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supitchamcsdam/Getty Images/iStockphoto

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Vacinas, vitaminas, microondas e outros mitos da saúde. Fazem bem ou fazem mal?

Espalharam-se à velocidade de um boato e tornaram-se convicções de quem acha que percebe muito de saúde, mas não faz ideia do que está a dizer. Em livro, a cirurgiã Nina Shapiro põe os pontos nos is.

“Uma vez perguntaram-me se tirar as amígdalas [no fundo da boca] e os adenóides [nas cavidades nasais] ia fazer com que a criança já não pudesse ter filhos no futuro”, conta Nina Shapiro. Escusado será dizer que uma coisa não está relacionada com a outra, mas este tipo de dúvidas — e as muitas outras informações erradas que ouve nas consultas — levaram a cirurgiã norte-americana a escrever o seu primeiro livro sobre mitos na área da saúde. “Senti que este livro tinha mesmo de ser escrito. Nos últimos anos, o mercado dos mitos sobre saúde explodiu e era preciso um livro para pôr os pontos nos is”, diz ao Observador.

Nina Shapiro tem mais de 20 anos de experiência na medicina clínica e académica, mas só nos últimos cinco anos se foi começando a aperceber da quantidade de mitos e ideias erradas que existiam ligados à ciência e à saúde. O que a preocupa é que, ao longo destes anos, esses mitos tornaram-se cada vez mais prevalentes, de uma forma cada vez mais rápida. O mito de que as vacinas causam autismo foi um dos primeiros a chegar à ribalta, há 21 anos. Foi desmascarado como fraude ao fim de 12 anos, mas o mal estava feito, como se vê pelos surtos de doenças preveníveis pela vacinação — a começar pelo sarampo.

“Parte do que tem acontecido deve-se à sobrecarga de informação rápida na Internet, incluindo redes sociais, plataformas de mensagens ou grupos de chat, onde a informação se confunde com pontos de vista ou dados mal interpretados”, diz ao Observador a autora do livro “Faz bem ou faz mal?”, editado pelo Clube do Autor, e lançado na passada semana em Portugal. Outra das questões levantadas por Nina Shapiro é a crescente desconfiança na ciência e nas agências financiadas pelo governo — pelo menos nos Estados Unidos.

Apesar do excesso de informação ainda há pessoas que tomam decisões baseadas em informações incompletas ou completamente erradas. A médica dá exemplos: os pais que dão frutos secos às crianças porque é saudável, mas não sabem que elas correm o risco de engasgar; as grávidas que ainda acreditam que o microondas causa fenda palativa; a febre de querer tudo livre de glúten, até agora (que, já agora, não deve ter mesmo que não diga no rótulo); ou os mitos que ainda assombram as vacinas, relacionadas com potenciais componentes tóxicos e o aparecimento do autismo.

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“Vou ser sincera: por vezes os pacientes dão-me cabo dos nervos com as perguntas que começam por «Acredita em...?». Aí apetece-me interrompê-los e questioná-los: «No coelhinho da Páscoa? Em fantasmas? Na fada dos dentes?». Tudo isto são crenças. Mas a medicina não é uma crença. Pratico-a com base em evidências.”
“Faz bem ou faz mal?”, Nina Shapiro

Informação há muita, mas nem toda é boa

“Encontro mitos relacionados com a saúde em todo o lado”, diz a cirurgiã. Nas consultas com os doentes, nas conversas com familiares e amigos, nas festas e eventos, onde for. “Embora odeie falar em estereótipos, as pessoas que falam de mitos tendem a ser muito conscienciosas da saúde e têm alguns conhecimentos de saúde e bem-estar.” O problema é quando se convencem de que o pouco que sabem é muito. Este problema também foi identificado por uma equipa de investigadores norte-americanos: os opositores extremos da ciência são os que sabem menos sobre o assunto, mas acham que são os que sabem mais, concluíram. Os resultados desta investigação, desta vez focada nas crenças em relação aos alimentos geneticamente modificados, foram publicados na revista científica Nature Human Behaviour.

“O acesso à informação é avassalador. Os pacientes formulam perguntas mais focadas, mais informadas, mais pertinentes e sabem pormenores acerca dos cuidados médicos que muitos médicos do passado desconheciam”, escreve a autora no livro. “Mas este conhecimento pode ser distorcido.” O pior, continua, é que, apesar de as universidades terem acesso aos artigos científicos, muitos médicos só têm acesso à mesma informação que os doentes. Se não forem criteriosos, podem incorrer nos mesmos erros, alerta a professora na Universidade da Califórnia, em Los Angeles.

