudicando a atividade programada. “Não é aceitável. Essa opção não resolve nada. Se retirarmos horas da atividade médica programada (internamento, consultas, cirurgias) vamos criar um impacto negativo na saúde das pessoas, que vão ver a sua situação clínica piorar e recorrer ainda mais ao serviço de urgência. Isso criar um círculo vicioso incomportável para o SNS”, sublinha Carlos Cortes. Apesar de admitir as dificuldades que pode causar a recusa dos médicos em fazerem mais horas extra, Xavier Barreto, que representa os administradores hospitalares, reconhece que “não é uma boa solução porque vai provocar prejuízos noutras áreas do hospital, nomeadamente nas consultas”.

No Hospital de Vila Nova de Gaia, mais de 90% dos especialistas em Medicina Intensiva recusam a fazer mais horas extra, em Matosinhos o cenário é idêntico mas em relação aos especialistas em Cirurgia.

No Hospital de Vila Nova de Gaia, mais de 90% dos especialistas em Medicina Intensiva recusam a fazer mais horas extra, em Matosinhos o cenário é idêntico mas em relação aos especialistas em Cirurgia. Ao Observador, a médica internista Adelina Pereira, que trabalha há 23 anos no Hospital Pedro Hispano, adianta que entregou, pela primeira vez na carreira, uma minuta de escusa ao trabalho suplementar para lá das 150 horas. “Gosto de trabalhar na urgência mas o trabalho é desgastante e sentimo-nos desmotivados e desvalorizados por todo o contexto. As urgências estão a funcionar de forma muito precária”, critica a especialista, apontando o elevado número de médicos prestadores de serviço, sem formação para trabalharem nas urgências. Adelina Pereira, que é também a presidente da Sociedade Portuguesa Medicina de Urgência e Emergência, defende que a criação da especialidade de Medicina de Urgência (que foi chumbada pela Ordem dos Médicos em dezembro de 2022) poderia ajudar a reduzir o número de horas extraordinárias na urgência.

Afluência às urgências atinge níveis pré-pandemia. Governo acusado de ignorar soluções propostas por grupo de trabalho

“Se tivermos serviços de urgências dotado de um staff próprio, com médicos com formação adequada e que saibam resolver os problemas, a situação seria melhor. Hoje, a maior parte das pessoas que lá estão são tarefeiros, passam os doentes aos especialistas — ou seja, fazem a primeira avaliação mas não resolvem. Se tivermos na linha da frente pessoas com formação, vamos precisar, depois, de menos especialistas, diminuindo a necessidade de horas extras desses profissionais”, defende Adelina Pereira, que não fica surpreendida com o movimento crescente de médicos que recusam ultrapassar as 150 horas extra. “Há um cansaço acumulado” depois de uma fase pandémica em que “os colegas fizeram muitas horas de urgência e acumularam folgas que ainda não conseguiram gozar”.

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