A médica conta ao Observador que está constantemente a ser colocada em causa, pelos doentes, nas consultas. “Costumava ficar realmente chateada, especialmente quando sabia que a informação era ridícula.” Depois foi, gradualmente, mudando a abordagem. Primeiro porque muitos destes mitos estão mais relacionados com bem-estar, como os spas: não têm grande evidência científica, mas as pessoas dizem sentir-se melhor. Depois, e sobre os assuntos realmente relacionados com a saúde, Nina Shapiro aprendeu que responder negativamente só afasta as pessoas. “Agora começo a escavar algumas questões para ver até onde vão com a informação que têm e com o processo de pensamento. Depois posso dirigir-me a cada questão absurda.”

Os pais preocupam-se com as coisas erradas

Nina Shapiro é cirurgiã e otorrinolaringologista pediátrica, ou seja, trata as doenças dos ouvidos, nariz e garganta, de crianças, muitas vezes pequenas, e com frequência recorrendo a cirurgias. E, como é natural, há situações que a marcam. “Nunca hei-de esquecer um bebé de 15 meses que tratei há alguns anos”, escreveu no livro. O bebé estava com uma tosse chata e os pais recorreram ao pediatra, mas quando este recomendou fazer um raio X, não aceitaram, não queriam sujeitar o bebé à radiação. Só o fizeram uma semana depois, quando a tosse piorou muito.

Nessa altura, descobriram que a criança tinha um pedaço de caju a obstruir-lhe um dos pulmões e tinha de ser operada. Mas os pais não queriam, receavam os riscos da cirurgia. Quando finalmente acederam, já tinham passado vários dias, a situação do bebé tinha piorado e a cirurgia era mais arriscada a cada dia que passava. Tudo isto teria sido evitado — raios X, cirurgia e uma quase morte — se os pais tivessem seguido a recomendação de não dar frutos secos a crianças com menos de cinco anos. Mas o que mais chocou a médica foi a pergunta que se seguiu: a família queria saber se podia continuar a dar-lhe essses frutos secos porque eram uma fonte de proteína.

“Nunca vou esquecer aquele dia”, conta ao Observador. Uma criança saudável e bem cuidada quase morreu desnecessariamente, porque os pais “estavam a ter acesso informação confusa sobre o que era saudável e não”. Como eram vegetarianos, queriam dar proteína e omega-3 às crianças, mas desconheciam o risco de engasgamento. Além disso, também não vacinavam as crianças, “o que também constituía um potencial risco”. “Foi nesse dia que decidi escrever o livro”, diz.

“Nos EUA, a cada cinco dias, morre uma criança engasgada com alimentos, mas poucas pessoas se apercebem desta realidade a menos que trabalhem na minha área. A maior parte destas crianças tem menos de cinco anos e o perigo mais frequente de asfixia deriva dos frutos secos.”
“Faz bem ou faz mal?”, Nina Shapiro

Sobre listas de prioridades invertidas e noções de risco descabidas, Nina Shapiro dá mais exemplos no livro: “Na escola dos meus filhos, por exemplo, ouço muitas vezes pais preocupados, ao ponto da obsessão, com o lavar das mãos. Claro, é importante, não me interpretem mal. No entanto, esses pais não vacinam os filhos”. Estes são os mesmo pais que “participam em manifestações a favor da interdição de qualquer tipo de esferovite ou de plástico, ao mesmo tempo que conduzem um SUV [tipo de carro] de elevado consumo de gasolina”, continua. “Algumas pessoas preocupam-se em não consumir alimentos que não sejam biológicos e que tenham corantes artificiais, mas enviam mensagens de texto enquanto conduzem e esquecem-se ocasionalmente de pôr o cinto de segurança.”

Confiar ou não confiar na medicina

A médica confirma que vê nas pessoas uma tendência cada vez maior de desconfiar da ciência e da medicina, mas depois confiar facilmente numa qualquer celebridade que faça sugestões de saúde e bem-estar que não têm o mínimo de fundamento e até podem ser arriscadas — a atriz Gwyneth Paltrow tem sido um bom exemplo disso, com o processo judicial sobre os ovos de limpeza vaginal (que recomendou e que não têm qualquer evidência científica) a ser um dos últimos casos polémicos.

“Estes ‘influenciadores’ não-médicos vendem, com frequência, produtos como suplementos, cristais e roupas caras. O estilo de vida (e a beleza) destas celebridades é sedutor e as pessoas sentem que talvez se possam parecer ou viver tão bem como as celebridades se comprarem os seus produtos”, diz ao Observador.

Do outro lado estão alegações como “recomendado pelos médicos”, “clinicamente comprovado” ou “os estudos demonstram”, em que tantas pessoas confiam e que tanto podem ter muito significado como nenhum. Regra geral, são as empresas a aproveitarem-se da linguagem médica e da investigação que exista (ainda que remotamente relacionada) para exagerar nos argumentos de promoção dos produtos. “Os estudos verdadeiros não aplicam estes argumentos aos resultados, dado que, em medicina, nunca nada está clinicamente comprovado em definitivo, mesmo que um amplo estudo diga que o foi”, escreveu a médica.

Para Nina Shapiro, porém, um dos maiores problemas surge quando são os próprios médicos ou profissionais de saúde a divulgar informações ou práticas que não estão baseadas na ciência. “Isto é mais desconcertante do que qualquer outra pessoa a espalhar mitos”, diz ao Observador. “Os médicos fazem um juramento de não causar dano. E divulgar informação falsa é causar dano”, continua. “Muitos de nós, na medicina e ciência, estamos a tentar pôr um travão nisto, mas não é uma tarefa fácil.”

Médicos ibéricos querem as pseudoterapias fora dos consultórios

Afinal, faz bem ou faz mal?

O Observador escolheu sete mitos relacionados com a alimentação e saúde que pode encontrar no livro de Nina Shapiro, que também escreve regularmente para a revista Forbes.

As bebidas energéticas fazem mesmo efeito?

São comuns nos ginásios, entre estudantes e mesmo nas compras de quem precisa de se sentir com mais energia, mas Nina Shapiro diz que “as bebidas desportivas, os reforços de proteínas e as barras energéticas não passam de conjeturas”. E explica: da boca vão para o estômago e depois para o intestino; parte é eliminada nas fezes, outra parte na urina, e muito pouco chega efetivamente aos órgãos. É por isso que as pessoas, depois de uma cirurgia, não ingerem os líquidos para repor o equilíbrio dos fluidos e sais minerais, mas recebem-nos diretamente no sangue. “Quando alguém recebe fluidos intravenosos, o conteúdo entra diretamente no sistema vascular, passando das veias para as artérias através do coração, e depois para os outros órgãos do corpo, onde se dá a absorção de fluidos e eletrólitos. Alguns vasos sanguíneos vão até aos rins, que filtram os fluidos e eletrólitos dispensáveis, que depois expelimos através da urina.”

Usar o microondas provoca a fenda palatina nos bebés?

Chama-se fenda palatina à situação em que o lábio superior não se uniu ao céu da boca antes do nascimento e deixou um vazio no meio do rosto. “Está comprovado que a toma pré-natal de suplementos de ácido fólico reduz substancialmente o risco desta anomalia; no entanto, mantém-se uma ampla componente genética que tem pouco que ver, ou mesmo nada, com a exposição da mãe aos microondas ou com a ingestão de suplementos”, escreve a médica. Ainda assim, e sem se saber bem porquê, há vários grupos a defender que é a exposição das grávidas aos microondas (os eletrodomésticos) que aumenta a probabilidade de o bebé nascer com fenda palatina.

As vacinas são tóxicas?

“As vacinas não são mais tóxicas para o corpo nem um fardo maior para o sistema imunitário do que as exposições correntes da vida quotidiana”, destaca a médica no livro. “Os bebés estão diariamente expostos a milhões de bactérias e vírus – a começar no momento do nascimento.” E não há nada que se possa (ou deva) fazer em relação a isso, porque até é bom que o sistema imunitário seja posto à prova com estas exposições.

Alguns dos componentes usados em vacinas — como o timerosal (etilmercúrio) e o formaldeído para evitar que houvesse contaminação em algumas vacinas, ou o alumínio para aumentar a eficiência em alguns casos — estão constantemente na mira de quem rejeita a vacinação. Por isso, Nina Shapiro decidiu explicar os riscos reais de cada um destes componentes. A molécula de mercúrio que pode provocar paralisia cerebral, atrasos no desenvolvimento e outras perturbações nas crianças não é a mesma que se usava nas vacinas. E a concentração de mercúrio chega a ser maior em alguns peixes do que alguma vez foram nas vacinas. Quanto ao alumínio e o formaldeído, ainda que tóxicos em grandes quantidades, a concentração nas vacinas é muito menor do que aquela a que estamos expostos na natureza. “Os bebés ingerem mais alumínio no leite materno ou na fórmula para lactentes do que nas vacinas”, escreve. “Uma pêra contém 60 vezes mais formaldeído do que uma vacina.”

Resistência à vacinação entre as 10 maiores ameaças à saúde em 2019

O quiabo é um bom alimento contra o cancro?

O sal de cozinha é composto por dois atómos: cloro e sódio. Quando combinados, parecem inofensivos (exceção feita aos altos consumos e a hipertensão), mas quando estão separados podem ser fatais: o cloro é usado como desinfetante de piscinas e o sódio, em contacto com água, pode fazer explodir um laboratório. Nina Shapiro usa o exemplo para dizer que nem tudo o que é mau em laboratório, continua a sê-lo fora dele. E tudo isto para chegar a outro ponto: nem tudo o que funciona em laboratório vai funcionar no organismo humano. Assim, “apenas porque se detetou que uma substância presente no quiabo anula as células do cancro da mama humano in vitro (numa placa de Petri de vidro), isso não significa que o quiabo seja um medicamento comprovado contra o cancro”.

O que é natural é bom?

Há palavras às quais se atribui automaticamente uma conotação negativa, como químico ou aditivo, mas, no extremo oposto, confia-se cegamente naquilo que se diz ser natural ou biológico. Mas nem uns são assim tão maus, nem os outros são assim tão bons. “Assumir que natural e biológico é igual a ‘seguro’ é infeliz; os ingredientes naturais também podem ser tóxicos”, alerta a autora no livro. “A hera venenosa é natural e, em definitivo, não pensamos em esfregá-la na pele.” Mais, a FDA [autoridade norte-americana do medicamento] não tem qualquer regulamento sobre o uso destas expressões.

Precisamos de tomar suplementos vitamínicos?

“Tomo diariamente uma multivitamina. E vitamina C. Quando tenho uma constipação, perco a cabeça e tomo duas vitaminas C. E até tomo vitamina D e cálcio quando estou para aí virada”, confessa Nina Shapiro, juntando-se a todos os americanos (cerca de metade dos adultos nos Estados Unidos) que tomam regularmente uma multivitamina, ou outra vitamina ou suplemento mineral. A médica, que também é apenas humana, revela no entanto porque o faz: pelo efeito placebo (não é um medicamento real, mas as pessoas sentem-se como se fosse). Cientificamente, sabe que não faz nada, mas sente-se “mais saudável”. “No entanto, não tomarei doses exageradas de nada e nunca dependerei dos suplementos de vitaminas para sustentar a verdadeira saúde nutricional ou o bem-estar.”

Os investigadores da Universidade Johns Hopkins demonstraram que o dinheiro gasto pelos americanos em suplementos vitamínicos seria mais bem gasto em fontes verdadeiras de vitaminas, como as frutas, os legumes, os hidratos de carbono saudáveis e os lacticínios, refere a autora. Mais, os trabalhos de investigação têm demonstrado que as multivitaminas não reduzem o risco de cancro nem de doença cardíaca e que não reduzem o risco de declínios mentais — sejam lentidão de pensamento ou perda de memória. Pior, a suplementação em betacaroteno e em vitamina E, em particular, pode até ser nociva, aumentando significativamente o risco de cancro.

A água engarrafada é melhor do que a água da torneira?

“A água engarrafada custa duas mil vezes mais do que a da torneira”, escreve a cirurgiã. “A ironia é que a maior parte da água engarrafada é da torneira, apenas menos saudável, com base em estudos que mostram que algumas substâncias químicas nocivas do plástico podem contaminá-la.” E isto se pensarmos só na saúde direta. Indiretamente, todo o plástico que contamina o meio ambiente acabará por nos afetar também. Aliás, já andamos a ingerir microplásticos só por comermos peixes pescados em alto mar.

Além disso, existem ainda outras duas desvantagens da água engarrafada, refere Nina Shapiro: não é sujeita ao mesmo tipo de controlo e fiscalização que a água da torneira; e elimina, na filtragem, os fluoretos, importantes na prevenção da cárie infantil. “Tal como se passa com a maioria dos défices de um mercado novo, a indústria das águas engarrafadas encontrou um novo ângulo e começou a vender ‘água engarrafada com fluoreto’ como se isto fosse um bónus, com rotulagem dirigida às crianças”, diz, referindo-se à solução encontrada pelas empresas.

Quando escreveu o livro, Nina Shapiro focou-se nos temas que eram mais relevantes na altura, mas que iriam continuar na ordem do dia mesmo depois de o livro ser publicado. Pouco tempo depois de ter escrito o livro, a indústria dos produtos de bem-estar explodiu e a autora lamenta não ter escrito mais sobre isso. Se tem interesse em escrever outro livro? “Claro. Mantenham-se atentos.”

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